Dois pra lá, um pra cá

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O otimismo do consumidor com a economia está mais alto do que nunca, ao contrário do humor dos empresários, que mantêm cautela diante das notícias do Exterior. Afinal de contas, o que explica esse descompasso?



Por Luís Artur NOGUEIRA

O Brasil vive um paradoxo, no mínimo, curioso, neste segundo semestre. De um lado, os consumidores estão otimistas com sua situação financeira e o futuro do País. De outro, os empresários mostram-se reticentes quanto à recuperação da economia, expondo um contraste entre esses dois mundos. Duas pesquisas divulgadas na semana passada explicitaram o descompasso entre o humor dos industriais e a euforia da população. O Índice de Expectativa das Famílias, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado na terça-feira 17, detectou que, numa escala de zero a 100, o otimismo dos consumidores em relação à economia do Brasil atingiu 68,5 pontos, o segundo melhor resultado nos últimos 12 meses.

Já o Índice de Confiança do Empresário Industrial, anunciado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) na quarta-feira 18, registrou 53,3 pontos, o menor índice desde abril de 2009. O desânimo no setor privado parece ainda mais incompreensível quando a percepção do brasileiro é comparada à de consumidores de outros países. Segundo pesquisa do instituto Pew Research Center, feita em 21 países, o Brasil lidera o ranking das famílias mais otimistas com as suas condições econômicas. O País teve 75% de respostas positivas, à frente da Alemanha (74%) e China (69%). Mas, afinal de contas, a população brasileira tem tantas razões assim para estar tão contente? A resposta é sim. Uma delas é a geração de emprego, que continua aquecida.

Entre janeiro e junho deste ano cerca de um milhão de postos de trabalho foram criados, mantendo a taxa de desemprego como uma das menores do mundo. A inflação sob controle é outro fator, ao aumentar o poder de compra do brasileiro, lembra o professor do Departamento de Economia da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda. “Um ano atrás a inflação estava na casa de 7,5%”, diz Lacerda. Nos últimos 12 meses, o IPCA acumulado foi de 4,92%, e está com tendência de queda para os próximos meses. Enquanto o consumidor faz planos para ir às compras, os empresários brasileiros se sentem como se não estivessem sendo convidados para a mesma festa. A produção industrial tem patinado, mantendo uma queda de 1,8% nos últimos doze meses, o que explica o desânimo atual do setor privado.

“A retração na confiança é reflexo do ritmo de queda da produção industrial”, diz Marcelo Ávila, economista da CNI. Esse perigoso desequilíbrio entre as duas pontas repete o enredo de 2009, quando o País enfrentou a crise deflagrada pela quebra do banco Lehman Brothers. Naquele ano, os brasileiros estavam eufóricos diante dos incentivos ao consumo que o governo Lula promovia, com isenção de tributos para carros e eletrodomésticos. Já o setor privado colocava o pé no freio, inclusive demitindo, com medo do que seria “a pior crise desde os anos 1930”. O País acabou encontrando um ponto de equilíbrio e a retomada veio em seguida. Como resultado, os importados invadiram o País para atender à demanda dos consumidores: o varejo teve crescimento de 5,9%, em 2009, enquanto o setor produtivo caiu 7,4%.

Hoje, o mercado brasileiro vive um dilema semelhante, embora esteja mais forte do que há três anos. Enquanto a CNI prevê um crescimento de 1,6% para a indústria, o comércio projeta uma alta de 7,3% para 2012. Reverter a curva de confiança dos empresários, portanto, é fundamental para que eles voltem a investir e retomem o ritmo de expansão da economia, acertando o passo com o mercado de consumo. Para tanto, o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, lembra que os investimentos do setor público são indutores naturais de novos projetos no setor privado. Não por acaso, na semana passada, a presidenta Dilma anunciou o PAC Mobilidade para cidades médias, que vai injetar R$ 7 bilhões em projetos de transporte urbano.

“O governo está certo ao estimular o consumo e o investimento”, afirma Perfeito, que elevou de 4% para 4,6% a previsão de PIB em 2013. Para ele, o descompasso entre a confiança do consumidor e a do setor produtivo se dissolverá na medida em que as perspectivas ficarem mais claras. “Os empresários não correm na frente da demanda, vão depois dela”, diz. A prova dos nove será tirada nos próximos meses com a elaboração dos planos de expansão para 2013. As empresas brasileiras terão a oportunidade de mostrar até que ponto acreditam, ou não, num futuro promissor. O desânimo dos liderados pela CNI, no entanto, não se reproduz entre os pequenos empresários, mais próximos dos consumidores.

Como mostra o Índice de Confiança do Empresário de Pequenos e Médios Negócios para o terceiro trimestre, numa escala de zero a 100, esse grupo somou 74,1 pontos, superando o patamar de 2011. O indicador, elaborado pela escola de negócios Insper, em parceria com o banco Santander, é feito a partir de entrevistas com 1,2 mil empreendedores. A paulistana Raquel Cruz, dona da indústria de cosméticos Feitiços Aromáticos, faz parte do time de empresários que acreditam na retomada da economia. “Somos uma empresa pequena que pensa grande”, diz Raquel, que acaba de contratar uma linha de financiamento de R$ 400 mil pelo BNDES para comprar máquinas e expandir a produção.

Com 20 funcionários e faturamento de R$ 2,6 milhões no ano passado, a indústria deve contratar mais oito pessoas neste ano. A empresária, que se prepara para lançar uma linha temática para a Copa do Mundo, exportava para Portugal e Espanha até o ano passado. Mas a crise internacional reduziu as vendas para os dois países. Raquel não se deu por vencida. “Comecei a abrir novos mercados na América Latina, começando pelo Chile”, afirma. A ousadia de Raquel pode servir de inspiração aos empresários que, ao temer pelo pior, não se preparam para surfar na onda do consumo, principalmente quando a retomada econômica estiver mais vigorosa.

 



 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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