Para ter juros de 1º mundo, Dilma quer mudar poupança

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Presidente convocou aliados para reunião hoje no Planalto e pode abordar o tema

Alteração é condição para redução dos juros, mas possível desgaste faz aliados defenderem que ela adie medida

Dois dias depois de defender em cadeia nacional de TV a redução dos juros, a presidente Dilma Rousseff reúne hoje os líderes dos partidos governistas para discutir medidas econômicas que permitam baixar ainda mais as taxas bancárias e pode incluir na discussão mudanças na remuneração da caderneta de poupança.

Dilma definiu como estratégia de seu governo reduzir os juros reais da economia para no máximo 2% ao ano até o fim de seu mandato, meta que para ser atingida demanda alterações no rendimento da aplicação mais popular do país.

A medida, já tentada antes, tem caráter altamente polêmico, principalmente neste ano eleitoral.

Em pronunciamento de TV e rádio anteontem, Dilma acusou uma "lógica perversa" do setor financeiro e cobrou redução dos juros cobrados pelos bancos privados.

Segundo assessores, na reunião de hoje no Palácio do Planalto ela pretende "preparar o terreno" para tratar das mudanças na poupança.

Um assessor presidencial disse à Folha que ela quer discutir o assunto com seus aliados, mas ainda avaliava a viabilidade política, já que este é um ano eleitoral e o tema de "mudar a poupança" é visto com desconfiança.

Atualmente, os juros reais -taxa do Banco Central, descontada a inflação- no Brasil estão em 3,3% ao ano, nível mais baixo desde o início dos anos 90.

Apesar de próximo ao piso de 2% ao ano desejado por Dilma, as reduções a partir do patamar atual são mais difíceis por esbarrarem em problemas estruturais -um deles, a remuneração da caderneta de poupança.

Fixado em lei, o rendimento mínimo da poupança equivale à variação da TR (Taxa Referencial) mais 6,17% ao ano, funcionando como um piso para taxa de juros.

Se a taxa básica do BC, hoje em 9% ao ano, ficar próxima do rendimento da poupança, aplicações como fundo de investimento ficariam menos rentáveis que a caderneta porque pagam Imposto de Renda e taxa administrativa.

Isso provocaria fuga de recursos para a poupança, criando problemas para os bancos e dificuldades para o governo financiar sua dívida.

Alguns líderes governistas, porém, estão aconselhando Dilma a deixar a mudança para depois das eleições, o que pode fazê-la mudar de ideia e não apresentar o tema hoje.

Mas há um grupo dentro do governo e também no Congresso que defende que a presidente enfrente o tema já. Além de contar com a popularidade recorde de Dilma para esse período de governo, o Planalto discute fórmulas para evitar o desgaste político que aconteceu durante o governo Lula, que ensaiou mudanças na poupança.

Recuou diante dos ataques da oposição e porque o BC começou a subir os juros, tornando desnecessária a medida.

Agora, técnicos preparam o que está sendo chamado de uma "nova modalidade de poupança", que seria vendida para a sociedade como um investimento que poderia até render mais do que a atual e abriria espaço para uma queda mais acentuada dos juros. Alguns nomes são citados por assessores, como "poupança flex" ou "poupança ouro".

Governo vê medida como o novo Plano Real

Queda de juros é tratada de forma estratégica pelo Planalto, que enxerga paralelo com o plano de estabilização da economia

Meta de baixar taxa real para 2% ao ano vem da época em que presidente chefiava a Casa Civil do governo Lula

A derrubada dos juros para o que sua equipe chama de "patamares de Primeiro Mundo" era um desejo da então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff. Segundo pessoas próximas, é agora a obsessão da presidente.

O tema é tratado estrategicamente. O marqueteiro da campanha de Dilma, João Santana, foi o responsável pelo duro pronunciamento contra os juros dos bancos privados anteontem.

Apesar do embate público -o de maior intensidade entre um presidente e bancos na história recente-, na equipe econômica a meta é vista como o "Plano Real" de Dilma, numa referência ao programa de estabilização da economia adotado no governo Itamar Franco que elegeu Fernando Henrique Cardoso, seu idealizador, presidente.

A pedido de Dilma, técnicos do Ministério da Fazenda e do Banco Central fecharam com o ministro Guido Mantega na quinta o cardápio de propostas para mudar o rendimento da poupança, parte da estratégia para a redução dos juros.

A meta dilmista é de juros reais na casa dos 2%. Nos EUA, a taxa real é negativa.

Nas palavras de um técnico do governo, agora a decisão sobre a melhor alternativa e quando será encaminhada está com a presidente.

Por determinação dela, a discussão sobre a rentabilidade da poupança dominou os trabalhos na equipe econômica nos últimos dias.

No ano passado, quando o presidente do BC, Alexandre Tombini, traçou um cenário de queda de juros que se prolongaria até 2012, Dilma montou a estratégia de forçar os bancos privados a também reduzir suas taxas.

Nas últimas semanas, bancos públicos como Banco do Brasil e Caixa baixaram várias taxas, como as do cheque especial, levando a um movimento semelhante no mercado privado.

Na semana passada, ela comemorou com aliados o resultado de sua estratégia e prometeu intensificar a pressão sobre os banqueiros -o que acabou sendo feito no pronunciamento de 1º de Maio.

Entre as propostas fechadas pela equipe econômica, uma delas prevê que a caderneta de poupança passe a ser corrigida com base num percentual da taxa Selic, que poderá ser de 80%.

Considerada por alguns técnicos como uma alternativa simples e de fácil compreensão pela sociedade, essa proposta poderia ser introduzida por meio de uma medida provisória ou com o apoio do governo a um projeto já apresentado pelo deputado Sibá Machado (PT-AC).

A ideia é que a mudança passe a valer apenas para as novas contas de poupança e que tenham saldo acima de determinado valor, a ser fixado entre R$ 50 mil e R$ 100 mil.

Outra proposta prevê a extinção da TR e do juro fixo de 6,17% ao ano e a criação de diferentes faixas de remuneração, podendo chegar a nove, dependendo da Selic.

Há ainda quem defenda a alternativa colocada durante o governo Lula de passar a cobrar Imposto de Renda nas cadernetas com saldo acima de R$ 50 mil. 


Veículo: Folha de S. Paulo


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