Pagar as contas em dia se tornou um martírio para milhares de famílias. Com a recessão se aprofundando, o desemprego em disparada e a renda sendo corroída pela inflação, não há mais como acomodar as dívidas no orçamento. Mesmo despesas básicas, como a escola dos filhos, o plano de saúde, o condomínio de casa, a luz e a água, estão sendo deixadas de lado ou cortadas de vez. Nos lares de renda mais baixa, a situação é tão dramática que os recursos que entram só conseguem bancar a comida que vai para a mesa. Não dá mais para esticar o dinheiro.
“As famílias estão no limite”, diz o economista-chefe da Opus Investimentos, José Márcio Camargo. O que mais preocupa é que não há perspectiva de melhora à vista. Os especialistas são unânimes em dizer que, com o acirramento da crise política e a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o que já está ruim ficará pior. Mais gente será demitida, o salário continuará encolhendo, a inflação permanecerá distante do limite de tolerância previsto em lei, de 6,5%, e os juros, em patamares insuportáveis. É o pior ambiente para as famílias, especialmente as de menor poder aquisitivo.
Nas escolas particulares, a reclamação é geral. A taxa média de inadimplência subiu 50% nos últimos 12 meses. Saltou de 8% para 12%, segundo a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep). O calote nos condomínios chegou a 13%, mais que o dobro da média histórica, de 6%, de acordo com a Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi). E o atraso no pagamento das tarifas de água e luz aumentou até 17% no país – foi o que ocorreu na Região Sul, conforme dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). São números sem precedentes em mais de uma década em meia, período em que o controle da inflação permitiu a incorporação de pelo menos 40 milhões de pessoas ao mercado de consumo — quase uma Espanha. “Boa parte da riqueza construída nesse período evaporou”, reconhece o economista Ricardo Rocha, professor da escola de negócios Insper.
Carmargo, da Opus Investimentos, é enfático: “Quando a renda aumenta, o padrão de vida melhora. Agora, vivemos um processo inverso. Muitas pessoas estão sofrendo diante de um quadro econômico dificílimo”. Para ele, as mais prejudicadas são as pessoas que relutam em cortar gastos.
Dados do Banco Central mostram que mais de 3 milhões de pessoas que haviam ascendido socialmente nos últimos anos foram empurradas novamente à pobreza. É possível que contingente semelhante seja punido em 2016, quando Produto Interno Bruto (PIB) deve encolher pelo menos 4%. Não é só. Muitos dos que ficaram desempregados perderam os planos da saúde. Nos cálculos do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), 776 mil pessoas ficaram sem cobertura no ano passado. Muitos deles, por inadimplência. Pelas regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), após 60 dias de atraso no pagamento, o convênio pode suspender os serviços desde que comunique o cliente com antecedência. Para Ricardo Rocha, a combinação perversa entre perda de renda e desemprego motiva o calote. Na visão dele, depois de anos de prosperidade, os brasileiros não se prepararam para a crise.
Veículo: Jornal Estado de Minas - MG