Mesmo que o pior tenha sido evitado com o acordo anunciado ontem à noite, o governo brasileiro prevê que a economia dos EUA passará por um período difícil, com forte aperto fiscal, o que deve ter impacto na demanda mundial e afetará o Brasil. Por isso, a presidente Dilma Rousseff propôs na semana passada uma resposta conjunta sul-americana.
No governo brasileiro já há um consenso de que, mesmo com o acordo de ontem, haverá um período de ao menos dois anos de forte contração fiscal nos EUA, com efeitos previsíveis sobre o nível de atividade na economia mundial. A estagnação do mercado mais dinâmico do mundo deve ter repercussões no comércio, e essa foi uma das razões pelas quais Dilma, na reunião da Unasul, no Peru, na semana passada, propôs que haja uma "resposta" coordenada dos países da América do Sul.
Um dos alvos é a concorrência de produtos asiáticos, favorecidos pela valorização das moedas sul-americanas. Uma resposta conjunta será discutida na reunião dos ministros de Economia dos países da Unasul, nesta quarta-feira, em Lima, e em encontro dos ministros com os presidentes de bancos centrais no dia 11, em Buenos Aires.
O governo brasileiro acompanhou com preocupação o desenrolar do impasse político nos EUA sobre a elevação do teto da dívida. Antes do anúncio do acordo em Washington, na noite, o governo estudava medidas para garantia de liquidez na economia, como fez durante a crise financeira de 2008, quando ajudou bancos e empresas garantindo a expansão de crédito por meio de instituições públicas.
As medidas seriam lançadas caso o impasse política nos EUA ameaçasse levar a economia mundial a uma retração. Essa seria a resposta "doméstica" ao risco de "default" americano, informou um integrante da equipe econômica.
Segundo assessores da presidente Dilma, não estava em jogo apenas a credibilidade dos títulos americanos. Bilhões de dólares são negociados nos mercados usando esses títulos como garantia, e o possível rebaixamento da classificação dos papéis americanos, já aventado pelas agências de rating, obrigaria governos, bancos centrais e outros participantes do mercado a aceitar um título sem as mesmas garantias de antes, sob pena de causar sérios problemas ao sistema bancário.
Apesar do impasse, parte do governo brasileiro estava otimismo na semana passada quanto a um desfecho favorável em torno do pacote de medidas para elevar o limite da dívida e reduzir o déficit público nos EUA, que acabou sendo anunciado ontem à noite pelo presidente Obama. "Eles têm bala na agulha"', disse o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ao Valor, na sexta-feira. Tombini demonstrava até mais preocupação com a crise da Grécia.
O presidente Barack Obama negociava com o Congresso americano um aumento no teto de endividamento do Executivo, mas sofria forte oposição do Partido Republicano. Se esse limite, atualmente de US$ 14,3 trilhões, não for elevado (o Congresso deve votar formalmente o acordo hoje), os EUA ficariam sem dinheiro em caixa suficiente para cumprir com todas as suas obrigações financeiras, o que poderia forçar uma moratória com impactos imprevisíveis sobre a economia mundial.
Mesmo com o otimismo de Tombini quanto ao acordo entre Obama e o Congresso, as autoridades brasileiras não baixaram a guarda no acompanhamento da crise americana, cujos reflexos pode ser profundos no Brasil.
Não chegou a ser montado um "gabinete de crise", como ocorreu em outras ocasiões, mas a presidente e a equipe econômica monitoraram pessoalmente os desdobramentos da situação nos EUA. Dilma acompanhou o noticiário por meio de agências de notícias e é leitora da mídia internacional ("Financial Times" e "The Economist"). A presidente também recebia, por e-mail, relatórios de bancos e consultorias sobre o tema.
A presidente teve como seus interlocutores mais frequentes sobre a situação nos EUA o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o secretário-executivo da pasta, Nelson Barbosa, e Tombini. Quando algum estudo, relatório ou artigo repercute no noticiário, Dilma pedia uma cópia do original.
O governo evitou comentar o impasse político nos EUA. Diplomatas brasileiros afirmam que um enfraquecimento do governo Obama teria consequências negativas para o cenário político internacional. "Nos interessa um parceiro forte", disse um diplomata.
Na semana passada, autoridades brasileiras receberam informações sobre a situação diretamente da secretária-adjunta do Tesouro para Assuntos Internacionais, Lael Brainard. Ela disse a interlocutores em Brasília que, mesmo em caso de impasse no Congresso americano, o governo honraria a dívida. E que a data-limite de 2 de agosto não tem validade legal. É apenas o dia em que, segundo cálculos do Tesouro dos EUA, as receitas passariam a ser insuficientes para cobrir as despesas, caso o Executivo seja proibido de rolar a dívida em títulos vencida até aquele momento. Havia, de todo modo, um espaço de mais alguns dias antes que as restrições orçamentárias criarem constrangimentos impossíveis de evitar pelo controle das despesas na "boca do caixa".
Uma das preocupações dos auxiliares de Obama, levada ao governo Dilma, era o grande número de deputados republicanos (de oposição a Obama) em primeiro mandato, comprometidos com plataformas eleitorais de corte de gastos e veto a qualquer aumento de dívida ou impostos. São mais de 70, do total de 435 na Câmara. Mais da metade da Câmara firmou documento rejeitando propostas de aumento de impostos ou de dívida. Brainard disse ao governo brasileiro que mesmo a retirada de benefícios fiscais concedidos em governos anteriores é vista como alta de impostos por esse grupo.
Veículo: Valor Econômico