Preocupado com o impacto da crise global na balança comercial, o governo brasileiro instituiu uma barreira informal às importações, que burocratiza a entrada de diversos produtos no país. O Departamento de Comércio Exterior (Decex) começou a exigir ontem licenças prévias de importação para 17 setores, que representam entre 60% e 70% das importações.
Segundo fontes do setor privado, a lista de setores prejudicados pela mudança é extensa: trigo; plástico; borracha; filamentos sintéticos; lâminas de matérias têxteis sintéticas; tecidos especiais; vestuário e acessórios de malha; ferro e aço; obras de ferro fundido, cobre; alumínio; máquinas e aparelhos mecânicos; máquinas e aparelhos elétricos; veículos e material para vias férreas, automóveis, tratores e autopeças; aparelhos de óptica, fotografia, instrumentos de precisão e instrumentos médico-cirúrgicos. A inclusão de bens de capital provocou surpresa, porque dificulta o investimento.
O Brasil aplicava licenças prévias de importação para alguns produtos têxteis, brinquedos, calçados, entre outros, mas representavam apenas 10% das importações totais. A exigência das licenças de importação burocratiza o processo, porque o Decex vai analisar cada pedido antes de liberar a entrada do produto no país. Antes dessa mudança, os importadores obtinham a autorização automaticamente pela internet. A regra geral era utilizar as licenças de importação para controlar a entrada de produtos perigosos ou itens sujeitos a medidas de defesa comercial, como tarifas antidumping.
O Ministério do Desenvolvimento confirmou que começou a exigir licenças prévias para cerca de 60% das importações, mas não informou quais são os setores afetados. Segundo o governo, a medida ocorreu para fins estatísticos, mas o compromisso é não barrar as importações e liberar com rapidez as solicitações. O ministério não informou qual será o prazo ou se dispõe de pessoal para atender a demanda. As regras das licenças prévias permitem até 60 dias. O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, estava ontem em viagem à Líbia . O secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, não foi localizado para comentar o assunto, pois foi a reunião em Buenos Aires. Em Washington, em dezembro, o presidente Lula havia se comprometido com os demais líderes mundiais a não adotar medidas protecionistas.
Fontes do setor privado ficaram espantadas com a abrangência da medida e acreditam que reflete o "desespero" do governo com os resultado da balança comercial de janeiro, que devem registrar o primeiro déficit mensal desde março de 2001. As preocupações com demissões também podem ter sido uma motivação. Por conta das mudanças, o Siscomex ficou praticamente fora do ar ontem e os importadores não conseguiam realizar operações. Para evitar multas, as empresas, cuja mercadoria está em trânsito para o Brasil, foram orientadas a elaborar petição informando que o embarque é anterior a medida.
"Sem dúvida, é uma medida protecionista. É um ano de crise e o governo está muito voltado para a defesa comercial", disse Gustavo Dedivitis, presidente da Associação Brasileira de Produtos Populares (Abipp). Ele acredita que o governo tomou uma decisão equivocada, pois os produtos populares podem ajudar a estimular o consumo em tempos de crise. O Sindicato dos Importadores e Exportadores do Espírito Santo estava elaborando ontem uma carta para o ministério, pedindo a revisão da exigência de licenciamento. "O governo dificultou a importação de insumos. A indústria vai parar", disse Jonatan Schmidt, presidente da Associação Brasileira dos Importadores Têxteis (Abitex).
Para o diretor do Departamento de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti da Fonseca, a atitude parece "precipitada e assustada" com o resultado da balança. "O problema é que às vezes medidas anticrise são indesejáveis, mas necessárias." Ele acredita que apenas atitudes preventivas podem evitar que surtos de importação provoquem desemprego.
Com a medida adotada, o Brasil segue linha parecida com os demais países do continente. A Argentina já aplica licença não-automática para importações de calçados e geladeiras, mas, segundo relato dos exportadores brasileiros, está dificultando cada vez mais o processo por conta da crise. O Equador anunciou recentemente que vai elevar tarifas e impor cotas para controlar a balança. Na Venezuela, o processo é mais direto e uma comissão libera cada dólar destinado à importação.
Veículo: Valor Econômico