A criação dos depósitos remunerados voluntários das instituições financeiras no Banco Central (BC) poderá servir ao governo para abater parte do volume de operações compromissadas do cálculo da dívida bruta, o que seria uma "contabilidade criativa".
Usar o depósito remunerado ou a operação compromissada como forma de regular a liquidez são equivalentes, mas, segundo especialistas, talvez tenha pequena vantagem a favor do depósito remunerado porque este livra o Banco Central da necessidade de comunicação constante com o Tesouro Nacional. "O problema é que hoje a compromissada parece uma dívida, e o depósito remunerado voluntário, não. Na minha opinião, isso aí é contabilidade criativa", alertou ontem, o economista Alexandre Schwartsman, da Schwartsman & Associados, ao explicar que no caso dos depósitos por serem voluntários não são considerados financiamentos aos cofres públicos como é com relação às operações compromissadas.
Mas na visão dele, se são depósitos remunerados mesmo que voluntários pagando juros é equivalente a dívida. "Isso é passível da autoridade monetária. Vou lembrar que tem um pedaço da dívida que tem sido rolada via operações compromissadas. Quando o Tesouro não consegue rolar, sobra liquidez, e vai lá o Banco Central e enxuga essa liquidez [emissão de mais papéis]. Ou seja, se opera um financiamento do Tesouro por meio do Banco Central. Enquanto isso acontecer, esses depósitos devem ser contabilizados como dívida. Porque se isso não for feito, pode se fazer sumir R$ 1 trilhão em compromissadas, o que seria um golpe de mão", afirma.
De fato, o volume em operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais no Banco Central atingiu R$ 1,027 trilhão em volume no último mês de fevereiro, o equivalente a 17,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Para efeito de comparação, em dezembro de 2014, as compromissadas respondiam por 14,2% do PIB, o equivalente a R$ 809 bilhões em volume.
Ou seja, num curto período de 14 meses, a expansão líquida foi de R$ 218 bilhões das compromissadas, cerca de 3% do PIB nessas operações de curtíssimo prazo, também conhecidas como overnight.
Na avaliação do ex-presidente do Banco Central e presidente do conselho de governança do Instituto Millenium, Gustavo Franco, a criação dos depósitos remunerados voluntários até corrige uma distorção antiga de política monetária brasileira, mas motivada por razões erradas.
"A medida não é uma má ideia, mas talvez esteja sendo proposta pelas razões erradas. O governo está de olho se a mesma coisa que é a operação compromissada for feita através do depósito voluntário não conta na estatística de dívida pública. Se for esse o caso, é uma nova pedalada, uma criatividade contábil. Se o Banco Central está criando um passivo, isso deveria constar da dívida pública. Pergunte para a autoridade [o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa] se ele faria o depósito voluntário se ele contasse da dívida pública, e espera ver o que ele responde", questionou Gustavo Franco após participar de evento do Instituto Millenium realizado ontem, em São Paulo.
A lógica da argumentação de ambos os economistas é bastante simples: hoje, a dívida bruta do governo é equivalente a cerca de 67% do PIB segundo dados do Banco Central, se descontada o volume em compromissadas de cerca de 17%, que poderia gradualmente ser substituída por "depósitos remunerados voluntários" de instituições financeiras, a dívida bruta recuaria para algo em torno de 50% do PIB brasileiro, uma aparente melhora no perfil das contas públicas.
"A ideia não é má do ponto de vista operacional, de se ter uma fórmula mais clara. Quando lá atrás, a lei de responsabilidade fiscal proibiu o Banco Central de emitir seus próprios papéis, não foi todo mundo que gostou. Eu pessoalmente não sou muito simpático, mas a ideia era separar assuntos fiscais, de assuntos monetários. O depósito voluntário tem contra si esse problema, vira uma fórmula fiscal que mascara a dificuldade do Tesouro de colocar títulos", diz o ex-presidente do BC.
Franco lembrou que desde a crise mundial de 2008, devido a uma lei passada no "calor" do crash, o Banco Central não tem dificuldades para se financiar via compromissadas.
Versão do governo
Na proposta divulgada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, na última segunda-feira, ele argumentou que BCs de economias avançadas como o Federal Reserve (BC dos Estados Unidos) utilizam o depósito remunerado voluntário para administração da liquidez. "Depósitos remunerados no Brasil como instrumento secundário de política monetária minimizariam a necessidade de aportes ao BCB e daria maior autonomia ao banco", disse o ministro da Fazenda, na ocasião.
No novo modelo proposto pela Fazenda, seria necessário alterar o artigo 10, inciso XII, da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, sobre as competências do Banco Central.
Veículo: Jornal DCI