Crianças impulsionam venda de licenciados

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Brinquedos, roupas, acessórios e alimentos de personagens famosos são os preferidos dos consumidores infantis


Os nomes dos personagens infantis estão na ponta da língua das crianças, dos adultos e até do Papai Noel neste fim de ano. “O Furby está em alta, em todos os sentidos, porque é caro (R$ 400,00), mas todas as meninas estão pedindo”, comenta o simpático e bom velhinho no saguão do shopping. Este é um item de uma lista enorme: “eu tenho ouvido bastante pedido de brinquedos do Hot Wheels e Ben 10”, continua o aposentado Laércio Roca, 70 anos, trajando as vestes do personagem mais querido do Natal.

Ninguém melhor do que o Papai Noel para conhecer os desejos das crianças. Mas Roca vai além e consegue dimensionar as mudanças no hábito de consumo dos pequenos nos últimos 47 anos, período em que incorpora o personagem. Um primeiro estranhamento é com relação às meninas. “Fiquei um pouco impressionado que as meninas estão pedindo skate também.” Outra constatação é que, hoje, os personagens exercem uma influência maior. “Agora tudo é marca”, sintetiza.

“Há 40 anos, os pedidos eram corda de pular, bambolê, time de botões, pião, que hoje é beyblade. Ficou tudo mais evoluído. Hoje, eles vão para televisão com o Nintendo Wii, nem tem mais botão”, destaca. Essas são características que não passam despercebidas pelo mercado de produtos infantis. De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), o mercado deve fechar o ano com crescimento de 12%. São R$ 4,34 bilhões movimentos só entre brinquedos contra R$ 3,87 bilhões, em 2012. Por ano, são lançados entre 1,7 mil e 1,8 mil novos produtos, segundo a Abrinq.

Um dos grandes filões desse mercado expressivo são os produtos licenciados, que englobam brinquedos, roupas, calçados, acessórios, materiais escolares e alimentos, entre outros, todos produzidos e vinculados a personagens, filmes ou celebridades. O número de licenças disponibilizadas no Brasil é baixo (são 600 licenças, 75% delas americanas), mas o faturamento apurado entre as 500 empresas licenciadas é alto e deve fechar 2013 em R$ 12 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Licenciamento (Abral).

Da prateleira do supermercado aos calçados infantis, eles estão por toda parte: heróis, princesas, bichinhos e carrinhos. “Eu me sinto pressionada a comprar esses produtos, porque o meu filho escolhe pelos personagens”, afirma a autônoma Fernanda Fagundes, mãe de Augusto Lewis, 7 anos. Em uma conversa rápida com ele, pelo menos três personagens foram citados: Bob Esponja, Homem Aranha e Ben 10.

Pequenos influenciam até nas compras no supermercado


Se para os pais é difícil escapar do apelo dos personagens, para o mercado a dificuldade não é menor. De acordo com a mestre em marketing e professora da ESPM-Sul Liliane Antunes Rohd, sem licenciamento está mais difícil atuar no mercado infantil, porque as crianças exercem poder de compra cada vez mais cedo. Liliane realizou uma pesquisa em 2009 justamente sobre a influência dos produtos licenciados e constatou que as crianças ditam, muitas vezes, as regras até nas compras de supermercado.

“Algumas mães comentaram que não adianta comprar um produto se os filhos não vão consumir e que, muitas vezes, elas notam que um produto é melhor e mais nutritivo, mas nem sempre é o do personagem”, revela.

O mercado parece cercar o público infantil de todas as formas possíveis. Seja na publicidade ou na oferta de produtos e serviços, os pequenos consumidores estão integralmente contemplados.

De acordo a conclusão de uma pesquisa do Insituto Qualibest sobre o mercado consumidor infantil e jovem adolescente, as crianças não são apenas influentes no momento da compra, elas decidem as compras. Os personagens, revela o estudo, representa as características que as crianças desejam ter, como a força do Manny, do filme Era do Gelo; a autoconfiança do personagem Buzz Lightyear, de Toy Story; ou a inteligência do Megamente, ou a força e persistência da Valente, a princesa que tenta ocupar espaço no universo masculino.

“Os profissionais de marketing, as agências de comunicação e os veículos de informação têm uma responsabilidade muito grande ao se dirigir a esse público, porque até uma certa idade é muito difícil para uma criança discernir o que é realidade ou fantasia”, alerta Liliane.  

“Eu acabei de comprar uma camiseta por um preço mais caro do que a comum só por que tinha o personagem”, comenta a arquiteta Luciana Michel, mãe de Afonso Henrique Michel, 4 anos, que exibia na camiseta o personagem favorito de animação, o Relâmpago McQueen. Nos pés, a sandália do Homem Aranha. E os pedidos de Natal acompanham a tendência, a pista do Relâmpago e o DVD do filme Aviões.

Os personagens ganharam tanta força que estão presentes até na decoração de Natal. Um boneco grande do Doki, mascote do canal Discovery Kids, figura entre os enfeites natalinos do Shopping Praia de Belas, juntando duas bases fortes do mercado de produtos infantis: o Natal, que é um dos períodos de maior venda para o comércio (junto com o Dia das Crianças, representa 55% de todo movimento do ano) e os licenciados.
Produtos, serviços e publicidade ignoram os consumidores considerados “betweens”

Existe um período de transição entre a infância e a adolescência em que a criança fica deslocada: ela ainda não é adolescente, mas também não quer mais ser vinculada ao universo infantil. Os chamados “betweens”, crianças com idade entre oito e 12 anos, são a brecha no mercado, que, assim como familiares, parece ter dificuldade em lidar com esse público.

Letícia Bueno, de 11 anos, é um exemplo disso. “Eu não gosto mais”, responde quando questionada sobre os personagens de desenho que mais gosta. Nem sempre foi assim. Antes, Letícia levava em consideração os personagens para as suas escolhas. “Eu gostava mais da Barbie”, diz. Hoje, os pedidos mais recentes de Letícia foram um celular e um computador. “E não é um computador, qualquer, comum, tem que ser um específico”, acrescenta a avó Maria Cristina Medeiros.

A professora da ESPM-Sul Liliane Antunes Rohde realizou pesquisa sobre esse grupo e constatou que de fato é um público que se sente deslocado. “Não tem loja para eles, tem loja para adolescentes ou infantis. No vestuário isso aparece muito”, revela. Entre as principais características dos “betweens”, Liliane cita a interconectividade e a influência exercida pelo grupo de amigos. Segundo Liliane, embora personagens infantis sejam deixados de lado, produtos relativos às celebridades ganham espaço.

Para Lusia Nicolino, diretora de Marketing e Inovação do Instituto Qualibest, que realiza pesquisa sobre o mercado infantil e jovem adolescente, os produtos licenciados de personagens infantis ainda têm espaço entre os “betweens”, porém de forma mais discreta. “O licenciado não entra muito nessa idade com produtos expostos, mas eles ainda os querem em coisas pequenas”, comenta. Por isso, Lusia sacramenta: “vida longa aos alimentícios e produtos de higiene”, que têm penetração altíssima entre esse grupo.

Entre as respostas qualitativas do estudo, apareceram frases como “eu quero uma mochila vermelha, mas não precisa ser do Carros”. O que prevalece é a intenção da criança em não parecer infantilizada perante o grupo, na escola, principalmente porque a mochila é item de destaque, visto por estudantes mais velhos, inclusive. “Mas os produtos que vão dentro da mochila, como estojo e outros materiais, que não fiquem aparentes, podem ser de personagens”, destaca Lusia.


Educação financeira e mesada orientam crianças

Diante dos apelos do mercado e do direcionamento consumista da sociedade, quais são as melhores orientações a repassar às crianças? Responder a essa pergunta não é fácil, porque não envolve apenas cálculos de gastos. Pelo contrário, a primeira preocupação que se deve ter é com o aspecto comportamental relativo aos hábitos de consumo, a questão financeira vem atrelada a ele. Mas os primeiros a mudarem de postura são os pais, orienta o contador e presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), Reinaldo Domingos.

O comportamento do consumidor, revela o educador financeiro, é influenciado por uma série de fatores. Pai e mãe, por exemplo, carregam a culpa pela ausência, quando exercem atividades profissionais fora de casa, e, muitas vezes, acabam compensando a falta com presentes e agrados, atendendo aos pedidos dos filhos. “O poder de decisão de compra da criança é enorme. Eu diria que 90% da escolha é da criança e 10% é do pai”, sintetiza.

A criança, por sua vez, é levada a desejar uma série de produtos pelos estímulos provocados pela mídia, mas também pela influência dos amiguinhos. Novamente, os pais sentem-se impelidos a atender esses pedidos para garantir aos filhos as mesmas condições dos amigos. “Tem o problema da equiparação social. O pai quer superar a condição ou equipará-la e acaba fazendo aquilo que não poderia fazer com um dinheiro que não tem, porque os pais querem dar o melhor para os filhos.”

Somado a essas condições, vem o acesso à informação facilitado e aprimoramento do marketing, levando as crianças a serem mais consumistas do que os pais ou os avós foram. O risco é o de que elas cresçam tendo dificuldade em enxergar limites. O caminho para evitar isso é a educação financeira para os filhos e a reeducação financeira para os pais.

O presidente da Abefin sugere que a família realize uma reunião, onde cada integrante da casa defina quais são os seus sonhos de consumo. Todos devem responder o que desejam e quanto custa esse sonho. Em conjunto, a família precisa avaliar qual é a renda de que dispõe para bancar os desejos de cada um e em quanto tempo esses desejos podem ser concedidos. “Assim, a criança já começa a entender que existe priorização dos desejos”.

Conceder uma mesada ao filho também é uma forma de estimulá-lo a controlar os gastos e a gerir os recursos que tem. Domingos destaca que, a partir dos sete anos, já é possível deixar o controle financeiro da mesada nas mãos das crianças, mas os gastos precisam ser avaliados, até mesmo para verificar em que a criança está gastando e de que maneira.



Veículo: Jornal do Comércio - RS


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