Rigor de crédito em bancos compensa piora econômica

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Se falta consenso entre economistas de que a inadimplência subirá já neste ano, não há quem discorde que manter os calotes sob controle ficou mais difícil em 2013. A principal dúvida é se o maior rigor dos bancos na hora de conceder crédito será capaz de compensar uma economia desfavorável - com a taxa básica Selic subindo e o mercado de trabalho piorando - e impedir que isso respingue na preciosa recuperação da inadimplência.

"Com a renda crescendo menos, o processo de 'saneamento' das dívidas das famílias fica ainda mais lento do que já está", afirma Nicola Tingas, da Acrefi, associação que reúne as financeiras. Ele diz que, embora o sistema financeiro já esperasse uma queda nos calotes, a baixa velocidade desse recuo surpreende. Para Tingas, há pouco espaço para que os bancos calibrem modelos de crédito para aumentar o desembolso de empréstimos sem o risco de comprometer a qualidade do portfólio.

Para Maurício Molan, economista-chefe do Santander, que projeta leve aumento da inadimplência já em 2013, a correlação histórica entre aumento da inadimplência e aperto monetário é inescapável. "Não é o desemprego que leva ao aumento da inadimplência. Historicamente, a inadimplência começa a subir antes do desemprego, que só intensifica a alta. O fator que desencadeia a inadimplência é o aperto monetário."

O economista pondera que o avanço de calotes deve ser mais tímido entre bancos privados, graças, em parte, às concessões mais conservadoras. Como um todo, ele também projeta um menor crescimento do crédito em 2014. No ano que vem, o estoque de operações crescerá 13,8%, ante 15,4% em 2013. Em junho, o ritmo de crescimento anualizado do crédito estava em 16,4%.

"O temor em termos de inadimplência é grande. O mercado de trabalho, depois de muito tempo em condições positivas, começa a piorar e trazer um cenário novo em relação aos últimos anos", afirma Alessandra Ribeiro, economista da Tendências. "O crédito crescendo menos e a renda crescendo menos vão pressionar o consumo das famílias", afirma.

Entre 2004 e 2012, em média, o crescimento do consumo das famílias como parcela do PIB avançou em um ritmo de 4,9%. Entre 2013 e 2014, estima Alessandra, o avanço deve cair para 2,1%.

"O viés da inadimplência é de manutenção ou até de leve alta daqui para a frente. Mas sem uma deterioração brusca", afirma Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners. Para ele, as instituições financeiras já se antecipam à piora das condições monetárias e das expectativas tanto das famílias como das empresas na calibragem de seus critérios de concessão.

Os bancos têm garantido que, mesmo que a economia piore, ainda não está ruim o suficiente para minar a qualidade dos portfólios de crédito. "Aumento do desemprego, se houver, será pequeno. Não vemos risco maior para a carteira de pessoas físicas", afirmou Domingos Abreu, diretor vice-presidente do Bradesco, em encontro com investidores na quinta-feira. O economista-chefe de um grande banco também não acredita em repique da inadimplência. Para ele, seria necessário haver uma deterioração mais forte do que a prevista no nível de emprego, considerando também o que se projeta de elevação da Selic.

Por enquanto, os indicadores antecedentes de inadimplência sustentam a leitura mais otimista. A taxa de atrasos entre 15 e 90 dias na pessoa física com recursos livres fechou junho em 6,5%, depois de começar o ano em 7%.

O controle do nível de calotes também está ligado à maior seletividade dos bancos na hora de ofertar crédito - algo em curso desde o ano passado. Um levantamento feito pelo Banco Central indica que, no crédito ao consumo, os bancos esperam uma oferta mais restrita no terceiro trimestre.

Segundo a "Pesquisa Trimestral de Condições de Crédito", realizada pelo BC, os bancos esperam leve deterioração nas condições de oferta de crédito para consumo no terceiro trimestre, depois de uma estabilidade no período de abril a junho. Já a demanda por empréstimos para consumo, que piorou no segundo trimestre, deve registrar melhora suave no terceiro, na expectativa dos bancos.

A Tendências faz um cálculo próprio do peso do crédito no orçamento mensal das famílias. Na conta, a consultoria inclui todas as formas de crédito parcelado no cartão, que o Banco Central exclui da sua metodologia. Com isso, estima que chegue a 29,6% a parcela da renda mensal comprometida com dívidas financeiras. Historicamente, os bancos fixam em 30% o limite de endividamento para um tomador. Ou seja, na média, é pequeno ainda o espaço para ofertar crédito às famílias.

A maior seletividade na concessão de crédito combinada a uma diminuição "sensível" da disposição das famílias em se endividar devem servir de contrapeso à perda de poder aquisitivo e ao desempenho do mercado de trabalho em termos de inadimplência. É o que defende José Tosi, sócio-diretor da consultoria Go On. "A inadimplência vai seguir caindo, mas não vai encontrar o patamar histórico tão logo. O nível de calotes de hoje é uma resposta ao que os bancos plantaram nos últimos cinco anos". Ele estima que o índice fique em 6,8% no fim do segundo semestre.

Os critérios mais cautelosos de seleção de clientes pelos bancos devem ser mantidos até o fim do ano, afirma Roberto Jabali, responsável pela gestão de risco do consumidor do Citi. Ele relata um esforço dos bancos em melhorar a elaboração de perfis dos tomadores e o monitoramento da capacidade de pagamentos dos clientes.

Para Jabali, um ajuste pouco intenso da Selic, o mercado de trabalho ainda em níveis razoáveis e uma ajuda de fatores específicos do segundo semestre (como os recursos do 13º salário) contribuem para reduzir a inadimplência.



Veículo: Valor Econômico


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