Mercado duvida que Palocci controle Dilma

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Autonomia de petista não preocupa, mas setor financeiro aposta em papel político do ex-ministro

 

O mercado financeiro participa da campanha eleitoral fazendo o que sabe: gerenciar risco. A predisposição de evitar perdas ou surpresas levou o setor a aproximar-se do ex-ministro Antonio Palocci, reconhecido como interlocutor da candidata do PT a presidente, Dilma Rousseff. Os contatos, feitos até alguns meses atrás em palestras e encontros fechados com controladores de grandes grupos financeiros e clientes altamente selecionados, tornaram-se mais informais e frequentes. Em alguns casos, telefônicos e semanais. Na agenda: o que pensam e como decidem o governo Luiz Inácio Lula da Silva, a candidata Dilma e o PT.

 

"Palocci é um insider no poder. É ele quem está treinando Dilma a ser politicamente correta. É um engano acreditar que o ex-ministro é a sombra da Dilma. É mais que isso. Ele é 'parente' da candidata", resume um dos interlocutores do ex-ministro.

 

O entusiasmo do setor com a candidatura Dilma vem da confiança de que Palocci é e será o fiador da continuidade da política econômica bancada por Lula. Interlocutores do ex-ministro reconhecem, porém, que são movidos pela confiança e que o acesso a Palocci não é garantia de que Dilma, se eleita, seguirá a cartilha preferida do sistema pautada por disciplina fiscal, câmbio flutuante e metas para a inflação.

 

"Não sabemos se Dilma, se eleita, será dirigida pelo PT, se ela tem ideais mais radicais como mostra sua biografia, se ela saberá efetivamente compor com o Congresso. Palocci é um bom professor, mas bom professor não garante nota boa na prova", comenta uma fonte.

 

Mesmo sem garantias, o setor considera o ex-ministro uma "boa aposta" na defesa de políticas que chancelam expectativas com novo ciclo de desenvolvimento do país e não apenas de crescimento econômico reativo a condições globais. "Não há dúvida de que ele é e será um bom conselheiro da Dilma. E um canal de comunicação para o sistema. Não há dúvida de que ele apresenta à candidata nossas preocupações e interesses", afirma outra fonte consultada pelo Valor.

 

A crise financeira instaurada em 2008, com aguda sequela na Europa, revelou o Brasil num patamar ímpar de expansão econômica sustentada por robusta demanda interna e explícita disposição para investimentos produtivos - "condições exploradas política e corretamente pela candidata Dilma Rousseff", na visão de uma fonte para quem esse cenário muito se deve ao ex-ministro que cumpriu o mandato recebido de Lula para garantir tranquilidade aos mercados na travessia de 2002 para 2003. "Ele blindou o Ministério da Fazenda do assédio do PT e garantiu a continuidade", diz a fonte.

 

Para o setor financeiro, o prestígio do ex-ministro da Fazenda está longe de fortuito, apesar do seu desembarque do governo há quatro anos. O prestígio de Palocci tem lastro em um consistente histórico que vem da gestação do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os interlocutores repetem em coro que em 2002, o ex-ministro tornou-se figura-chave ao evitar que um discurso partidário em defesa da ruptura com o modelo de política econômica herdado do governo Fernando Henrique Cardoso arrastasse o então candidato Lula a mais um fracasso nas urnas.

 

Há o reconhecimento de que a decisão tomada pelo PT no início da década passada, de "fazer campanha para ganhar", resultou em compromissos importantes: a escolha do empresário José de Alencar para vice-presidente, sinalizando forte aliança política; a Carta ao Povo Brasileiro, instrumento subscrito por Lula comprometendo-se a manter o modelo econômico que patrocinou a estabilidade monetária; e a alavancagem de Palocci ao Ministério da Fazenda, como fiador dessa continuidade.

 

Palocci já chamava atenção em 2001 por ser bom ouvinte, ser despretensioso, e ter treinamento de médico. "Esquisito? Nem tanto", diz um banqueiro que aponta a principal qualidade dessa profissão do ponto de vista financeiro: "Um médico tem visão 'sistêmica'. Este adjetivo é precioso para o setor financeiro onde o 'todo' se sobrepõe às 'partes' em termos operacionais e regulatórios".

 

Para outro interlocutor, Palocci é sobretudo "um homem pragmático e que traduz tudo, até as mais intrincadas questões políticas ou ideológicas, para uma linguagem muito fácil e tranquila".

 

Está na conta de Palocci o crédito pela defesa do que o mercado financeiro considera "tripé" vencedor de política econômica: política fiscal baseada em superávits primários, câmbio flutuante e regime de metas para a inflação. Graças à manutenção e ao sucesso desse "tripé", avaliam interlocutores do ex-ministro, o presidente Lula brinda índices inéditos de popularidade que abrem caminho para Dilma, "eleita" por Lula como sua sucessora, e para o próprio Palocci.

 

A boa acolhida do ex-ministro no setor financeiro ajuda a credenciá-lo à função de "operador" do futuro governo, papel que, segundo dois interlocutores de peso no sistema, seria desempenhado com brilho no comando da Casa Civil. Um terceiro interlocutor discorda. Vê Palocci "candidato" aos ministérios da Educação ou da Saúde. "Na Casa Civil, Palocci precisaria dizer 'não' mais vezes do que gostaria. Ele tem um projeto pessoal de poder, mas quer se redimir perante a população. Educação ou Saúde são Pastas adequadas a esse projeto de reconstrução para que, no futuro, ele tenha chance de disputar a Presidência da República", pondera a fonte.

 

Alternativa inexistente, neste início de campanha eleitoral, é o retorno de Palocci à área econômica. De um lado, o ex-ministro é visto principalmente como "braço político" de Lula num governo Dilma. De outro lado, a avaliação de seus interlocutores é de que a economia está "domesticada" e, portanto, pode ser capitaneada por um técnico que seja afinado com a candidata. Neste sentido, o nome mais citado para o Ministério da Fazenda é o do economista e atual presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), Luciano Coutinho.

 

As acusações feitas a Palocci de chefiar um esquema de corrupção na época em que era prefeito de Ribeirão Preto e de ser responsável pela quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa, que levaram à sua saída do comando do Ministério da Fazenda em 2006, não são ignoradas por seus interlocutores no sistema financeiro. Dois deles reconhecem que os "erros" cometidos por Palocci são graves para um ministro, "o que é inegável", com a atenuante de que ele não foi o único a cometer "erros" no primeiro mandato de Lula.

 

"Espero que seja o último", diz uma das fontes para quem é necessário reconhecer que os benefícios de ter Palocci próximo ao poder no futuro são maiores do que "deslizes" a ele atribuídos no passado. "E, na prática", resume a fonte, "a grande mudança de rota que os erros de Palocci provocaram não foi na orientação do governo, mas no futuro do próprio Palocci. Hoje, ele poderia ser o candidato de Lula à Presidência".
 

 

Veículo: Valor Econômico


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