Os balanços dos principais bancos privados do País divulgados na semana passada mostraram que a inadimplência afetou seus resultados no primeiro trimestre do ano, comendo, inclusive, um pedaço dos lucros.
Foi a deixa para reforçar o surrado argumento do setor bancário de que as taxas de juros estão caindo muito pouco para o consumidor porque o endividamento das famílias brasileiras continua aumentando. Na quarta-feira 25, os números divulgados pelo Banco Central sobre a inadimplência no mês de março refutaram esse discurso. Segundo o BC, o nível dos atrasos no pagamento de dívidas já dá sinais de acomodação, recuando de 7,6% para 7,4%, a primeira redução desde dezembro de 2010, o que leva a crer que o cidadão comum, finalmente, digeriu o sobe e desce dos juros do ano passado. Não por coincidência, foi em dezembro de 2010 que o governo deu início à adoção de uma série de medidas macroprudenciais, um termo medonho para nomear as restrições ao crédito e o aumento de juros e tributos, como o IOF, para operações financeiras.
Confiança recorde do consumidor num cenário de juros baixos pode se reverter em mais vendas.Para surfar nessa onda, é preciso olhar com lupa o cadastro de devedores.
Preferências linguísticas à parte, as macroprovidências ficaram claras, na ocasião, para meia dúzia de agentes do mercado, mas não para os 50 milhões de consumidores da classe C, muitos deles portadores de um cartão de crédito pela primeira vez na vida. Esse grupo troca de canal de tevê quando ouve falar em “macro.. o quê?”. A matemática familiar ao grande público é a máxima da Casas Bahia: a prestação cabe ou não no bolso? Sim, os reles mortais não entendem as mudanças econômicas por meio dos jornais. É na prática, quando as letrinhas miúdas da fatura do cartão de crédito assinalam “IOFs” extras, que eles vão dar atenção ao que está drenando seu orçamento. Em outras palavras, o timing desse entendimento não segue o dos balanços trimestrais dos bancos.
Num momento em que a confiança do consumidor bate recorde, como mostrou a Fundação Getulio Vargas (FGV), na semana passada – 128,7 pontos, o maior desde o início da série histórica, em 2005 –, levar essa realidade em conta é um caminho inteligente. Somada a um cenário de juros baixos, a confiança do brasileiro pode se reverter em mais vendas e, portanto, em mais negócios. Para surfar nessa onda, será preciso olhar com lupa o cadastro dos inadimplentes e verificar que muito desse aumento dos índices deriva da inexperiência dos novos consumidores com os pormenores ininteligíveis da política econômica. Nesse caso, vale um exercício. É mais barato investir na capacitação do pessoal de atendimento dos bancos para falar com a classe C, educando um potencial inadimplente, ou aumentar as provisões para devedores no fechamento do balanço?
Só o Santander destinou R$ 3,09 bilhões para esse fim – uma alta de 44,3% no primeiro trimestre, em relação ao mesmo período de 2011 –, um aparente exagero, quando a inadimplência entre os clientes aumentou de 4% para 4,5%. É fato que o mercado acionário é indiferente a essa problemática e castigou os bancos com a queda no valor de suas ações pelo temor de que o número de caloteiros aumente. Mas é preciso escolher as variáveis que vão determinar as tomadas de decisão para os negócios quando o debate sobre a redução dos juros já chegou às mesas dos bares. O brasileiro pode até perder o controle do orçamento, garantem os estudiosos, mas o compromisso maior é sempre estar em paz com o travesseiro.
Veículo: Isto É Dinheiro