Rumos do comércio

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Os números do comércio internacional cresceram vertiginosamente nos últimos 15 anos. O Brasil exportava US$ 47,747 bilhões em 1996 e, em 2010, exportou US$ 201,9 bilhões. O agronegócio teve papel relevante nesse crescimento, representando 44,29% (US$ 21,145 bilhões) do que exportamos há 15 anos e 37,84% (US$ 76,439 bilhões) do que vendemos para o exterior no ano passado.

 

Esse crescimento ocorreu praticamente à revelia de qualquer negociação que, reduzindo barreiras tarifárias, ampliasse a penetração de produtos brasileiros. Incorporados os resultados da Rodada Uruguai da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994, não avançamos em praticamente nenhum acordo de livre comércio de relevo.

 

Ampliamos as exportações como resultado de aumento de competitividade interno, fruto de alterações estruturais e também do crescimento da demanda, em particular vinda da Ásia. Ampliando a competitividade do agronegócio, tivemos os aumentos de produtividade agronômica, zootécnica e de processamento industrial. Além disso, a Lei Kandir eliminou a tributação na exportação e também houve melhoria de custos portuários, bem como importantes avanços em sanidade animal. Ficaram faltando para a competitividade da produção do Brasil, principalmente, a questão tributária, os custos de transporte e o juro real abusivo da nossa economia.

 

Certamente, continuaremos a avançar em matérias estruturais. A dúvida é a velocidade com que conseguiremos melhorar a competitividade do País, quando para isso se exigem, além de vultosos investimentos, maioria e apoio da sociedade em ações no coletivo.

 

Não podemos, porém, ficar parados nas negociações comerciais que visem a reduzir barreiras tarifárias. Nos últimos anos, o Brasil priorizou a negociação da Rodada Doha em detrimento das negociações bilaterais ou regionais. Foram anos e anos com uma declarada prioridade para a negociação multilateral, em que, porém, o que parecia reger os negociadores era uma pauta política, com o comércio vindo em segundo plano. Hoje parece inevitável o fracasso na negociação multilateral, o que exige uma nova estratégia nas negociações comerciais regionais e bilaterais.

 

A exceção à pauta multilateral é a negociação para um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Recentemente ocorreram reuniões para avaliar o possível término dessa negociação, paralisada desde 2004 e com muitos anos de esforço. As perspectivas não nos parecem otimistas, pois encontramos fortes resistências dos dois lados.

 

O setor agrícola europeu continua resistindo a oferecer maior acesso ao Mercosul, mesmo nos números extremamente razoáveis das cotas que vêm sendo ventiladas. O outro lado europeu, em tese ganhador e, portanto, interessado, não parece querer ou conseguir que essa limitada visão não domine o esforço negociador.

 

Do lado do Brasil, alguns setores industriais resistem à maior abertura, pressionados pela atual distorção cambial e a pressão chinesa. O novo governo federal ainda não parece ter decidido se vale a pena enfrentar esses pontos de resistência, colocando à mesa uma proposta concreta de relevo.

 

Entendemos, porém, que é inaceitável ficarmos parados, assistindo a inúmeros acordos comerciais serem negociados, em particular na região do Pacífico - justamente onde o crescimento da economia é uma realidade. Além disso, essa região é responsável pelos bons números apresentados nos últimos anos pelo Brasil. Os EUA, para citar somente a maior economia e também o maior concorrente do agronegócio do Brasil, vêm negociando inúmeros acordos comerciais com países da América Latina, Coreia e Austrália, além de participarem de iniciativas do chamado Trans-Pacific Partnership (TPP). Não se podem ignorar, tampouco, as negociações do grupo de asiáticos reunidos na Asean com a China.

 

Na região do Pacífico, as condições e preferências do comércio são amplamente negociadas. A região do mundo de maior desenvolvimento - e extremamente relevante para o comércio do Brasil - se movimenta ativamente. Ficarmos imobilizados representará, fatalmente, andarmos para trás, com futuros desvios de comércio. Não negociar, infelizmente, não deve ser alternativa. Precisamos reagir.

 

É preciso iniciar outras negociações comerciais. É preciso atuar em diversas frentes simultaneamente. A Coreia vem propondo negociar com o Brasil. Austrália e Nova Zelândia, também. O Japão, antes da tragédia, começava lentamente a se movimentar nesse sentido. A inapetência para negociar tem sido nossa.

 

Os argumentos contrários a ampliarmos as negociações serão exatamente os mesmos encontrados na negociação com a União Europeia, certamente relevantes, porém que precisam ser enfrentados. O imobilismo não é aceitável, pois não resolve nem a questão cambial ou a pressão chinesa. Será por meio de um posicionamento proativo que conseguiremos equacionar esses dois problemas.

 

Do lado da questão cambial, é preciso lembrar que qualquer negociação demandará longos anos. Não é possível imaginar que o Brasil não equacionará sua distorção cambial durante este período. Os resultados de uma negociação comercial demoram muitos anos e, mesmo no final, é possível incluir mais tempo, ampliando prazos de carência.

 

A pressão chinesa também continuará uma realidade. Ficarmos parados significará segurarmos nosso pujante mercado interno unicamente para a concorrência da China. É preciso enfrentar problemas institucionais internos, em particular a esdrúxula estrutura tributária. A guerra fiscal, que penaliza a produção interna em detrimento dos importados, não pode perdurar nem mais um dia. Uma ampla negociação comercial deve representar o estímulo para resolvermos pendências que são somente nossas.

 

O início de negociações comerciais rumo ao Pacífico colocará de sobreaviso nossos parceiros tradicionais na União Europeia e os EUA. O enorme mercado interno brasileiro, em franco desenvolvimento, é observado por todos. Negociar em paralelo inúmeros acordos de livre comércio aumentará muito nossa força negociadora, pois ninguém desejará ficar de fora.

 

Tenho certeza de que assistiríamos à União Europeia, ou mesmo aos EUA rapidamente oferecerem condições inexistentes hoje, desde que pairasse sobre eles a ameaça da região do Pacífico representada por acesso preferencial de seus produtos e serviços no mercado brasileiro.

 

É passada a hora de o Brasil iniciar de fato negociações comerciais.

 

Veículo: O Estado de S. Paulo


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