Governo quer assegurar que não faltará dinheiro para exportação, agricultura, BNDES e PAC
Preocupado com o “sumiço” das linhas de crédito no mundo inteiro, em decorrência da crise, o governo decidiu reforçar ainda mais a posição do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O banco deverá receber R$ 7 bilhões que hoje estão no Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS). Esse fundo usa parte dos recursos do FGTS para financiar a infra-estrutura.
O aporte de R$ 7 bilhões será adicional aos R$ 15 bilhões que o Tesouro já vem entregando ao banco em parcelas, com base em medida provisória editada no fim de agosto. O reforço do BNDES faz parte da estratégia definida pelo governo quando a crise começou a se agravar.
A idéia é concentrar esforços para assegurar que não falte dinheiro para quatro áreas: exportação, agricultura, BNDES e Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com o BNDES forte, o governo espera preservar os investimentos privados na economia e manter o ciclo de crescimento.
Ontem, o vice-presidente, José Alencar, saiu em defesa do BNDES. “É um banco raro. São poucos os (bancos) que têm seus recursos e (estão) emprestando a 6,25% ao ano.” O porcentual corresponde à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
Esses aportes ao BNDES já estavam decididos antes de o Congresso americano rejeitar o pacote de ajuda aos bancos e lançar os mercados financeiros em um clima de pânico. Com a piora do quadro, o governo já estuda medidas adicionais, informou ontem o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Elas, porém, só serão anunciadas quando o quadro estiver mais claro.
DIVERGÊNCIAS
De acordo com técnicos, o valor da transferência do FI-FGTS para o BNDES ainda poderá ser modificado. Parte do governo resiste à decisão, mas ela já está tomada nos escalões mais altos. Diante das resistências de alguns ministros, chegou-se a examinar uma alternativa: em vez de transferir os R$ 7 bilhões para o BNDES, o FI-FGTS passaria a financiar projetos de infra-estrutura selecionados pelo banco. Dentro do objetivo de garantir crédito para investimentos, o efeito seria o mesmo. No entanto, o BNDES insistiu em receber o dinheiro.
A medida desagrada aos sindicalistas. “Não estamos a fim de entregar esse dinheiro”, disse o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força, envolvido em investigações da Polícia Federal sobre desvios de verbas do BNDES.
Segundo o secretário-executivo do Conselho Curador do FGTS, Paulo Furtado, o FI-FGTS aprovou só um projeto até agora, de R$ 500 milhões à concessionária de ferrovias ALL para a ampliação da malha. Há mais 12 projetos pré-aprovados nas áreas de energia e portos. Furtado disse desconhecer as negociações para transferência dos R$ 7 bilhões ao BNDES, mas afirmou que o banco é um “parceiro”.
Lula se declara apreensivo, mas garante recursos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, pela primeira vez, que está apreensivo com a crise internacional, mas garantiu que, apesar do risco de escassez de crédito, não faltarão recursos para os projetos financiados pelas instituições oficiais. Ao lado do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com quem se reuniu pela manhã, Lula afirmou que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) continuará e não faltarão recursos ao Banco do Brasil e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o financiamento das exportações.
“Não vamos permitir que faltem recursos para as coisas que temos de cumprir”, afirmou Lula. “ O PAC vai continuar funcionando. E as obras de infra-estrutura vão continuar acontecendo”, disse.
O presidente, no entanto, aumentou o tom de preocupação em relação aos efeitos da crise na economia brasileira. Embora ressalte que o País tem condições melhores do que no passado, ele se declarou apreensivo com a escassez de crédito no mercado mundial. “Eu poderia dizer que estou tranqüilo, acompanhando (a crise) com apreensão”, afirmou. “É como se eu recebesse a notícia de que um amigo meu está internado no hospital. Eu não estou doente, mas fico apreensivo com o que pode acontecer. Estou apreensivo com a crise porque o Brasil é um país exportador, porque o País quer continuar crescendo”, disse o presidente.
Em entrevista coletiva, Lula admitiu que a crise é “muito séria, e tão profunda que não sabemos o seu tamanho”. “Talvez seja uma das maiores que o mundo já enfrentou.” Para ele, é necessário “juízo e responsabilidade” para que as economias continuem em crescimento.
Mantendo o tom adotado na última semana, Lula insistiu que não seria justo que o Brasil e as economias menores fossem sacrificados porque o sistema financeiro americano portou-se como um cassino. “Fizemos a lição. Eles (os EUA), não, e passaram as últimas três décadas nos dizendo o que tínhamos de fazer.” Para o presidente, é o momento de acreditar no Brasil e no seu mercado interno. “Temos de acreditar que não seremos vítimas, como fomos outras vezes, e ao mesmo tempo torcer para que os americanos resolvam o problema.”
Lula voltou a atribuir ao clima eleitoral nos EUA a rejeição do pacote de ajuda ao setor financeiro pelo Congresso americano e manifestou esperança de que as medidas sejam aprovadas. “Torço para que o governo, o Congresso, os empresários e o povo americano encontrem logo uma saída e não permitam que as eleições atrapalhem as decisões para que a crise não aprofunde os problemas em outros países”, afirmou.
O presidente informou ainda que vai manter reuniões periódicas com os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Miguel Jorge, além do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para avaliar o andamento da crise e seus efeitos. Rejeitou, no entanto, a interpretação de que tenha criado “um gabinete de crise”. “Não existe uma espécie de gabinete de crise. Eu é que sou um curioso por economia desde que era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.”
Veículo: O Estado de S.Paulo