São Paulo - A indústria de carnes do Brasil não tem fiscais suficientes para garantir que o produto seja seguro, disse um sindicato de inspetores sanitários na segunda-feira, apontando os cortes de verbas do governo como responsáveis pelos problemas sanitários generalizados citados pelos Estados Unidos.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa) reforçou suas antigas críticas sobre os cortes de verbas e falta de equipe após os Estados Unidos suspenderem a compra de carne bovina in natura do Brasil na semana passada, alegando terem encontrado abscessos na carne e indícios de falência sistemática das inspeções.
A suspensão, somada à revelação de que a União Europeia encontrou as bactérias E.coli e salmonela na carne bovina e de frango exportadas pelo Brasil, foi o mais recente abalo para um importante setor da economia agrícola do país.
O presidente da Anffa, Maurício Porto, disse em uma entrevista que o número de inspetores do país caiu para 2.600 ante 3.200 em 2002, ainda que o número de unidades processadoras de carne tenha mais que dobrado.
Enquanto não é anormal que sindicatos do governo reclamem sobre cortes de orçamento que diminuem suas próprias categorias, o criticismo de inspetores ganhou uma ressonância maior dados os problemas de exportação, que ocorrem após um escândalo envolvendo supostas propinas a auditores que abalou o setor em março.
"Isso pode piorar, porque mais da metade dos atuais inspetores tem tempo de trabalho suficiente para se aposentar, e é provável que eles façam isso para conseguirem condições melhores de aposentadoria antes que a reforma da previdência seja aprovada", disse Porto, referindo-se a uma proposta de reforma que é meta central do governo do presidente Michel Temer.
O Ministério da Agricultura estava ciente das críticas pelo sindicato, disse uma porta-voz, mas não tinha nenhum comentário adicional.
O governo brasileiro anunciou em março um corte de 45 por cento no orçamento do Ministério da Agricultura, parte de um plano para reduzir gastos enquanto combate um déficit fiscal que alcançou níveis recordes nos dois últimos anos.
O secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, disse na sexta-feira que nenhum dos problemas encontrados representava riscos à saúde de consumidores, acrescentando que alguns dos animais haviam tido reações adversas a vacinas contra a febre aftosa.
Ele reconheceu que houve falhas no sistema do Brasil, mas disse que também poderiam haver motivações comerciais para a suspensão.
A relação apontada pelo Ministério da Agricultura entre os abscessos e as vacinas foi questionada por alguns especialistas. Vacinas para febre aftosa são as vacinas mais utilizadas em animais ao redor do mundo, disse James Roth, diretor do Centro de Segurança Alimentar e Saúde Pública da Iowa State University.
No Brasil, empresas farmacêuticas como Merck & Co e Bayer Saúde Animal têm autorização para vender vacinas contra a doença, segundo o centro.
Roth disse que qualquer injeção em um animal pode produzir um abscesso, se a agulha estiver suja. No entanto, "se abscessos estão aparecendo na carne, deve haver uma falha no abatedouro, porque esses deveriam ser vistos e removidos", disse ele.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) não teve nenhum comentário imediato sobre se as vacinas da febre aftosa ou cortes orçamentários podem ter contribuído aos problemas com a carne bovina in natura do Brasil.
A suspensão dos EUA à carne brasileira ocorre três meses após uma crise generalizada causada pela Operação Carne Fraca, investigação sobre supostas propinas pagas a autoridades sanitárias por processadoras.
O sindicato disse que a falta de pessoal também estava contribuindo com casos de corrupção.
Embora apenas os Estados Unidos tenham implementado uma suspensão absoluta à carne bovina in natura do Brasil, autoridades no Canadá e na União Europeia disseram na sexta-feira que haviam rejeitado alguns embarques de carne brasileira nos últimos meses.
Fonte: Reuters