A preocupação brasileira com o "desvio de comércio" no mercado argentino, favorecendo países de fora do Mercosul em prejuízo dos exportadores brasileiros, será tema do próximo encontro entre as presidentes da Argentina, Cristina Kirchner, e do Brasil, Dilma Rousseff, disse o ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, em depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos no Senado. O encontro, que estava marcado para março, mas foi adiado devido à morte do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ocorrerá "muito em breve", informou o ministro. Os argentinos querem aproveitar a reunião das duas presidentes para discutir a decisão da Vale de suspender investimentos no país.
"Há, efetivamente um desempenho que podemos considerar bem menos que satisfatório com a Argentina", disse o ministro, que revelou haver "preocupação" no governo com o desvio de comércio em favor de parceiros de fora do bloco sul-americano. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgado pelo Valor PRO, o serviço de notícias em tempo real do Valor, mostra que o Brasil foi o único a ter reduzido seu superávit comercial com os argentinos em 2012, entre os cinco principais parceiros comerciais do país vizinho que, ou aumentaram seu superávit ou reduziram o déficit com a Argentina.
"Não estamos tão mal assim, mas um exame mais efetivo revela áreas mais problemáticas", disse Patriota, ao notar que, apesar da queda de 20% nas exportações brasileiras aos argentinos e da redução em 74% do superávit brasileiro com o vizinho, o resultado das vendas ao país no ano passado ainda foi o segundo melhor atingido pelo Brasil. Ele mencionou os setores de calçados e têxteis como os mais prejudicados. Os argentinos argumentam que as perdas de fatias de mercado para competidores como os chineses se devem à falta de competitividade dos produtos brasileiros. Para Patriota, porém, esse desempenho está "na contramão" dos esforços de integração comercial no Mercosul.
"Essa questão será examinada com muto cuidado, em particular se estiver comprovado desvio de comércio para países não pertencentes ao Mercosul", disse.
Otimista, no entanto, Patriota afirmou que, devido aos diversos acordos assinados ao abrigo da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), o Brasil terá, ao fim da década, livre comércio com todos os países sul-americanos. Ele previu que, em quatro anos, deverá ser concluída a entrada da Bolívia como sócio pleno do Mercosul e lembrou que a política externa atraiu a Guiana e o Suriname para perto do bloco, do qual esses países, mais ligados ao caribe, podem se tornar membros associados.
Patriota criticou autoridades europeias que teriam reclamado da demora no acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, argumentando que boa parte das dificuldades para o tratado está do lado europeu, pelas resistências a abrir o mercado agrícola. Ainda assim, disse, as negociações entre o Mercosul e os europeus devem entrar na fase de troca de ofertas após agosto, quando se realizam eleições no Paraguai, e estão mais adiantadas que o anunciado acordo de livre comércio da União Europeia com os Estados Unidos, que, previu, enfrentará "desafios" para remover barreiras ao comércio entre os dois blocos.
"Evidentemente, acende-se uma luz de alerta, não só no Brasil, mas nos demais membros do sistema multilateral de comércio quando dois gigantes começam a negociar", comentou. Negociações como a realizada entre EUA e União Europeia ou entre os países da chamada Parceria Transpacífico podem servir para decidir padrões em temas como propriedade intelectual e defesa comercial que, depois, seriam impostos a outros parceiros, relatou o ministro que disse não acreditar, porém, ser possível repetir atualmente esse tipo de imposição que havia no passado. Os países excluídos desses acordos são os que mais crescem de importância na economia e no comércio mundial, argumentou.
Patriota fez uma exposição longa sobre as linhas de ação da diplomacia brasileira para a América do Sul - onde o Brasil cooperou, por exemplo, nas negociações entre o governo colombiano e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) -, África e o grupo conhecido como Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). E fez questão de dizer que o país não abre mão de sua relação com as potências tradicionais, como os Estados Unidos.
Veículo: Valor Econômico