Depósito voluntário no Banco Central pode servir para abater a dívida bruta

Leia em 4min

A criação dos depósitos remunerados voluntários das instituições financeiras no Banco Central (BC) poderá servir ao governo para abater parte do volume de operações compromissadas do cálculo da dívida bruta, o que seria uma "contabilidade criativa".

Usar o depósito remunerado ou a operação compromissada como forma de regular a liquidez são equivalentes, mas, segundo especialistas, talvez tenha pequena vantagem a favor do depósito remunerado porque este livra o Banco Central da necessidade de comunicação constante com o Tesouro Nacional. "O problema é que hoje a compromissada parece uma dívida, e o depósito remunerado voluntário, não. Na minha opinião, isso aí é contabilidade criativa", alertou ontem, o economista Alexandre Schwartsman, da Schwartsman & Associados, ao explicar que no caso dos depósitos por serem voluntários não são considerados financiamentos aos cofres públicos como é com relação às operações compromissadas.

Mas na visão dele, se são depósitos remunerados mesmo que voluntários pagando juros é equivalente a dívida. "Isso é passível da autoridade monetária. Vou lembrar que tem um pedaço da dívida que tem sido rolada via operações compromissadas. Quando o Tesouro não consegue rolar, sobra liquidez, e vai lá o Banco Central e enxuga essa liquidez [emissão de mais papéis]. Ou seja, se opera um financiamento do Tesouro por meio do Banco Central. Enquanto isso acontecer, esses depósitos devem ser contabilizados como dívida. Porque se isso não for feito, pode se fazer sumir R$ 1 trilhão em compromissadas, o que seria um golpe de mão", afirma.

De fato, o volume em operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais no Banco Central atingiu R$ 1,027 trilhão em volume no último mês de fevereiro, o equivalente a 17,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Para efeito de comparação, em dezembro de 2014, as compromissadas respondiam por 14,2% do PIB, o equivalente a R$ 809 bilhões em volume.

Ou seja, num curto período de 14 meses, a expansão líquida foi de R$ 218 bilhões das compromissadas, cerca de 3% do PIB nessas operações de curtíssimo prazo, também conhecidas como overnight.

Na avaliação do ex-presidente do Banco Central e presidente do conselho de governança do Instituto Millenium, Gustavo Franco, a criação dos depósitos remunerados voluntários até corrige uma distorção antiga de política monetária brasileira, mas motivada por razões erradas.

"A medida não é uma má ideia, mas talvez esteja sendo proposta pelas razões erradas. O governo está de olho se a mesma coisa que é a operação compromissada for feita através do depósito voluntário não conta na estatística de dívida pública. Se for esse o caso, é uma nova pedalada, uma criatividade contábil. Se o Banco Central está criando um passivo, isso deveria constar da dívida pública. Pergunte para a autoridade [o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa] se ele faria o depósito voluntário se ele contasse da dívida pública, e espera ver o que ele responde", questionou Gustavo Franco após participar de evento do Instituto Millenium realizado ontem, em São Paulo.

A lógica da argumentação de ambos os economistas é bastante simples: hoje, a dívida bruta do governo é equivalente a cerca de 67% do PIB segundo dados do Banco Central, se descontada o volume em compromissadas de cerca de 17%, que poderia gradualmente ser substituída por "depósitos remunerados voluntários" de instituições financeiras, a dívida bruta recuaria para algo em torno de 50% do PIB brasileiro, uma aparente melhora no perfil das contas públicas.

"A ideia não é má do ponto de vista operacional, de se ter uma fórmula mais clara. Quando lá atrás, a lei de responsabilidade fiscal proibiu o Banco Central de emitir seus próprios papéis, não foi todo mundo que gostou. Eu pessoalmente não sou muito simpático, mas a ideia era separar assuntos fiscais, de assuntos monetários. O depósito voluntário tem contra si esse problema, vira uma fórmula fiscal que mascara a dificuldade do Tesouro de colocar títulos", diz o ex-presidente do BC.

Franco lembrou que desde a crise mundial de 2008, devido a uma lei passada no "calor" do crash, o Banco Central não tem dificuldades para se financiar via compromissadas.

Versão do governo

Na proposta divulgada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, na última segunda-feira, ele argumentou que BCs de economias avançadas como o Federal Reserve (BC dos Estados Unidos) utilizam o depósito remunerado voluntário para administração da liquidez. "Depósitos remunerados no Brasil como instrumento secundário de política monetária minimizariam a necessidade de aportes ao BCB e daria maior autonomia ao banco", disse o ministro da Fazenda, na ocasião.

No novo modelo proposto pela Fazenda, seria necessário alterar o artigo 10, inciso XII, da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, sobre as competências do Banco Central.

 



Veículo: Jornal DCI


Veja também

Projeção da economia será revista, afirma Tombini

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, afirmou ontem durante audiência pública na Comissã...

Veja mais
País fecha mais de 100 mil vagas de trabalho em um mês

O Brasil fechou 104.582 vagas formais de emprego em fevereiro, segundo informou, ontem, o Ministério do Trabalho ...

Veja mais
Desigualdade voltou a crescer no Brasil, aponta pesquisador

O País terminou 2015 com o primeiro registro de alta na desigualdade desde a virada do século, segundo c&a...

Veja mais
Mercado projeta menos inflação em 2016

Segundo o Relatório Focus, analistas e investidores projetam IPCA em 7,43% e baixa de 3,6% do PIB Analistas e in...

Veja mais
Vinho e bacalhau importado são os mais tributados

Pesquisa da IBPT mostra que esses itens são os que mais pesam no bolso do brasileiro no feriado da Páscoa ...

Veja mais
Analistas pioram previsão para o PIB deste ano

Analistas do mercado financeiro consultados semanalmente pelo Banco Central (BC) pioraram mais uma vez previsão p...

Veja mais
Carga tributária

Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), os produtos mais tributados no feriado...

Veja mais
Vendas de produtos para a Páscoa serão "magras" neste ano

Pesquisa aponta falta de dinheiro para consumo A Páscoa dos belo-horizontinos será mais “magra&rdqu...

Veja mais
Economia ganha força com investimento estrangeiro, exportações e inflação menor

Investimento estrangeiro elevado entrando no País, saldo robusto no comércio exterior e inflaç&atil...

Veja mais