A crise financeira internacional e a formação de um quadro recessivo podem não ser de todo ruins para a economia brasileira. Para economistas, a queda nos preços das commodities, sobretudo agrícolas, mais que compensará a alta do dólar frente ao real, contribuindo para a volta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aos 4,5%, definidos pelo Banco Central como centro da meta, em 2009. Mesmo com a alta dos últimos dias, muitas consultorias mantêm a previsão de um câmbio entre R$ 1,70 e R$ 1,80 no fim do ano.
A parte ruim da conta viria pelos efeitos sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e sobre as contas externas. A queda nos preços das commodities - em função da saída de fundos de investimento e de outros especuladores do mercado - tende a reduzir o saldo comercial (mesmo com a valorização do dólar), que também seria influenciado pela redução no ritmo de expansão da demanda global. Outro reflexo seria o crescimento mais modesto dos investimentos por conta do crédito mais caro e escasso, no exterior e no mercado interno. Balança comercial e investimentos crescendo menos podem provocar alta do PIB mais próxima de 3% em 2009, prevêem analistas.
Paulo Pereira Miguel, economista da Quest Investimentos, considera que o pacote de ajuda anunciado no fim de semana pelo governo americano pode estancar ou minimizar os efeitos da crise financeira, mas ainda assim a desaceleração econômica mundial será inevitável. No caso brasileiro, somam-se aos efeitos externos o aperto na política monetária, que apresentará reflexos já no quarto trimestre deste ano. "A impressão que se tem é que os efeitos ainda não são muito marcantes", afirma Miguel. Ele espera que a paridade real/dólar situe-se entre R$ 1,75 e R$ 1,80 até o fim do ano, acima da média de R$ 1,65 praticada antes das turbulências recentes, mas nada "dramático". "As commodities caíram muito, isso mais que compensa a depreciação do real para efeitos de inflação", afirma.
Para Miguel, os efeitos defasados da política monetária sobre a demanda doméstica serão mais fortes do que a crise externa. "A desaceleração da economia global exercerá efeito menor pelo canal do crédito externo", afirma. Para 2009, ele prevê crescimento do PIB entre 3% e 3,5%, abaixo dos 5,2% esperados para este ano, com inflação de 5%, ante 6,3% neste ano.
A economista-chefe do ING, Zeina Latif, também considera como principal efeito líquido da crise externa a redução do risco inflacionário. "A aceleração da inflação no começo do ano foi reflexo da alta nos preços das commodities superior à queda do dólar frente ao real. Agora esses valores começam a voltar e a queda em preços de commodities agrícolas tem função importante no controle do IPCA", diz.
Para Zeina, a crise financeira já vinha causando redução na oferta de crédito no mercado externo e deve começar a restringir a oferta de crédito no Brasil, já que os bancos também tomam recursos no exterior. Essa redução, somada à alta dos juros, pode desestimular empresas a realizar alguns investimentos planejados. A possibilidade de queda nas exportações e a dificuldade de captação de recursos na bolsa também tornam o cenário para formação bruta de capital fixo mais complicado. Zeina mantém a previsão de alta do IPCA de 6% neste ano, e 4,5%, em 2009.
Para Flávio Serrano, economista do BES Investimentos, independentemente da crise externa, a política monetária brasileira já foi desenhada para provocar o desaquecimento da economia doméstica. "O nível de atividade industrial vai se arrefecer na margem [crescer a taxas menores] e também pode haver algum efeito sobre o nível de emprego e renda. O quadro já estava desenhado para 2009 não ser tão favorável como 2008", afirma. Para Serrano, o principal efeito deve ser notado em formação bruta de capital fixo, sobretudo com a redução do investimento estrangeiro. Ele projeta câmbio entre R$ 1,65 e R$ 1,70 até o fim do ano e de R$ 1,75 em 2009, o que provoca efeito sobre os itens comercializáveis do IPCA, compensado pela queda nos preços das commodities, ajudando a reduzir a inflação para 4,3% no próximo ano e para algo entre 5,8% e 6%, este ano.
A LCA Consultores também mantém as previsões de câmbio e inflação, com paridade de R$ 1,65 para o dólar e inflação de 6,3% neste ano e 4,6% em 2009. O economista Fábio Romão observa que em agosto do ano passado, quando a crise hipotecária americana ganhou destaque, também houve depreciação do real, que depois voltou aos patamares anteriores.
A consultoria revisou para baixo a projeção de inflação, que antes estava em 6,6%, por conta de uma previsão de que a Petrobras faria um reajuste nos preços dos combustíveis em novembro, o que não mais ocorrerá após a queda nas cotações internacionais do petróleo. Como a consultoria já trabalhava com a hipótese de que a economia iria se desacelerar no quarto trimestre com elevações da Selic até 14,75%, preferiu manter a projeção de PIB para 5,1% neste ano e 3,7% em 2009.
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, tem visão um pouco mais pessimista. Para ele, a crise no mercado financeiro deve se arrastar até 2009. Para o economista, a paridade do real com o dólar deve diminuir para algo entre R$ 1,70 e R$ 1,75 até o fim deste ano, e evoluir para R$ 1,85 em 2009. O efeito sobre os preços de itens passíveis de comercialização no exterior (tradeables), que representam cerca de 30% do IPCA, seria pequeno e mais que compensado pela queda nas cotações das commodities. Ele também considera que essa queda, somada à taxa Selic mais alta, permitirá que a inflação situe-se em 4,5% em 2009.
"Em termos marginais pode haver algum ganho na área industrial, mas não podemos esquecer que o que fez a balança subir nos últimos anos foi o aumento da demanda mundial e dos preços das commodities. Agora os dois elementos estão em baixa. Não é de se esperar uma explosão de balança", pondera Vale. Ele prevê para o próximo ano alta de 9% nas exportações e de 19% nas importações.
A SLW Asset Management estima que o câmbio irá recuar, mas não voltará aos patamares anteriores. Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, economista-chefe da consultoria, reviu a projeção de câmbio, de R$ 1,65 para R$ 1,78 a R$ 1,80, o que certamente terá impacto sobre o IPCA. "Por enquanto a situação fica um pouco pior por conta do câmbio, mas pode ficar preocupante se o dólar se mantiver em nível mais alto e as commodities tiverem alguma recuperação nos preços", afirma. Para ele, a alta do dólar deve ser repassada ao mercado interno e provocar alguma alteração no curto prazo.
"A extensão da crise e os efeitos do pacote para o mercado ainda são um ponto de interrogação no curto e no médio prazos", diz. Para ele, a velocidade do desaquecimento da economia global nos próximos seis meses determinará o novo patamar de preços das commodities e seus efeitos sobre o mercado interno.
Veículo: Valor Econômico