Inflação eleva "maquiagem" de produtos

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Com alta de alimentos, empresas reduzem quantidade sem baixar preço; para especialistas, prática pode ser abusiva

Mudança tem de ser informada de forma "ostensiva'; letras miúdas estão entre as reclamações

 

A alta da inflação intensificou a prática de empresas de reduzir o peso ou o volume dos produtos sem a diminuição proporcional do preço, muitas vezes sem informar o consumidor de forma clara (a chamada "maquiagem"), segundo representantes do varejo ouvidos pela Folha.

 

Com o aumento de custos, em vez de elevar o valor do produto, o fabricante corta a quantidade vendida.

 

Levantamento feito pela Folha em supermercados na semana passada encontrou uma dúzia de produtos com redução no volume.

 

A lista inclui iogurtes, farinha, suco, gelatina, atum, aveia, água mineral e até filtro de papel para café.

 

Em todos os produtos, havia informação na embalagem sobre a redução, como manda a lei, mas na maioria dos casos o anúncio ocorre em letras miúdas. Com destaque, só 3 dos 12 produtos.

 

O DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor), do Ministério da Justiça, diz que as reduções de volume sem barateamento proporcional podem significar prática abusiva.

 

Segundo o órgão, o abuso pode ser enquadrado em artigos do Código de Defesa do Consumidor que vedam exigir do cliente vantagens excessivas e elevar preço de produtos sem justificativa.

 

O departamento afirma, no entanto, que não há na legislação texto que cite explicitamente que a redução de peso tem de ser acompanhada por queda de preço.

 

Tanto o DPDC como o Procon afirmam, no entanto, que não há ilegalidade na redução quando ela é justificada e informada de forma "ostensiva" ao consumidor.

 

Na lista obtida pela Folha, o caso de maior redução percentual de produto é o da gelatina Sol, cujo volume caiu 59% -de 85 g para 35 g.

O fabricante J.Macêdo diz que houve mudança na fórmula, sem prejuízo ao rendimento final.

 

TRANSPARÊNCIA

 

De acordo com o assistente de direção da Fundação Procon-SP, Carlos Alberto Nahas, todas as informações de mudança devem aparecer de forma ostensiva e transparente na embalagem. "Letra miúda não é informação."

 

Portaria do Ministério da Justiça, de 2002, criou regras para a redução de quantidade. A embalagem deve informar, em tamanho e cor adequados, o volume anterior e o atual e a redução em valores absolutos e percentuais.

 

As letras miúdas das embalagens estão entre as reclamações. "No meu caso, quando ocorre essa redução, acaba passando despercebido", disse a educadora social Márcia Regina Soares, 41.

 

"O problema é que normalmente essa mudança nunca é proporcional. Às vezes o preço até aumenta", afirmou a arquiteta Carla Sette, 42. "É um descaso, a gente se sente ofendido."

 

Empresas dizem se adequar ao mercado

 

Mudança de fórmula, adequação ao mercado e reformulação visual. Esses são alguns dos argumentos de fabricantes para a redução no volume dos produtos.

 

As indústrias afirmam que respeitam as regras, mas poucas falam sobre o vínculo entre a alteração e o preço.

 

Dos casos encontrados pela Folha nas prateleiras dos supermercados, de 9 fabricantes, apenas 3 afirmaram que a redução da mercadoria teve queda de preço proporcional.

 

No caso da gelatina Sol, cujo peso foi reduzido em 59%, o fabricante J.Macêdo disse que houve mudança na fórmula, mas que o rendimento final do produto permaneceu o mesmo.

 

Argumento semelhante foi usado pela Kraft, responsável pelo suco Tang, cujo peso foi reduzido de 35 gramas para 30 gramas (-14,3%).

Na relação de produtos da gigante PepsiCo, a diminuição envolve o atum ralado light Coqueiro, de 130 gramas para 120 gramas (-7,7%), e a aveia em flocos finos Quaker, de 500 gramas para 450 gramas (-10%).

 

A PepsiCo disse apenas que informou o corte de forma "transparente", mas não informou a razão.

 

Já a Yoki Alimentos reduziu a farofa pronta suave de 300 gramas para 250 gramas (diminuição de 16,7%). A assessoria da empresa não deu detalhes.

 

REFORMULAÇÃO

 

Na linha da "adequação do produto ao mercado", a Danone, o Pão de Açúcar e a Coca-Cola "encolheram" produtos.

 

A Danone diminuiu as bandejas de iogurte da marca própria e da linha Paulista, de 600 gramas para 540 gramas -baixa de 10%.

 

A companhia diz que o novo peso é um padrão do mercado, mas não revelou se o preço recuou.

 

Já a Coca-Cola diz que, reformulando a identidade visual, reduziu o volume da água mineral Crystal de 510 ml para 500 ml. A empresa diz que, como a redução foi de "apenas" 2%, o preço final da água não foi alterado.

 

O Pão de Açúcar, por sua vez, diminuiu a quantidade de coadores de papel para café da marca própria Qualitá. A caixa do produto passou a conter 30 unidades, ante 40 filtros -menos 25%.

 

A empresa diz que a mudança ocorreu para garantir competitividade e afirmou que houve redução de preço.

 

O Carrefour também reduziu seu filtro de papel para café, de marca própria, de 40 para 30 unidades.

 

A empresa disse que o preço foi readequado proporcionalmente.

 

Outra empresa que afirmou ter reduzido o valor final da mercadoria foi a Nestlé, cujos iogurtes naturais (desnatado, integral e com sabores) foram diminuídos em 15%. (LM)

 

Cliente deve ficar atento à embalagem

 

Como a legislação permite que as empresas modifiquem livremente seus produtos, desde que informem a alteração na embalagem, especialistas em direito do consumidor afirmam que o cliente deve estar atento aos textos impressos nos rótulos das mercadorias.

 

"A rotulagem é a comunicação do fornecedor com o consumidor", afirma Carlos Alberto Nahas, assistente de direção do Procon de São Paulo.

 

Para Maria Inês Dolci, coordenadora da ProTeste Associação de Consumidores e colunista da Folha, além de estarem atentos à embalagem, os consumidores devem acompanhar a evolução de preço.

 

Só assim, afirma Dolci, é possível que o consumidor saiba se a mercadoria que "encolheu" também está custando menos.

 

A coordenadora da ProTeste diz que a pior situação é aquela em que a mudança de volume do produto ocorre sem que haja nenhum tipo de comunicado por parte da empresa.

 

"Aí é omissão de dado, é uma violação da confiança do consumidor. Além disso, é uma ilegalidade e uma fraude no mercado", afirma Dolci. (LM)

 

Mudança tem de ser informada de forma clara na embalagem

 

A prática abusiva de "maquiagem de produtos" consiste na redução quantitativa do conteúdo da embalagem, sem aviso ao consumidor.

 

Na maioria das vezes, o preço anteriormente praticado é mantido, enganando o consumidor, que adquire menor quantidade pelo mesmo preço. Trata-se de forma de aumentar o preço sem que o consumidor perceba.

 

Essa prática não é nova e já aconteceu em diversas outras oportunidades, levando o Ministério da Justiça a baixar a portaria de número 81, de 23 de janeiro de 2002.

 

Segundo as regras estipuladas, embora os fornecedores tenham o direito de reformular seus produtos, devem informar adequadamente os consumidores a respeito. Todo aumento de preço leva o consumidor à reflexão, podendo desencadear a opção por um produto de empresa concorrente.

 

A portaria obriga que qualquer alteração quantitativa de produtos seja informada de forma clara e ostensiva.

 

Traduzindo: o consumidor, ao olhar para a embalagem, deve perceber que houve alteração quantitativa. Devem ser informadas a quantidade do produto, antes e depois da modificação, e a representatividade do aumento ou da redução, em termos absolutos e percentuais.

 

O período mínimo de veiculação dessas informações é de três meses, a fim de que o consumidor se habitue com as alterações.

Além de não cumprirem as regras, algumas empresas mudam as embalagens dos produtos para dificultar ainda mais a percepção da diminuição da quantidade.

 

Não basta informar a diminuição do conteúdo mediante letras pequenas no canto da embalagem. O consumidor deve ver e entender.

 

Com o aumento da inflação, esse expediente de maquiagem está mais comum. Empresas que adotam esse expediente podem ser multadas pelo DPDC -Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça- e pelos Procons em mais de R$ 3 milhões. Cabe ao consumidor denunciar essas práticas, a fim de que os procedimentos administrativos sejam instaurados, e o infrator, punido. Só assim esse expediente tenderá a diminuir.

 

 

Veículo: Folha de S. Paulo


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