Crise externa pode beneficiar meta de inflação

Leia em 6min 10s

A crise financeira internacional e a formação de um quadro recessivo podem não ser de todo ruins para a economia brasileira. Para economistas, a queda nos preços das commodities, sobretudo agrícolas, mais que compensará a alta do dólar frente ao real, contribuindo para a volta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aos 4,5%, definidos pelo Banco Central como centro da meta, em 2009. Mesmo com a alta dos últimos dias, muitas consultorias mantêm a previsão de um câmbio entre R$ 1,70 e R$ 1,80 no fim do ano.

 

A parte ruim da conta viria pelos efeitos sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e sobre as contas externas. A queda nos preços das commodities - em função da saída de fundos de investimento e de outros especuladores do mercado - tende a reduzir o saldo comercial (mesmo com a valorização do dólar), que também seria influenciado pela redução no ritmo de expansão da demanda global. Outro reflexo seria o crescimento mais modesto dos investimentos por conta do crédito mais caro e escasso, no exterior e no mercado interno. Balança comercial e investimentos crescendo menos podem provocar alta do PIB mais próxima de 3% em 2009, prevêem analistas. 

 

Paulo Pereira Miguel, economista da Quest Investimentos, considera que o pacote de ajuda anunciado no fim de semana pelo governo americano pode estancar ou minimizar os efeitos da crise financeira, mas ainda assim a desaceleração econômica mundial será inevitável. No caso brasileiro, somam-se aos efeitos externos o aperto na política monetária, que apresentará reflexos já no quarto trimestre deste ano. "A impressão que se tem é que os efeitos ainda não são muito marcantes", afirma Miguel. Ele espera que a paridade real/dólar situe-se entre R$ 1,75 e R$ 1,80 até o fim do ano, acima da média de R$ 1,65 praticada antes das turbulências recentes, mas nada "dramático". "As commodities caíram muito, isso mais que compensa a depreciação do real para efeitos de inflação", afirma. 

 

Para Miguel, os efeitos defasados da política monetária sobre a demanda doméstica serão mais fortes do que a crise externa. "A desaceleração da economia global exercerá efeito menor pelo canal do crédito externo", afirma. Para 2009, ele prevê crescimento do PIB entre 3% e 3,5%, abaixo dos 5,2% esperados para este ano, com inflação de 5%, ante 6,3% neste ano. 

 

A economista-chefe do ING, Zeina Latif, também considera como principal efeito líquido da crise externa a redução do risco inflacionário. "A aceleração da inflação no começo do ano foi reflexo da alta nos preços das commodities superior à queda do dólar frente ao real. Agora esses valores começam a voltar e a queda em preços de commodities agrícolas tem função importante no controle do IPCA", diz. 

 

Para Zeina, a crise financeira já vinha causando redução na oferta de crédito no mercado externo e deve começar a restringir a oferta de crédito no Brasil, já que os bancos também tomam recursos no exterior. Essa redução, somada à alta dos juros, pode desestimular empresas a realizar alguns investimentos planejados. A possibilidade de queda nas exportações e a dificuldade de captação de recursos na bolsa também tornam o cenário para formação bruta de capital fixo mais complicado. Zeina mantém a previsão de alta do IPCA de 6% neste ano, e 4,5%, em 2009. 

 

Para Flávio Serrano, economista do BES Investimentos, independentemente da crise externa, a política monetária brasileira já foi desenhada para provocar o desaquecimento da economia doméstica. "O nível de atividade industrial vai se arrefecer na margem [crescer a taxas menores] e também pode haver algum efeito sobre o nível de emprego e renda. O quadro já estava desenhado para 2009 não ser tão favorável como 2008", afirma. Para Serrano, o principal efeito deve ser notado em formação bruta de capital fixo, sobretudo com a redução do investimento estrangeiro. Ele projeta câmbio entre R$ 1,65 e R$ 1,70 até o fim do ano e de R$ 1,75 em 2009, o que provoca efeito sobre os itens comercializáveis do IPCA, compensado pela queda nos preços das commodities, ajudando a reduzir a inflação para 4,3% no próximo ano e para algo entre 5,8% e 6%, este ano. 

 

A LCA Consultores também mantém as previsões de câmbio e inflação, com paridade de R$ 1,65 para o dólar e inflação de 6,3% neste ano e 4,6% em 2009. O economista Fábio Romão observa que em agosto do ano passado, quando a crise hipotecária americana ganhou destaque, também houve depreciação do real, que depois voltou aos patamares anteriores. 

 

A consultoria revisou para baixo a projeção de inflação, que antes estava em 6,6%, por conta de uma previsão de que a Petrobras faria um reajuste nos preços dos combustíveis em novembro, o que não mais ocorrerá após a queda nas cotações internacionais do petróleo. Como a consultoria já trabalhava com a hipótese de que a economia iria se desacelerar no quarto trimestre com elevações da Selic até 14,75%, preferiu manter a projeção de PIB para 5,1% neste ano e 3,7% em 2009. 

 

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, tem visão um pouco mais pessimista. Para ele, a crise no mercado financeiro deve se arrastar até 2009. Para o economista, a paridade do real com o dólar deve diminuir para algo entre R$ 1,70 e R$ 1,75 até o fim deste ano, e evoluir para R$ 1,85 em 2009. O efeito sobre os preços de itens passíveis de comercialização no exterior (tradeables), que representam cerca de 30% do IPCA, seria pequeno e mais que compensado pela queda nas cotações das commodities. Ele também considera que essa queda, somada à taxa Selic mais alta, permitirá que a inflação situe-se em 4,5% em 2009. 

 

"Em termos marginais pode haver algum ganho na área industrial, mas não podemos esquecer que o que fez a balança subir nos últimos anos foi o aumento da demanda mundial e dos preços das commodities. Agora os dois elementos estão em baixa. Não é de se esperar uma explosão de balança", pondera Vale. Ele prevê para o próximo ano alta de 9% nas exportações e de 19% nas importações. 

 

A SLW Asset Management estima que o câmbio irá recuar, mas não voltará aos patamares anteriores. Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, economista-chefe da consultoria, reviu a projeção de câmbio, de R$ 1,65 para R$ 1,78 a R$ 1,80, o que certamente terá impacto sobre o IPCA. "Por enquanto a situação fica um pouco pior por conta do câmbio, mas pode ficar preocupante se o dólar se mantiver em nível mais alto e as commodities tiverem alguma recuperação nos preços", afirma. Para ele, a alta do dólar deve ser repassada ao mercado interno e provocar alguma alteração no curto prazo. 

 

"A extensão da crise e os efeitos do pacote para o mercado ainda são um ponto de interrogação no curto e no médio prazos", diz. Para ele, a velocidade do desaquecimento da economia global nos próximos seis meses determinará o novo patamar de preços das commodities e seus efeitos sobre o mercado interno. 

 


Veículo: Valor Econômico


Veja também

País levará 18 anos para alcançar média mundial

Embora a desigualdade da distribuição de renda no Brasil esteja em queda - recuou 7% nos últimos se...

Veja mais
Ipea apura ascensão social de 14 milhões de brasileiros

Quase 14 milhões de brasileiros ascenderam socialmente no País entre 2001 e 2007, de acordo com um estudo ...

Veja mais
Pequenos repasses

A possibilidade de repasses nos preços dos produtos importados, em especial dos derivados de trigo, que tem alta ...

Veja mais
Consumidores devem pagar menos por botijão de gás

Consumidores podem ser beneficiados com a redução no preço final do botijão de gás de...

Veja mais
Desigualdade cai com mais empregos e mínimo maior

A maior geração do emprego com carteira assinada, a alta da renda e a continuidade dos reajustes do sal&aa...

Veja mais
Estoques magros e demanda crescente ainda dão suporte a produtos agrícolas

Com a tendência de baixa de preços acelerada após o recrudescimento da crise financeira internaciona...

Veja mais
Compras já somam R$ 273 bilhões no ano

A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) espera ...

Veja mais
Crise ameaça oferta de crédito para a safra no Centro-Oeste

Com uma safra recorde de grãos e a perspectiva de aumentar o faturamento com as exportações, benefi...

Veja mais
Pânico cresce, derruba Bolsa e dispara o dólar

O pânico que tomou conta dos investidores fez com que a Bolsa regredisse mais de um ano, e fechasse o pregã...

Veja mais