Apesar de terem se passado 15 anos do período de hiperinflação, no qual os brasileiros faziam a "compra do mês" no dia do pagamento, alguns mecanismos de indexação e de reajuste de produtos e serviços continuam sustentando uma inflação estrutural, resistente até mesmo à forte queda dos alimentos, como podemos assistir no cenário atual.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a economia deve apresentar leve desaceleração em 2011, mas não será o bastante para que o índice oficial encerre o ano no centro da meta - 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos para cima ou para baixo.
Caso a projeção do Ipea esteja certa, o País terá dois anos seguidos de inflação acima da meta. Em 2010, o governo estipulou o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 4,5% mas o valor final foi de 5,9%.
"Esta aceleração, em 2010, deve-se à forte escalada dos preços dos alimentos que, sozinhos responderam por quase 40% da variação total do índice. No entanto, outros fatores como a retomada do crescimento econômico brasileiro e a continuidade da expansão do crédito também ajudaram a manter a inflação em patamares mais elevados", aponta o estudo do Ipea, divulgado ontem no Rio de Janeiro.
"A tendência para este ano, entretanto, é de recuo nas taxas de inflação, haja vista uma combinação de fatores como: menor pressão dos alimentos, desaceleração do ritmo de crescimento da economia; e queda no reajuste real do salário mínimo", completa o relatório.
Na opinião do diretor da Fractal, Celso Grisi, a pressão do setor de alimentos deve ocorrer, diferente do que foi apresentado no estudo. A razão é a pressão internacional do preço das commodities. "Não concordo com a desaceleração por conta dos alimentos. Hoje temos uma demanda comercial de commodities grande, principalmente por conta da China e da Índia. Não temos nada que sinalize um recuo da demanda nos próximos 5 anos, o que irá corroborar com a teoria da pressão dos alimentos na inflação, uma vez que os alimentos terão a competição com os preços internacionais e nenhum produtor vai vender mais barato internamente se pode lucrar mais exportando", argumenta Grisi.
Para o diretor, a inflação em 2011 deve ser de no mínimo 5%, valor um pouco menor do que o obtido em 2010, por conta da queda no número de políticas públicas. "Podemos esperar para os próximos dois anos uma pressão inflacionária proveniente das políticas anticíclicas para conter a crise financeira internacional, quando foi necessário ampliar a liquidez do mercado por meio da injeção de dinheiro na economia, e não tem como enxugar o dinheiro de um dia para o outro. Além disso, teremos a Copa do Mundo e as Olimpíadas que devem inserir mais dólar no País. Não vejo a médio prazo uma redução da pressão inflacionária. Até 2013 teremos uma variação entre 5% e 5,5%", frisou Grisi.
Segundo Maria Andreia Parente Lameiras, técnica de planejamento do Ipea, as primeiras projeções de safra agrícola já indicam redução da pressão dos alimentos responsável pela atual alta da inflação brasileira. Outro fator para a desaceleração é a influência dos índices de preços anteriores nos preços regulados pelo setor público (tarifas de energia elétrica e de telefonia, combustíveis, passagens de ônibus e pedágios, entre outros) que tem diminuído com o passar dos anos, mas ainda guarda relação com inflações dos anos anteriores.
"O setor de serviços vai pressionar para manter a inflação em alta. Se vamos esfriar a economia, para conter a inflação o governo vai pressionar para ter lucro aumentando a taxa de juros. Por isso, nas próximas duas reuniões do Copom [Comitê de Política Monetária] teremos aumentos de 0,75% e 0,5% para possibilitar ao governo calibrar a economia", disse Grisi.
Lameiras afirmou que continuarão a pressionar a inflação o emprego e renda em alta, que estimulam o consumo. A técnica de planejamento também apontou o câmbio valorizado e a maturação de investimentos produtivos para conter os preços dos produtos industrializados.
"Câmbio valorizado de modo geral favorece as importações e derruba a inflação interna, mas as contas externas ficariam piores do que já estão. Câmbio permanece na tendência de apreciação, mas menor do que foi em 2010. Para 2011 teremos uma pressão no câmbio e uma desvalorização da moeda, o dólar ficará entre R$ 1,90 e R$ 1,95", pontuou o diretor.
As análises do Ipea e do diretor da Fractal seguem o anunciado no Boletim Focus desta semana, que apontou o IPCA para 2011 em 5,53%, e para 2012 a inflação deve marcar 4,54%.
Veículo: DCI