Alimentos têm deflação global, mas sobem no País

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Índices da FAO apontam que desde outubro de 2012 preços vêm caindo e acumulam deflação de 2,6%; já no Brasil, subiram 5,5%

Considerado um dos celeiros do mundo, o Brasil tem vivido uma situação inusitada nos últimos meses. Enquanto os alimentos ficaram mais baratos no exterior desde o ano passado, o preço da comida brasileira está na contramão e sobe sem parar há 19 meses.

Dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) mostram que, globalmente, os alimentos têm queda consecutiva desde outubro de 2012 e acumulam deflação de 2,6% no período. No Brasil, ao contrário, os preços ao consumidor subiram 5,5%.

Com a economia global ainda tentando sair da crise, a demanda por commodities segue aquém do esperado pelos analistas, especialmente em grãos - segmento em que o Brasil é um forte exportador. Com as estimativas frustradas, os preços internacionais engataram a tendência de queda.

Comparação. Levantamento feito pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, com dados da FAO revela que a economia global vive atualmente a maior sequência de quedas do índice de preços de alimentos desde o estouro da crise financeira no fim de 2008.

Esse índice é medido pela FAO conforme a evolução mensal do preço de 55 alimentos de origem vegetal e animal em cinco categorias: açúcar, carnes, cereais, lácteos e oleaginosos.

O Brasil, porém, não sentiu essa recente virada dos preços. Na mesa do consumidor brasileiro, ao contrário, nada mudou e a inflação segue firme a tendência de alta. Ou seja, a queda dos preços internacionais - verificada nas commodities como soja, milho, café e carnes - ficou em algum lugar até chegar à casa do consumidor.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostram que os preços do grupo Alimentação e Bebidas têm subido todos os meses desde agosto de 2011, conforme a série dessazonalizada. Nesse período, a inflação da comida avançou nada desprezíveis 16,5% ou mais de três vezes a meta de inflação perseguida pelo Banco Central. No índice medido pela FAO, o mundo é completamente diferente: deflação acumulada de 9% nos mesmos 19 meses.

Na contramão. Os dois últimos meses do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - parâmetro oficial no Brasil para a evolução dos juros -, inclusive, revelam que a remarcação voltou a ganhar força e a inflação de alimentos e bebidas foi de 1,63% em janeiro e 1,52% em fevereiro.

O ritmo é o mais forte desde o fim de 2007, quando alimentos chegaram a subir 1,97% em um mês. Naquele ano, porém, o Brasil cresceu mais de 7,0%. Em 2012, vale lembrar, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro girou em torno de 1,0% e deve avançar para 3,0% este ano. Ou seja, alimentos têm subido tanto quanto em 2007, mas a economia roda muito abaixo da velocidade daquele ano.

Nos 12 meses acumulados até fevereiro, o grupo Alimentação e Bebidas do IPCA dessazonalizado acumula alta de 11,7%, a maior desde novembro de 2008 - logo após a quebra do banco americano Lehman Brothers. Na medição internacional de preços de alimentos feita pela FAO, o mesmo período acumulou deflação de 2,24%.


Clima e consumo doméstico explicam movimento de alta


Os preços internacionais dos alimentos caíram nos últimos cinco meses especialmente porque a demanda global continua menor que o esperado por analistas. A redução é observada especialmente nos grãos.

Apesar desse cenário, dizem analistas, os preços ao consumidor não caem no Brasil porque o setor ainda carregaria o efeito dos problemas climáticos do ano passado. Além disso, o ambiente de consumo doméstico é contrário ao externo e é favorável ao aumento de preços. Já o atacado registra recuo de preços desde o início do ano.

O chefe de pesquisa econômica do BNP Paribas Fortis, Philippe Gijsels, explica que a queda das commodities alimentares nos últimos meses é resultado de um ambiente econômico ainda desfavorável em todo o mundo. "O setor agrícola tem vendido menos e por mais tempo que o esperado, especialmente por causa do fraco desempenho do setor de grãos e oleaginosas", afirma o economista.

Grãos brasileiros. A principal razão para a queda da inflação global de alimentos está diretamente ligada a grãos produzidos no Brasil, diz o economista do BNP Paribas Fortis. "A demanda por grãos no inverno do Hemisfério Norte foi fraca e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) acabou revisando para cima as estimativas para os estoques globais", diz o economista, ao citar como exemplo a soja.

No início de março, o USDA anunciou que a estimativa dos estoques de soja foi mantida em 125 milhões de bushels (1 bushel de soja equivale a 27,2 quilos), acima dos 120 milhões previstos pelo mercado financeiro. A mesma coisa aconteceu com o trigo, cuja estimativa de estoque está em 716 milhões de bushels (1 bushel de trigo equivale a 25,4 quilos) contra 704 milhões de bushels dos analistas. Em outras palavras, há mais alimentos disponíveis que o mercado imaginava e, por isso, o preço cai.

A economista para América Latina do britânico Royal Scotland Bank (RBS), Flavia Cattan-Naslausky, classifica como "elevada" a pressão observada no grupo de Alimentos e Bebidas do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) que acumula alta de mais de 11% em 12 meses.

Em relatório, Flavia comenta que parte dessa alta ainda é resultado dos choques de oferta observados no ano passado - quando parte da produção agrícola brasileira foi prejudicada por problemas climáticos.

Ela ressalta que a inflação agrícola no atacado começou a arrefecer no início do ano. Na segunda prévia do IGP-M de março, os preços agrícolas caíram 0,38% no atacado. Em igual período de fevereiro, a deflação foi de 1,30% também no atacado. Os números mostram que, pelo menos no preço oferecido pelo fornecedor, a queda dos preços internacionais chegou ao Brasil.

A economista para América Latina do RBS avalia que essa deflação deve ser sentida pelos consumidores em algum momento. "A expectativa é que esse movimento do atacado chegue à inflação ao consumidor no grupo Alimentos e Bebidas", diz. Flavia, porém, faz uma ressalva: essa desaceleração tende a ser limitada. "Dado o nível de preços dos itens não administrados (que continuam subindo), o impacto positivo será limitado."


Veículo: O Estado de S.Paulo


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