Preços agrícolas voltaram a subir nos meses de julho e agosto
Após dois meses consecutivos de inflação zerada, uma frente fria pode chegar entre setembro e outubro. Não seria um choque oriundo de condições internas, como uma demanda que avança sobre a capacidade de oferta, mas o contágio de uma alta nos preços de commodities agrícolas. A trajetória de declínio do CRB, principal índice de preços das commodities, negociado em Chicago (EUA), foi interrompida em julho. Com oscilações para cima e para baixo no meio do caminho, o índice saiu de 281 pontos em janeiro e caiu até 255 pontos em junho, para voltar a subir, encerrar julho com média de 261,6 pontos, e apontar nova alta em agosto.
O contágio é rápido. Estudo realizado pelo economista-chefe para América Latina do BNP Paribas, Marcelo Carvalho, avalia que, em média, o peso dos alimentos na inflação dos países latino-americanos é de 71%. No Brasil, o peso é de 45%. O economista levou em conta o peso dos diferentes insumos, como grãos e farinha, e seus desdobramentos na cadeia, que atinge desde pães até comida industrializada. Tudo levado em conta, os alimentos representam quase metade da inflação no país.
"A inflação hoje está calmíssima. Os dados de agosto devem chancelar as baixas de junho e julho. Mas se a alta no CRB persistir, teremos um reflexo instantâneo nos preços entre setembro e outubro", afirma Carvalho, que avalia que o Banco Central deve interromper a alta de juros já na próxima reunião, no mês que vem.
A perspectiva de aumento de preços das commodities vem embasada por complicações naturais. Um dos principais fornecedores de trigo do mercado, a Rússia, passa por sua pior estiagem em 150 anos. Os preços de um alqueire de trigo ultrapassaram US$ 7 na semana passada, patamar mais elevado desde setembro de 2008. Além disso, tanto Rússia quanto Ucrânia, outro importante fornecedor de trigo, restringiram as exportações do cereal. Os preços em alta do trigo pressionam também o milho, seu substituto imediato. "Isso tem um efeito em cascata porque encarece ração animal e, consequentemente, chega nas carnes", raciocina Carvalho.
Nos últimos 30 dias, diferentes commodities agrícolas subiram de preço, como açúcar (10%), algodão (7%), milho (6%) e café (6%). Esses aumentos refletem na alta do CRB médio de agosto (273) em relação ao patamar médio de 261 de julho, embora nos últimos dias de agosto o índice tenha voltado a recuar, movimento que os analistas brasileiros veem como transitório.
A RC Consultores, que desenvolve modelos próprios de estimativa para o índice avalia que o CRB pode saltar mais 21 pontos até setembro, atingindo o nível mais elevado desde o pré-crise. O CRB, que no início da década oscilava em patamares próximos a 190 pontos, chegou a 440 pontos em meados de 2008, fenômeno que elevou os preços dos alimentos à patamares recordes no mundo e gerou debates, à época, em torno de uma possível "bolha de commodities".
A explosão da crise mundial em setembro daquele ano desinflou esse processo, levando o CRB mergulhar 52% em pouco meses chegando em fevereiro de 2009 com 213 pontos. A melhora da economia global desanuviou o quadro, ampliando as possibilidades de alta de preços - e de especulação.
O Banco Mundial divulgou, por meio de nota no começo de agosto, a avaliação de que "os especuladores podem estar por trás da volatilidade de curto prazo nos preços dos alimentos". Para Carvalho, há uma relação muito próxima entre preços de commodities agrícolas e liquidez mundial. "Sempre que aumenta a liquidez, com investidores tomando empréstimos a taxas de juros baixas, os preços das commodities agrícolas sobem, porque viram foco de rendimentos altos", diz ele.
"Trata-se de um processo duplo", explica Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, "que ficou claro em 2007 e 2008 e volta a ficar claro agora, que envolve demanda por grãos e especulação financeira". Segundo Silveira, a alta de preços de commodities ocorre primeiro por fatores naturais, como a combinação entre demanda mais elevada de países compradores e problemas de safra nos países produtores. A partir daí, os preços podem ser inflados por aplicações e especulações financeiras.
A alta de preços em decorrência de movimentos naturais foi observado já no fim de 2009, quando problemas na safra de arroz da Índia provocaram a alta de preços que repercutiu no Brasil no primeiro trimestre de 2010, quando os alimentos foram o principal foco de elevação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). "As pessoas não estavam comendo mais depois do reveillon, não era um problema de demanda, mas sim de oferta", diz Silveira. O CRB repercutiu aquela alta, quando passou do vale de 213 pontos de fevereiro de 2009 para a máxima de 281 pontos em janeiro de 2010.
Veículo: Valor Econômico