O programa de fidelidade Dotz fecha acordo com a companhia aérea Azul e chega a oito novas regiões neste ano. Conheça seu plano para faturar R$ 1 bilhão e ter 30 milhões de clientes em 2015
Por Ralphe MANZONI Jr.
Você conhece o Dotz? Se mora em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Cuiabá, Belém ou Manaus, provavelmente nunca ouviu falar dele. Caso viva em Belo Horizonte, a chance de saber do que se trata é estatisticamente alta. É que na capital mineira 1,2 milhão de pessoas, o equivalente à metade da população, usam a moeda virtual criada pelos irmãos Roberto e Alexandre Chade em operações bancárias e compras no varejo. Três anos depois de iniciada a experiência-piloto em Minas Gerais, a bandeira do Dotz está fincada em cinco regiões metropolitanas e 130 cidades. Parece pouco - e de fato é, quando se pensa no tamanho do Brasil. Mas, onde ele chega, faz o que os irmãos Chade chamam de "a invasão Dotz".
Aos números. Em Brasília, 42% dos habitantes têm o dinheiro online. Fortaleza conta com um percentual de 40%. Campinas e Recife, apostas recentes, já alcançam 25% e 15%, respectivamente. "Quando chegamos, tomamos a cidade de assalto", diz Roberto Chade, CEO do Dotz, em seu QG, em São Paulo. O começo por Belo Horizonte não se deu por acaso. Tradicionalmente, a cidade é reconhecida por publicitários e profissionais de marketing por ser exigente e reservada diante das novidades. Por isso mesmo, funciona como um laboratório para as empresas. "Se um produto ou serviço foi bem aceito lá, a probabilidade de que tenha sucesso no restante do País é alta", afirma Alexandre.
A estratégia, ao que tudo indica, está dando certo, não apenas pela rápida expansão territorial como pelo porte dos parceiros que o Dotz conquistou ao longo do caminho. Entre eles estão pesos-pesados como o Banco do Brasil, a rede varejista Magazine Luiza, a cadeia de fast-food Bob's, a farmácia Pague Menos e a revendedora de combustíveis Ale. Além desse time, mais de 100 varejistas já usam o dotz. Os consumidores também foram fisgados pelo dinheiro online. Há dois anos, a empresa de Chade distribuía 50 dotz por segundo. Hoje, são dez vezes mais. Em 2011, o Dotz tinha 1,7 milhão de clientes que participavam de seu programa de fidelidade. No fim de 2012, eram 6,9 milhões, um crescimento de incríveis 305%.
Atualmente, são 7,3 milhões. O rival Multiplus conta com 10,9 milhões de associados. O concorrente Smiles soma nove milhões. Apesar de maiores, nenhum dos dois cresce na velocidade do Dotz, cuja previsão é ter 12 milhões de clientes até o fim deste ano. Um dos fatores para esse crescimento é a opção preferencial pelo varejo e pelos consumidores de classe média, ao contrário dos concorrentes, que atuam nos estratos mais altos de renda. "São pelo menos 80 milhões de clientes potenciais a serem conquistados por nós", diz Alexandre. Se for mantida nos próximos anos, a evolução meteórica do faturamento indica o nascimento de uma empresa bilionária. Em 2010, a receita do Dotz era de R$ 20 milhões.
No fim deste ano, a previsão é chegar a R$ 400 milhões. Em 2015, Roberto e Alexandre planejam administrar um negócio de R$ 1 bilhão, com 30 milhões de clientes. Otimismo demais? É difícil dizer. O certo é que há um plano consistente para atingir essa meta. Neste ano, o Dotz investirá R$ 100 milhões para levar a nova moeda do consumidor para oito novas localidades. No alvo, as regiões metropolitanas de Curitiba, Goiânia, Salvador, Belém, Rio de Janeiro, além do Vale do Paraíba, em São Paulo, e uma cidade ainda a ser definida. O Estado de Santa Catarina será o primeiro a ter 100% de cobertura pelo Dotz. Tanto que a companhia das bolinhas coloridas patrocinará o time de futebol do Criciúma, que disputará a primeira divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol.
Em 2014, o objetivo é chegar à capital paulista, o principal mercado do País, responsável por 9% dos R$ 2,7 trilhões consumidos pelos brasileiros em 2012, segundo o estudo IPCMaps. "Conquistamos o Brasil pela beirada. Agora, vamos iniciar uma operação de guerra pelo principal mercado", diz Roberto. O Dotz superará neste ano também o que alguns analistas consideravam uma de suas principais fragilidades. "Em todo o mundo, os programas de fidelidade de grande participação são ou têm ligação com uma companhia aérea", afirma Boanerges Ramos Freire, presidente da consultoria paulista em varejo financeiro Boanerges & Cia. É verdade.
A TAM controla o Multiplus, que se tornou independente em 2010, quando suas ações passaram a ser cotadas em bolsa. A Gol transformou o Smiles em uma subsidiária e pretende abrir o seu capital ainda em 2013. Esse obstáculo, no entanto, deve ser superado. Nesta semana, o Dotz anuncia um acordo operacional com a Azul, do empresário David Neeleman. "Os públicos do Dotz e da Azul têm muita similaridade de classe social e de localização", diz Julio Sato, gerente do programa de vantagens Tudo Azul, da companhia aérea. Pelo acordo, os clientes poderão comprar passagens áereas a partir de cinco mil dotz.
FOCO NO VAREJO - A vocação varejista está no DNA do Dotz. Ele foi criado como uma moeda virtual para atender às operações de comércio eletrônico, no auge do fenômeno pontocom, no início dos anos 2000. Ao longo de oito anos, sofreu as consequências do estouro da bolha da internet e andou de lado. Seu grande mérito foi não ter jogado a toalha. A virada começou em 2009, quando a canadense LoyaltyOne comprou uma participação de 31% na companhia. Em 2011, ela adquiriu mais 6% por R$ 26 milhões. O novo aporte conferiu ao Dotz um valor de mercado de R$ 433 milhões. Roberto e Alexandre, por meio da Ascet Investimentos, detêm os outros 63%. A estratégia da LoyaltyOne, do empresário Bryan Pearson, sempre foi não ter nenhuma relação de sociedade com companhias aéreas.
O alvo eram as redes de varejo, como supermercados, livrarias e postos de gasolina. Dessa forma, Pearson construiu um programa de fidelidade usado por 24 milhões de pessoas, o equivalente a 70% da população do Canadá. Mas o mercado brasileiro é diferente do canadense. "Estamos no terceiro ciclo dos programas de fidelidade", diz o consultor Boanerges. "O primeiro foi o das companhias aéreas, depois o dos cartões de crédito e agora o da multifidelização, em que os consumidores podem acumular pontos em vários varejistas e utilizar em muitos lugares." Era preciso adaptar urgentemente a estratégia da LoyaltyOne no Brasil para resgatar o Dotz de seu ostracismo e transformá-lo numa empresa solidamente ancorada no mundo real da economia.
Isso foi feito com muito trabalho e persistência pelos irmãos Chade. Roberto, o mais novo, com 40 anos, ficou à frente da operação. Alexandre, 43 anos, que preside o conselho de administração, cuida da parte estratégica e do relacionamento com investidores. Recentemente, ele recebeu representantes do KKR, um dos maiores e mais tradicionais fundos de private equity do mundo. Até uma fusão com o Smiles chegou a ser cogitada. "Não estamos à venda, nem temos planos de abrir o capital", diz Alexandre. Ao longo do tempo, a dupla teve de usar métodos no mínimo inusitados para atrair parceiros à rede do Dotz. Um deles, na prospecção de clientes, era simular uma compra.
Na hora de pagar, Roberto perguntava se a loja tinha Dotz. Com a resposta negativa, devolvia todos os produtos sem constrangimento. Com a ajuda dessa estratégia heterodoxa, o Dotz construiu uma imensa rede de varejistas, no que se transformou o seu principal diferencial. Nela constam nomes de prestígio nacional, como Magazine Luiza e BB. Mas há também referências desconhecidas do Sul e Sudeste, mas não menos importantes. São parceiros regionais, como a loja de moda Esplanada, de Fortaleza, ou a varejista Jurandir, do Recife. Em Belo Horizonte, Roberto, que é triatleta, suou a camisa para atrair o grupo Super Nosso, maior rede de supermercados da capital mineira, com faturamento de R$ 1,3 bilhão.
Depois de um ano de conversas, o empresário Euler Fuad, presidente da rede, queria postergar o acordo para se associar ao Dotz. Roberto, que precisava do Super Nosso para lançar o programa na cidade, blefou e disse que iria adiante sem ele, buscando empresas rivais. "Ele ligou para a secretária trazer o contrato e assinamos na mesma hora", lembra Roberto. Fuad não tem do que se arrepender. Atualmente, 70% de suas vendas geram créditos para o Dotz. Os clientes que participam do programa de fidelidade gastam o dobro, comparado àqueles sem o Dotz. "Ele é simples e de fácil entendimento", diz Fuad. "Por isso, tem forte adesão." A conversa com o Banco do Brasil foi mais fácil.
Seus executivos queriam fazer o negócio, mas só fechariam o contrato depois que todos os processos burocráticos fossem concluídos. Algo que ia demorar. Roberto não teve dúvida. Colocou um outdoor na frente da sede do banco, em Brasília, com a frase "Aqui tem Dotz" para não ser esquecido. O contrato foi assinado em abril de 2011 e hoje o BB é o seu principal parceiro. Dos mais de sete milhões de clientes do Dotz, dois milhões se originaram do banco. "O Dotz veio para atender os consumidores de varejo e de baixa renda", diz Raul Moreira, diretor de cartões do BB. Um dos trunfos do Dotz sobre seus concorrentes é a sua facilidade de uso.
Os clientes do BB, por exemplo, podem consultar saldos e fazer resgate dos produtos nos terminais de autoatendimento. Para os consumidores do posto Ale, basta passar o cartão de fidelidade para abastecer o carro. A mesma operação pode ser feita em cinemas, restaurantes, lanchonetes e farmácias. Contas de luz, água e telefone também podem ser pagas com dotz. A moeda paralela é aceita em mais de 6,6 mil pontos de venda no País. A rede de farmácias cearense Pague Menos e a cadeia americana de fast-food Bob's são exemplos desses locais. No primeiro caso, 1,4 milhão de clientes ganham dotz com as compras. "No começo, a motivação para ter Dotz foi se associar ao BB", diz Deusmar Queirós, fundador e presidente da Pague Menos.
"Mas depois descobrimos que poderia ser muito interessante, pois o incremento de vendas já pagou o custo da parceria." O tíquete médio dos associados ao programa é três vezes maior se comparado àqueles que não são. O Bob's, por sua vez, vendeu 150 mil milk shakes com os créditos dos dotz em 2012. O tíquete médio dos clientes do programa cresceu 46%. ?O meu negócio é vender hambúrgueres?, afirma Marcello Farrel, diretor-geral da marca Bob's. "E o Dotz me ajuda a conquistar mais clientes." Infelizmente para os concorrentes, a moeda virtual do Dotz ficou real. Real demais.
Smiles quer captar R$ 900 milhões
A Gol já bateu o martelo e deve prosseguir com a abertura de capital do Smiles, seu programa de milhagem, que conta com nove milhões de associados. A companhia foi avaliada pelos bancos que estão coordenando a captação - Banco do Brasil, Bradesco, Deutsche, ItaúBBA, Morgan Stanley e Santander - em aproximadamente R$ 2,5 bilhões, valor um pouco inferior ao da companhia aérea, de acordo com fontes que acompanham o IPO. A Multiplus, rival controlada pela TAM, vale aproximadamente R$ 5 bilhões.
Em dezembro do ano passado, seu valor era de R$ 7,8 bilhões. A expectativa do Smiles, comandado por Leonel Andrade, ex-presidente da Credicard, é vender 38% do capital da empresa e captar entre R$ 800 milhões e R$ 900 milhões. O fundo de private equity americano General Atlantic, que investiu no Peixe Urbano e no grupo Linx, negocia para ficar com uma fatia de até 15% da companhia. Além disso, ele poderá ganhar um assento no conselho de administração.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro