Uma em cada cinco residências recebeu uma TV nova em 2011. Ao todo, foram vendidos no Brasil 13 milhões de televisores no ano passado, de acordo com a Eletros, entidade que representa os fabricantes de eletroeletrônicos. A queda de quase 20% nos preços no período fez com que muitos brasileiros trocassem os velhos modelos de tubo pelas finas telas de LCD e LED.
O mesmo aconteceu com diversos outros bens duráveis. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a categoria, que engloba desde eletroeletrônicos até móveis, instrumentos musicais e artigos ópticos, contabilizou baixa de 1,6% nos preços no ano passado, período em que a inflação oficial atingiu 6,5%.
A redução de preços no segmento contrasta com o reajuste médio de 9% nos serviços no mesmo período, o que mostra a forte entrada dos produtos importados e o impacto da obsolescência. "É natural que grande parte dos bens duráveis fique mais barato em consequência do avanço tecnológico. Isso é muito evidente em televisores e celulares, que, ao ganharem novas funcionalidades, derrubam o preço dos modelos antigos", diz Salomão Quadros, superintendente-adjunto de Índices de Preços da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Para ele, a retração nos preços dos bens duráveis poderia ser até maior que a registrada pelos indicadores de inflação, se fosse considerado o aprimoramento na qualidade. "Às vezes, chegam às lojas produtos muito superiores, com preços apenas levemente mais altos. Na prática, isso significa que há um desconto embutido", avalia Quadros.
Com a concorrência acirrada, as empresas não encontram espaço para reajuste de preços. O desafio passa a ser vender mais para compensar a margem de lucro apertada. "Existe uma demanda reprimida muito grande no país, o que nos permite aumentar escala e, assim, reduzir custos", diz Ricardo Junqueira, diretor nacional de vendas da Sony Brasil.
O desempenho do mercado de trabalho, segundo ele, está diretamente ligado ao consumo de eletroeletrônicos. "Se o desemprego cai, as vendas aumentam", afirma Junqueira. "A questão é que não estamos competindo apenas com duráveis. Estamos concorrendo também com diversos outros bens, inclusive com serviços."
No ano passado, a massa de rendimento real habitual cresceu 3,4%, segundo o IBGE. O movimento de ascensão da classe C transformou a pirâmide social do Brasil em um losango, com a classe média tornando-se mais populosa que as classes D e E. "Produtos até pouco tempo atrás considerados um luxo, como uma panela elétrica, agora fazem parte da realidade da classe C", comenta Julio Landaburu, gerente de negócios da Stanley Black & Decker.
Essa percepção é confirmada por estudo desenvolvido pela consultoria Kantar Worldpanel, que mostra que o aumento nos salários permitiu às camadas mais populares equipar melhor suas casas, ganhando participação no mercado consumidor. Em 2010, a classe C já respondia pela maior parte das vendas de linha branca e celulares, abocanhando 41% e 37% desses mercados, respectivamente.
"Ainda há diversas categorias de duráveis que a classe média precisa conquistar. Por isso, as vendas desses produtos devem continuar fortes, principalmente em informática", observa Fatima Merlin, diretora de varejo da consultoria. Nesse segmento, a classe C responde apenas por 30% das vendas. "As pessoas passam a readequar o orçamento para não ter que abrir mão desses bens."
André Lucato, 31 anos, professor de história na rede pública de ensino médio, é um exemplo dessa tendência. Após descobrir as vantagens de se conectar à internet pelo celular, decidiu trocar seu aparelho por um mais moderno. "Depois que comecei a usar a internet no celular, ela se tornou mais importante que o serviço de voz", afirma Lucato. "Mesmo que fosse preciso desembolsar um pouco mais para ter o serviço, eu faria."
A saída para muitas empresas está sendo buscar fornecedores no exterior, aumentar a capacidade produtiva e buscar novos nichos de mercado. Com essa estratégia, a fabricante de móveis SCA espera expandir o faturamento em pelo menos 20% neste ano, após ter crescido neste ritmo em 2011. "Em nossas lojas, comercializamos tanto para residências quanto para estabelecimentos comerciais", diz Sérgio Manfroi, diretor-superintendente da empresa
Ele explica que, com o boom imobiliário dos últimos anos, aumentou bastante a procura por móveis planejados. "Além das pessoas que estão equipando uma casa nova, temos clientes que estão trocando seus móveis para acomodar as mudanças tecnológicas, que levam à substituição de modelos antigos de televisores e computadores", afirma Manfroi. A demanda de lojas, escritórios e hotéis, acrescenta o executivo, também é crescente, seguindo um movimento de remodelagem de ambientes.
Prometendo um ar novo, o segmento de óculos está transformando a imagem do produto, que de suporte à saúde passou a artigo de moda. "Hoje, já se combinam os óculos com roupa e ocasião. Muitas mulheres têm um par para festa, outro para trabalho, outro para o fim de semana", diz Celso Ribeiro, diretor-comercial da GO Eyewear.
Segundo ele, o brasileiro leva em média quatro anos para renovar seus óculos, mas a tendência é de que esse período seja reduzido rapidamente. "Na Europa, já se troca de óculos a cada coleção. Muito em breve, esse item deve deixar de ser classificado como bem durável", avalia. Sua expectativa é de que as vendas cresçam 30% neste ano, impulsionadas pelo aumento da renda e pela redução no custo do crédito. Os importados, que de acordo com Ribeiro respondem por 50% do mercado, não parecem intimidar o setor. "A produção nacional não supre a demanda, por isso há espaço para todos", afirma.
O mesmo não acontece com o segmento de instrumentos musicais. Diante da invasão dos produtos chineses no Brasil, a fabricante de instrumentos de sopro Weril se viu obrigada a mudar de estratégia. A companhia abandonou a produção da linha de menor valor e se concentrou nos produtos de luxo. "Estamos nos tornando a Ferrari dos instrumentos musicais", conta Roberto Weingrill Júnior, assessor da presidência da Weril.
Há alguns anos, quando a companhia fabricava diversas categorias de instrumentos, a produção chegava a 50 mil peças por ano. Hoje, com a concentração no nicho de luxo, a produção foi reduzida a 15 mil peças por ano. O estreitamento do mercado, entretanto, na avaliação de Weingrill Júnior, não é sinônimo de perda de vitalidade. Ele estima que a Weril crescerá entre 15% e 20% neste ano, graças ao aprimoramento da tecnologia e à qualidade dos produtos.
A montadora Nissan também usa a tecnologia como apelo de vendas, mas ao contrário da Weril, decidiu expandir o público-alvo. "Com o aumento do emprego e da renda, o consumidor se mostrou mais disposto a investir a longo prazo. A redução dos juros ajudou a baratear o consumo", afirma Carlos Murilo Moreno, diretor de marketing da Nissan do Brasil.
Na avaliação de executivos ouvidos pelo Valor, as medidas tomadas pelo governo para incentivar o consumo e a grande demanda reprimida sustentarão as vendas. Isso, entretanto, não deverá resultar em aumento de preços. "Não descarto mais um ano de deflação em bens duráveis. Com a crise lá fora favorecendo as importações, a concorrência ficou mais acirrada, garantindo bons preços aos consumidores", diz Quadros, da FGV.
Veículo: Valor Econômico