Desalinhamento de moedas ainda afeta comércio

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O real, apesar da correção dos últimos meses, ainda está cerca de 15% valorizado em relação a uma cesta de moedas que representa o comércio exterior do país olhado em uma perspectiva de longo prazo. Esse resultado representa uma melhora em relação aos 40% de desalinhamento cambial registrado no ano passado, mas ainda não anula os efeitos nocivos que a valorização do real representou para a indústria brasileira, segundo vários representantes do setor e professores, reunidos ontem na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Presente ao evento, o embaixador do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo, reforçou que o país tem liderado o movimento para levar as discussões sobre câmbio para dentro do órgão, mas enfrenta resistências. A valorização recente do real, disse ele, não anula o esforço que o Brasil tem feito para que o organismo assuma o debate sobre as distorções que o câmbio provoca no comércio mundial, anulando, em muitos casos, as negociações que envolvem tarifas de importação.

"Existe a percepção de que o problema [distorções cambiais] é sério. Precisamos sugerir uma resposta, mas alguns países não gostam do sentido em que as conversas estão caminhando", disse ele.

Para o embaixador do Brasil na OMC, medidas como antidumping, salvaguardas e direitos compensatórios não são suficientes para resolver questões trazidas pelo desalinhamento cambial. Azevedo afirma que está sendo estudado um mecanismo para medir esse desajuste cambial e como os países prejudicados poderiam ser ressarcidos, levantando questões como duração do descompasso, e se ele valeria para um produto, setor ou país. "Um desalinhamento que dura 20 anos não é mais desalinhamento cambial: já se tornou uma nova realidade estrutural daquele país", avalia o embaixador.

Os cálculos da defasagem cambial têm sido acompanhados pelo recém-fundado Observatório do Câmbio, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV). Integrante do observatório, a professora Vera Thorstensen reforçou a tese de que oito anos de câmbio valorizado no Brasil anularam o efeito das medidas de proteção comercial e de outros instrumentos, resultado de 60 anos de negociação na OMC. Para ela, a OMC corre o risco de se tornar uma entidade meramente protocolar, caso não incorpore discussões sobre o câmbio em sua pauta. "Ou a entidade neutraliza os efeitos da distorção do câmbio no comércio, ou o câmbio transforma a OMC em uma entidade de ficção jurídico-diplomática", disse.

"Conseguimos calcular para cada país com quem o Brasil negocia o que está acontecendo. Quando nações com moedas desvalorizadas exportam para o mercado brasileiro, nossas tarifas viram pó. Damos incentivo para importação", argumentou Vera, ao explicar os cálculos do Observatório do Câmbio.

Para Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do departamento de relações internacionais e comércio exterior da Fiesp, o governo compreendeu o problema que representa a taxa de câmbio valorizada para a indústria e está atuando da forma possível para conter apreciações excessivas.

Na avaliação de Giannetti, o real "mudou de patamar", mas a taxa de câmbio atual, de R$ 2, ainda não é considerada suficiente pelo setor industrial. "Ainda existe necessidade de desvalorização para equilíbrio da indústria", afirmou após seminário sobre os impactos do câmbio no comércio internacional.

Segundo o diretor da Fiesp, a taxa de câmbio deve caminhar para um nível entre R$ 2,20 e R$ 2,30 nos próximos 12 a 24 meses, previsão justificada pela deterioração das contas externas, pela redução do diferencial de taxas de juros interna e externa, com o ciclo de afrouxamento monetário em curso, e pela cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre derivativos cambiais.

Presente aos painéis de discussão sobre o impacto do câmbio no comércio exterior na OMC, realizados no fim de março em Genebra, na Suíça, o presidente da Coteminas, Josué Gomes da Silva, se mostrou otimista sobre os avanços na discussão que aponta para a necessidade de levar em conta o câmbio na formulação de medidas de proteção comercial.

O presidente da Coteminas, no entanto, ressaltou que esse não é o único fator que afeta a competitividade da indústria brasileira na hora de exportar. Tributos e os custos em logística e energia também tornam o produto brasileiro menos competitivo no cenário internacional.

O Brasil pode caminhar numa trajetória de destruição da indústria parecida com a traçada pela Grécia nos últimos anos, se não conseguir resolver os problemas hoje enfrentados pelo setor, entre eles o câmbio, segundo avaliação do professor Yoshiaki Nakano, diretor da EESP-FGV.

Ao lado do endividamento que culminou na crise que vive atualmente, a Grécia passou por um forte processo de desindustrialização, provocado por desequilíbrio cambial, disse Nakano. Para ele, "com o dinamismo da demanda doméstica, o Brasil poderia aspirar a ser como a Alemanha", mas o país não está seguindo por esse caminho por causa da taxa de câmbio muito apreciada.



Veículo: Valor Econômico


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