Protestos de junho adiam consumo, implicando forte aumento, de 1,9%, das vendas do varejo em julho

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O forte avanço do volume de vendas do comércio varejista em julho, de 1,9%, contra pálido 0,4% em junho, e de 6% sobre igual mês de 2012, impressiona e não estava previsto. As estimativas de mercado apontavam para altas, respectivamente, de 0,2% e 3,1%. O que houve?

Nada que a aritmética não possa esclarecer. Na média móvel de três meses, que dilui oscilações mais abruptas, a taxa mensal de vendas exibe uma evolução cadenciada, sem nada de imprevisível. Ela passou de estagnação no trimestre móvel até em abril, para +0,2% até maio, +0,4% até junho e +0,9% até julho. O salto de 1,9% no mês foi menos atípico, portanto, do que parece à primeira vista.

Há um processo de recuperação do consumo, apesar do movimento não linear da produção industrial, ao subir num mês (+2,1% em junho) e cair no outro (-2% em julho) confundir as percepções, comprometendo também a visão sobre o Produto Interno Bruto (PIB). Mas nem tudo é cristalino. É preciso qualificar melhor os movimentos da demanda.

As vendas do comércio são monitoradas pelo IBGE pela sua expressão monetária. No acumulado em 12 meses até julho, por exemplo, a alta foi de 5,4%, descontada a inflação, e de 12,2% em termos nominais, o que configura uma inflação implícita de 6,45% no varejo restrito (que não inclui veículos, peças e materiais de construção).
Um naco do avanço das vendas se deve ao ligeiro alívio da inflação (do pico de 6,7% em 12 meses até junho, baixou para 6,27% até julho e 6,09% até agosto), associado ao fato de que a maioria dos acordos salariais continua assegurando aumentos acima da inflação.

Não dá para dizer que assim continuará, já que há sinais de que o mercado de trabalho está menos apertado, e a inflação (conforme o movimento sazonal) tende a subir na medida mensal, embora continue a refluir em base anual – viés sujeito aos repasses devidos à alta do dólar e ao eventual aumento de preço da gasolina até dezembro.

Ainda assim, a desaceleração inflacionária entre junho e julho foi muito discreta (de 0,26% para 0,03%, já tendo retornado a 0,24% em agosto) para explicar o aumento tão forte das vendas do comércio em julho. O provável é que os grandes protestos de junho tenham adiado consumo, sobretudo o recorrente, para julho e algo mais em agosto.

Ainda sem contaminação

O problema de certas análises sobre a economia – que tendem a ser dominantes às vezes – é tomar o que não vai bem, como a resistência da inflação, a estagnação da produção industrial e os déficits das contas externas, e transferir seus efeitos para o emprego, a renda e o nível de consumo. Nada disso já se ressente do que faz o Banco Central, ao subir os juros visando, como motivação imediata, conter a inflação, mas, de fato, o viés crescente do déficit externo.

Todos estes fatores estão interconectados. O déficit externo, por exemplo, tem alta correlação com o nível da demanda doméstica. Se o refluxo da liquidez do dólar for mais abrupto do que diz que será o Federal Reserve, haverá um deslocamento em prejuízo das moedas das economias emergentes, o real entre elas, implicando overshooting da desvalorização cambial, inflação e aumento de juros. Em tal quadro, a demanda diminuirá para cortar importação e liberar exportação.

Economia ensanduichada

Os mercados cambiais dão uma amostra deste cenário desde meados de maio, quando o tema veio a público pelo Fed. No Brasil, a indústria – debilitada por anos seguidos de aumento de custo de produção não compensado por câmbio depreciado – há muito se rendeu à importação.

O superávit da balança comercial ficou dependente das commodities, basicamente soja e minério de ferro, cuja demanda vem da China, ela também em processo de transição do modelo focado em investimento em infraestrutura e exportação para o mercado interno. A China perdeu pique, mas ainda cresce a 7,5% ao ano – o bastante para desempinar as commodities, afetadas também pela alta do dólar (cujo desempenho é inverso ao dos insumos e grãos agrícolas). E nós ensanduichados.

Melhor que estagnação


Com parte do consumo suprido por importação e com déficit em conta corrente crescendo desde 2007, o Brasil é dependente da intensidade dos ajustes do dólar e da China. Se vierem com força, o governo vai ter de retrair o déficit cambial e priorizar a entrada de capitais, função da taxa de juro (que contrai o consumo) e de bons projetos, como os das concessões de logística e a exploração do pré-sal (que expandem a demanda). É este o contexto das vendas do comércio.

Elas não refletem as incertezas da economia interna e no mundo. Ao contrário, expressam vitalidade, embora desplugada tanto do cenário externo como da indústria. Melhor assim que estagnação, se pudermos superar nossas contradições e evitar as dos outros.



Veículo: Estado de Minas


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