País aplicou US$ 11 bilhões no Brasil em 2010
Cultivar a terra e processar alimentos no outro lado do mundo ganha uma certa legitimidade quando se tem 1,3 bilhão de bocas para alimentar. Do total de US$ 15 bilhões dos investimentos produtivos da China na América Latina em 2010, US$ 11 bilhões ficaram no Brasil. Agricultura e energia, no topo da lista do interesse chinês, continuarão a receber a maior parte dos recursos que o país asiático tem destinado aos países latino-americanos, segundo o vice-ministro de Relações Exteriores da China, Zhang Kunsheng.
O representante do governo chinês coloca uma dose de poesia em suas palavras quando fala no assunto. O tom é quase um apelo: "A energia é como o sangue para o desenvolvimento e alimentar tantas pessoas é uma carga pesada demais para nosso país".
O país mais populoso do mundo está na lista das nações com menos de 0,2 hectare cultivável por habitante. O desafio de continuar alimentando uma população que passou a consumir mais com a explosão de desenvolvimento econômico, perturba o governo. Investir na produção dos alimentos em terras mais distantes, no entanto, é uma preocupação menor, avalia Kunsheng.
O representante do governo chinês diz que, graças aos seguidos investimentos em infraestrutura portuária e rodoviária, o país tem hoje condições de lidar com a complexa logística que envolve o deslocamento de produtos elaborados no exterior.
Ele cita até o trem-bala. A novidade, que reduziu o tempo da viagem de Xangai, berço do porto mais movimentado do mundo, até Pequim, não serve para carga. Mesmo assim, Kunsheng fala da inovação como se quisesse criar um símbolo dos novos tempos no país, que busca encurtar sua distância do Ocidente.
Em 2010, o comércio entre Brasil e China deu um salto de 56% na comparação com o ano anterior, o que praticamente repetiu o resultado de 2008. O Brasil leva vantagem de US$ 5,2 bilhões na balança comercial, embora as autoridades chinesas garantam não estar preocupadas com esse déficit. "A China não tem como meta o superávit", disse Yang Wanming, diretor do Departamento para América Latina e Caribe no Ministério das Relações Exteriores, pouco depois de o vice-ministro falar com um grupo de jornalistas latino-americanos.
No Brasil, teme-se que a China esteja interessada em comprar terras. Mas, hoje, o estrangeiro só pode fazer esse tipo de aquisição mediante permissão do Conselho de Segurança Nacional e do Congresso. Há, ainda, vários projetos de lei e proposta de emenda à Constituição para ampliar essa restrição aos estrangeiros.
Independentemente de interesses nas terras, os chineses têm investido. No início do ano, a Chong Qing Grain Group anunciou o plano de investir R$ 4 bilhões na construção de um complexo voltado ao processamento de soja e de fertilizantes e em um sistema de armazenagem e logística de grãos em Barreiras, na Bahia, em terreno doado pela prefeitura.
Folhas de chá verde já repousam nas xícaras de chá servidas aos visitantes recebidos por Kunsheng, quando ele começa a falar sobre a qualidade dos grãos cultivados no Brasil. "São mundialmente famosos", diz.
Estamos no andar térreo do edifício do Ministério das Relações Exteriores, um suntuoso prédio em formato arredondado no centro de Pequim, a cerca de cinco quilômetros da Praça da Paz Celestial. Na grande e iluminada sala de reuniões, o serviço de chá, comum nas reuniões de trabalho na China, ganha requintes extras nessa tarde.
Pequenas toalhas úmidas e felpudas dobradas são depositadas sobre delicadas bandejas douradas, ao lado de cada xícara. Garçons despejam a primeira rodada de água quente nas xícaras e cobrem com uma tampa para abafar a infusão. Ao longo de toda a reunião, o ritual foi repetido por três ou quatro vezes.
Um ocidental não relutaria em atribuir aos poderes do chá o ritmo calmo com que Kunsheng conduz a entrevista. O elegante diplomata de 52 anos veste terno preto, camisa branca e uma gravata lilás, que orna com a flor colocada junto aos lírios que enfeitam a mesa de reuniões. Ele fala de forma serena, em tom baixo, fixa o olhar nos olhos do interlocutor e sorri o tempo todo.
O Ministério das Relações Exteriores da China fica bem em frente à sede da Sinopec, a maior companhia petroleira e petroquímica da China, que desenvolve projetos de exploração e produção em 20 países, incluindo o Brasil e a Argentina. Além da parceria com a Repsol, a Sinopec tem, no Brasil, investimentos nos gasodutos entre Cabiúnas (RJ) e Vitória (ES) e no que liga a estação de Cacimbas, em Linhares (ES) a Pojuca (BA), passando por 51 cidades dos dois Estados.
Como outros representantes do governo, Kunsheng repete o discurso sobre o desafio da China na busca de energias limpas. Mas ele evita falar em projeções de investimentos. "Nós apoiamos as empresas que querem investir, mas não nos cabe definir", repete Yang Wanming, do departamento latino-americano.
Kunsheng enaltece a evolução nas relações comerciais e conta que o ritmo de visitas de delegações da América Latina ao país não tem precedentes. "Estamos vivendo a melhor etapa da história de desenvolvimento dessas relações", completa. Além da presidente Dilma Rousseff, que passou pelo país em abril, ele destaca as recentes visitas dos governantes da Argentina, Chile, Uruguai, Cuba e Costa Rica.
"A América Latina tem uma terra fecunda e cultura peculiar. Para a China essa região é fascinante e misteriosa", afirma Kunsheng. Para ele, não é pouca coisa o tamanho do comércio entre seu país e a América Latina, que cresceu 10% em 2010, num total de US$ 183 bilhões.
"Não podemos nos esquecer que crescemos em meio a uma crise mundial", diz o diplomata. A projeção do ministério indica que o total este ano deverá alcançar US$ 200 bilhões, valor muito além dos US$ 40 bilhões registrados em 2004.
A área de investimentos segue mais ou menos o mesmo perfil de interesses que se aplica ao comércio entre os dois países hoje. Mas, apesar do nítido interesse pela área agrícola, o Brasil também tem recebido investimento chinês na área industrial.
O setor de tecnologia tem se destacado. Guo Tianmin, vice-presidente da Huawei Technologies, maior fabricante de equipamentos para redes de telefonia na China, confirma a intenção da empresa de explorar o potencial do mercado sul-americano como forma de abrir caminho para ganhar espaço no ranking mundial.
Em abril, a Huawei anunciou que vai investir US$ 350 milhões num centro de pesquisa e desenvolvimento na cidade de Campinas (SP). A ZTE, fabricante de celulares e equipamentos para redes de telecomunicações, tem plano de US$ 200 milhões para Hortolândia, também no interior de São Paulo, onde pretende erguer uma fábrica e o seu primeiro centro de pesquisas na America Latina.
Nesse setor, chamou a atenção, recentemente, o anúncio da Foxconn, de origem taiwanesa e com a maior parte dos negócios na China, com o plano de aplicar US$ 12 bilhões em linha de montagem para a Apple no Brasil e uma fábrica de painéis de LCD.
Hoje, pela manhã, será a estreia do setor automotivo. A Chery fará festa em Jacareí (SP) no lançamento da pedra fundamental da primeira fábrica de carros chineses no país. Com investimento de U$ 400 milhões, as obras devem ser concluídas em 2013.
Veículo: Valor Econômico