Imposto menor, investimento maior

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Pacote do governo acerta na direção das medidas. Mas falta enfrentar os entraves de longo prazo que inibem o crescimento da economia brasileira.



Duas notícias no início de fevereiro acenderam a luz vermelha no quarto andar do Palácio do Planalto. No primeiro dia útil do mês, a balança comercial de janeiro apontava para um déficit de US$ 1,3 bilhão, o pior resultado para o mês desde 1973. Na mesma semana, o IBGE mostrou que a indústria brasileira havia produzido 1,5% menos do que no mês anterior. Um sinal de que o mercado consumidor continuava em expansão, mas estava sendo suprido por mercadorias importadas. A presidenta Dilma Rousseff chamou os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e deu a ordem: queria “para ontem” um plano para reduzir os custos de produção da indústria nacional e frear as importações, ao mesmo tempo que incentivava os investimentos para aumentar a capacidade de produção e estimulava a inovação.

O molde para um novo pacote já estava pronto. O plano Brasil Maior, lançado em agosto do ano passado, tinha desenhado as diretrizes para o setor produtivo e vinha testando algumas fórmulas, como a desoneração da folha de pagamento para quatro setores. Assim, depois de inúmeras reuniões, a equipe econômica chegou ao pacote de R$ 60,4 bilhões, anunciado na terça-feira 3, para uma plateia de quase 600 pessoas, entre políticos, sindicalistas e empresários. Mais de 20 medidas foram anunciadas, com o objetivo de beneficiar o setor exportador, privilegiar o conteúdo local e reduzir a carga tributária de 15 setores (leia quadros ao longo da reportagem). “Vamos mobilizar instrumentos de crédito, fazer desonerações e estimular as exportações, para que as empresas brasileiras invistam e ganhem competitividade”, disse a presidenta Dilma.
 
A fórmula trouxe um quê de déjà vu, que frustrou alguns especialistas, como foi o caso da criação de 19 Conselhos de Competitividade, uma cópia das câmaras setoriais dos anos 1990, ou ainda a extensão do desconto do IPI para alguns itens de linha branca, até junho. “É um bom pacote, mas parece mais do mesmo”, diz Lídia Goldenstein, especialista em política industrial. “Não traz a velocidade nem a profundidade de que precisamos atualmente.” Algumas medidas, porém, foram celebradas pelos empresários, como o anúncio da desoneração da folha. “O pacote diminui o peso de um dos principais componentes do custo Brasil, que são os tributos”, diz o presidente da Embraer, Frederico Curado, que passa a se beneficiar da substituição da cobrança da alíquota de 20% do INSS por um percentual que incidirá sobre o faturamento.
 
Pela regra atual, o setor aeronáutico despende 2,83% da receita bruta para pagar o encargo trabalhista. Agora, passará a ter uma cobrança fixa de 1%. “É preciso entender que o copo está ficando mais cheio”, diz um otimista Curado. O empresário José Luiz Rossi, presidente da empresa de tecnologia CPM Bráxis Capgemini, já se beneficia da desoneração desde janeiro e admite que a redução da alíquota foi o impulso para dobrar de 300 para 600 o número de contratações de estagiários neste ano. “Pagar menos imposto permite que eu me torne mais competitivo e invista mais em capacitação de pessoal”, diz Rossi. O empresário pondera que a medida isoladamente não será suficiente para sanar todos os problemas do setor produtivo. “Mas é algo que está se tornando real, que veio depois de muito tempo de discussão, e isso é um começo.”
 
Juntos, os 15 setores eleitos pelo governo respondem por 30% dos empregos no País e por 20% da produção industrial – não por acaso, são os que apresentaram maiores quedas de produção nos últimos tempos. A medida ajuda a estancar a sangria momentânea, mas está longe de resolver problemas mais complicados, como a complexidade da cobrança tributária. O governo se defende argumentando que é uma mudança definitiva e que pode ser estendida a outros segmentos. “A desoneração é uma medida estrutural que veio para ficar e para melhorar a competitividade da indústria”, disse Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, lembrando que a desoneração é total no caso das exportações. Ao todo, os 15 setores vão pagar R$ 3,1 bilhões a menos de tributos, neste ano.
 
A diferença será parcialmente compensada com o aumento, na mesma proporção, do PIS/Cofins para os produtos importados do mesmo setor, uma artimanha malvista, em tempos de surtos protecionistas. Mas há pontos relevantes que ganham atenção com o pacote. Uma das metas, por exemplo, é plantar a semente da inovação, carência ancestral da economia brasileira. “Não concebemos o nosso desenvolvimento sem uma indústria forte, inovadora e competitiva”, afirmou a presidenta Dilma. Para tanto, a ordem é garantir a redução de impostos e melhores condições de financiamento às empresas que invistam, especialmente, em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. É o caso do setor automotivo, que terá de aderir a um novo regime, válido a partir de 2013.
 
As montadoras terão de investir em inovação pelo menos 0,15% da receita bruta no ano que vem e aumentar esse percentual até 0,50% em 2017. “A maioria das empresas instaladas no Brasil, hoje, infelizmente, aplica menos do que isso em inovação stricto sensu”, disse o ministro Pimentel. A médio prazo, o objetivo é chegar a 1% do faturamento. A proposta é clara: é preciso capitalizar a posição de quarto maior mercado consumidor de automóveis e o de segundo maior produtor de caminhões. “Por que a ciência, a tecnologia e a inovação não vêm para cá? Vamos fazer com que venham”, disse Pimentel à DINHEIRO. A obrigação de investir em inovação também acompanha as vantagens concedidas ao setor de tecnologia de informação. As empresas vão pagar menos PIS/Cofins, mas terão que investir mais.
 
Fabricantes de semicondutores e displays que estarão isentos de IPI, PIS e Cofins, terão de atrelar 5% da sua receita à inovação. A indústria automotiva deve ser, também, um dos indutores do aumento dos investimentos produtivos no País, uma obsessão do governo Dilma. O pacote estabelece as novas regras para o conteúdo local do setor. As montadoras terão de empregar na linha de montagem um percentual mínimo de peças produzidas na região – o percentual, que deve girar em torno de 55%, ainda será divulgado oficialmente e vai variar de acordo com a empresa. Quem não se alinhar, terá de pagar os 30 pontos percentuais de IPI adicionais, válido desde dezembro para os carros importados. Empresas que hoje importam e têm planos de se instalar no Brasil, como as chinesas Chery e JAC, a alemã BMW e a indiana de origem britânica Land Rover, terão uma regra de transição.
 
Elas continuarão pagando os 30 pontos adicionais de IPI, mas poderão reaver o imposto se cumprirem algumas exigências. Enquanto isso, terão cotas para importar veículos sem pagar o adicional de IPI. “Esse será um percentual pequeno do total que as empresas importam”, ressaltou Alessandro Teixeira, secretário-executivo do Mdic, prevendo que as cotas devem ser divulgadas nos próximos 90 dias. Para dar um pouco mais de fôlego ao investimento, o Tesouro repassou R$ 45 bilhões ao BNDES, que garante, assim, R$ 140 bilhões para emprestar às empresas. As taxas de juro do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) também foram reduzidas, para facilitar a aquisição de máquinas e equipamentos. “São medidas para fortalecer a indústria brasileira e garantir que o nosso crescimento vai continuar firme neste e nos próximos anos”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
 
Embora positivo, o aumento do crédito ainda mantém um cobertor curto para as empresas no País. “Estão fazendo a coisa certa, mas muito devagar”, diz o consultor Valter Pieracciani, especializado em projetos de inovação. “Precisamos investir muito mais em inovação se a indústria nacional quiser realmente evoluir e competir lá fora.” A redução de tributos aparece, novamente, como uma alternativa para que isso aconteça. O presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), Antonio Carlos Rego Gil, calcula que a desoneração da folha deve representar uma economia de R$ 1 bilhão para as empresas do setor, que faturaram R$ 144 bilhões no ano passado. “São recursos que podem ser destinados à inovação”, diz Rego Gil. O setor, que já vinha pagando 2,5% desde dezembro do ano passado, teve a alíquota reduzida para 2%.
 
Usar essa margem para investir é a única alternativa das empresas brasileiras, avalia Erik Camarano, presidente do Movimento Brasil Competitivo (MBC). “Em outras épocas, uma medida desse tipo acabava sendo incorporada à margem de lucro das empresas”, diz Camarano. “Mas, agora, não há saída, pois a pressão é muito grande por redução de custos.” Ele lembra que muitas indústrias brasileiras são mais competitivas do que empresas de fora, mas que essa vantagem acaba sendo perdida, por exemplo, nos custos de logística, que pesam até o dobro no Brasil, se comparado aos dos países mais desenvolvidos. “As deficiências na infraestrutura já estão custando muito caro para o País”, afirma o presidente do MBC. A ausência de políticas específicas que tratem desses gargalos levou o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, a fazer uma avaliação comedida do programa do governo.
 
“As medidas são boas, mas insuficientes para atacar o problema da competitividade”, disse Skaf. “Não ouvi nada, por exemplo, sobre a redução do preço de energia.” Durante a reunião da presidenta Dilma com os 28 principais empresários do País no final de março, ela havia se comprometido a tratar do assunto quando os contratos de concessão de energia forem renovados. Mas os empresários têm pressa, e não é por acaso. Uma pesquisa da Fiesp revela que a indústria brasileira pretende investir R$ 105,3 bilhões neste ano em máquinas, equipamentos e instalações, um volume 11% menor do que foi investido no ano passado. Trata-se de um quadro indesejado tanto pelo setor privado quanto pelo governo, que mira o aumento de investimento para 24% do PIB até 2014. Reverter as expectativas do setor produtivo torna-se, portanto, um desafio primordial para a equipe econômica, que almeja alcançar o crescimento de 4,5% neste ano, previsão bem acima da média do mercado, de 3,2%, e mesmo do Banco Central, de 3,5%.
 
Para melhorar as expectativas, Mantega prometeu novas medidas que evitem a valorização do real, conforme a necessidade. A ofensiva do governo para tentar acelerar a atividade econômica incluiu também a redução de juros do Banco do Brasil, anunciada na quarta-feira 4, como havia sido determinada pela presidenta Dilma. Nesta semana, é a vez de a Caixa seguir a mesma toada, o que deve, em tese, incentivar a redução de juros em outros bancos. Se as medidas implementadas trarão o retorno esperado pelo governo ainda é uma incógnita. Mas o momento atual exige que o País olhe para a política industrial como uma preocupação permanente e não seja mais empurrada com a barriga. “O assunto precisa estar no radar do governo do mesmo modo que a inflação esteve até 1994, quando a economia foi estabilizada”, diz a economista Lídia Goldenstein.
 
“Assim como levamos 30 anos para exterminar a inflação, com inúmeros pacotes no caminho, precisamos insistir até encontrar um ‘plano Real’ para o custo Brasil.” O anúncio do pacote da semana passada teve, num primeiro momento, o mérito de trazer de volta o otimismo, combustível para retomar projetos que estavam engavetados. O presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, por exemplo, já abrandou o discurso pessimista dos últimos anos.“O maior avanço é o governo reconhecer que há um problema de competitividade para a indústria brasileira”, diz Aubert Neto. De acordo com ele, o setor amargou uma queda de 2,2% na produção nos últimos 12 meses. Agora, além de entrar na lista das desonerações de folha, deve se beneficiar com a preferência nas compras governamentais.
 

Veículo: Isto É Dinheiro


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