A pressão da União Europeia (UE) para incluir cláusulas sociais, ambientais e trabalhistas num futuro acordo de livre comércio com o Mercosul entrou em novo estágio na negociação birregional, causando inquietações no setor privado. Desde 2004, a UE insiste na inclusão de um capítulo sobre desenvolvimento sustentável na negociação, como faz com praticamente todos os acordos comerciais que conclui.
O Mercosul sempre rejeitou a ideia, vendo risco de protecionismo disfarçado contra suas exportações. O bloco chegou a acenar com referência ao tema na área de cooperação política, mas não no acordo comercial birregional. Agora, o Valor apurou que a insistência da UE pela primeira vez se concretizou em texto, na mesa de negociação, sobre um capítulo de desenvolvimento sustentável - ou seja, normas sociais, ambientais e trabalhistas -, alegando que sofre pressões de setores sociais que monitoram as discussões com o Mercosul. O bloco admite a discussão, mas condicionada a garantias de que isso não levará a barreiras comerciais disfarçadas.
O Mercosul avisou aos europeus que uma eventual introdução do tema no acordo precisa assegurar que o objetivo não é de harmonizar as normas de desenvolvimento sustentável nos dois blocos. Ou seja, não se pode querer nivelar as condições nos dois lados. O Mercosul e a UE teriam o direito de decidir de maneira autônoma sobre o próprio nível de proteção ambiental, trabalhista e social.
No setor de soja, o sinal amarelo foi deflagrado. Daniel Furlan Amaral, da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), estudou os acordos assinados pela UE e concluiu que capítulos de desenvolvimento sustentável podem ter desdobramentos distintos daqueles originalmente colocados no papel. "A finalidade oficial é garantir que esses acordos não impliquem degradação dos recursos naturais, das condições sociais e trabalhistas", nota. "Mas à medida que os Estados endossem o acesso ao mercado europeu condicionado aos mecanismos privados de rastreabilidade, auditoria e certificação, os setores produtivos podem ser obrigados a arcar com custos extraordinários que, no final, se tornarão barreiras não tarifárias ao comércio."
Para a Abiove, o Mercosul precisará redobrar as atenções nessa discussão, porque seu impacto é maior nos produtos de maior competitividade do bloco, os ligados à agroindústria, mineração, energia e outros recursos naturais.
Nos últimos acordos comerciais feitos pela UE, sempre aparece a criação de subcomitê sobre desenvolvimento sustentável. "E se esse subcomitê concluir que os insumos de nossas carnes, que são soja, milho, trabalho e outros, são pouco sustentáveis?", indaga Amaral. "Teremos que certificar tudo para poder vender para o mercado europeu? Isso com certeza levará ao aumento significativo de custos produtivos. Ao elevar custos de produção no estrangeiro, a UE reduz a diferença de competitividade com as indústrias locais."
Amaral lamenta que a sustentabilidade econômica não esteja incluída na discussão. "A UE não quer discutir subsídios à produção. Na nossa visão, produzir carne no Brasil é muito mais sustentável, pois incentiva a rotação soja-milho, com menos emissões de gases, o peso transportado é menor em relação ao transporte de grãos. Um quilo de carne de aves transportado evita o carregamento de 1,9 quilo de grãos e incentiva geração de renda no campo."
Os europeus insistem que não pensam em sanção comercial no caso de desrespeito de normas sociais, trabalho infantil, destruição de florestas etc. Mas o Parlamento Europeu, que agora tem mais poder para decidir os acordos, deixa claro que a UE não vai tolerar que o tema seja ignorado. "É preciso um compromisso de se trabalhar junto nessas questões", avisou o deputado europeu Grahan Watson.
Para um importante negociador do Mercosul, um acordo com a UE não fracassará por causa de normas de desenvolvimento sustentável. O que vai decidir, diz ele, é a vontade política de cada lado em concluir um entendimento que pode reforçar bastante as relações birregionais.
Veículo: Valor Econômico