Resultado do varejo é melhor em setor com menos inflação
Os setores do comércio varejista com melhor desempenho em 2010 foram os que tiveram o comportamento mais benigno dos preços, um movimento influenciado em parte pelo dólar barato. As vendas do setor de equipamentos e material para escritório, informática e comunicação subiram 24,1%, num ano em que as cotações dos microcomputadores recuaram quase 13%. Também chama a atenção a elevação de 14,3% das vendas de veículos e motos. Em 2010, os preços dos carros novos recuaram 1,03% e as das motocicletas, 1,41%. Esses dois segmentos registraram alta superior à expansão de 12,2% do comércio varejista ampliado em 2010, que inclui veículos e motos e material de construção. No conceito de varejo restrito, a alta foi de 10,9%, a maior da série do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) iniciada em 2001.
A ampla oferta de crédito e o aquecimento do mercado de trabalho também são fundamentais para explicar o bom desempenho desses setores, mas o comportamento dos preços tem um papel importante nesse movimento, acredita o economista Douglas Uemura, da LCA Consultores.
Ele observa que o setor de móveis e eletrodomésticos também teve crescimento expressivo - 18,2% no ano, o melhor desde 2004 -, associando a expansão no volume de vendas à queda significativa dos preços de produtos da chamada linha marrom. Em 2010, diz Uemura, as cotações de televisores e DVDs caíram 22,2% e 10,9%, pela ordem, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O dólar barato contribui para baratear esse produtos.
Se os preços em queda ajudam as vendas dos setores de bens duráveis, a inflação em alta de alimentos e bebidas tira fôlego do segmento de hiper e supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo. Em dezembro, o setor recuou 0,3% sobre novembro, feito o ajuste sazonal. No ano, a alta foi de 9%, uma expansão significativa, mas inferior aos 24,1% de equipamentos de informática e aos 18,2% de móveis e eletrodomésticos. Os preços de alimentos e bebidas subiram 10,4% em 2010.
O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, nota que o impacto da inflação nas vendas fica claro no "crescente e díspar desempenho do faturamento nominal e do volume de vendas do varejo restrito", no qual o setor de hiper e supermercados tem peso de aproximadamente 50%. Entre junho e dezembro do ano passado, as receitas aumentaram 7,4%, feito o ajuste sazonal, impulsionado pelos preços mais altos, enquanto o volume de vendas aumentou 3,7% (ver gráfico).
O resultado de hiper e supermercados foi o principal responsável pela estabilidade do varejo restrito em dezembro na comparação com novembro. À primeira vista, um desempenho frustrante, mas que precisa ser analisado com cuidado, segundo Montero. Ele lembra que o varejo ampliado cresceu 2,3% sobre novembro, acrescentando que apenas duas das dez atividades tiveram queda - além do recuo em hiper e supermercados, houve baixa de 1% no de artigos de uso pessoal e doméstico. "Nos outros oito setores, mais sensíveis ao crédito e menos impactados pelo preços dos alimentos, as vendas cresceram bastante."
Desse modo, as vendas terminaram 2010 com crescimento robusto, exacerbando a diferença de comportamento entre o comércio e a produção industrial. No acumulado de 2010, a indústria teve alta de 10,5%, mas o aumento concentrou-se nos três primeiros meses do ano. Em dezembro, o nível de produção estava 1,7% abaixo do de abril, feito o ajuste sazonal, enquanto o volume de vendas do varejo ampliado era 12,2% maior. Outra comparação que mostra essa divergência é com os níveis do pré-crise. A indústria terminou o ano passado 2,5% abaixo do pico atingido em julho de 2008, ao passo que o varejo ampliado ficou 23% acima. Para Montero, o aumento da participação dos importados no consumo é a grande explicação para essa diferença. Ainda que a indústria tenha crescido mais de 10% em 2010, ela viu o produto estrangeiro abocanhar uma fatia maior da demanda interna, beneficiada pelo câmbio valorizado.
A exuberância do varejo em 2010, porém, não deve se repetir neste ano. Em nota, os economistas Alexandre Andrade e Roberta da Veiga, da Tendências Consultoria Integrada, reduziram a projeção para a expansão do varejo restrito de 8% para 6,8%, porque estão menos otimistas quanto ao resultado dos setores de bens não duráveis (como alimentos). Segundo eles, as pressões sobre alimentos deverão continuar nos próximos meses, afetando o rendimento real dos trabalhadores.
Uemura projeta crescimento de 5% para o varejo restrito (os analistas não fazem estimativas para o ampliado porque a série é muito recente). Ele destaca o impacto que terão sobre as vendas as medidas de restrição ao crédito e a alta dos juros, o que já aconteceu, segundo Uemura. Segundo números da LCA, a média diária do licenciamento de veículos em janeiro recuou 6,3% sobre dezembro, com ajuste sazonal. Em fevereiro, até o dia 14, a média recuou mais 5,3%.
Veículo: Valor Econômico