A economia real continuará em compasso de espera mesmo após a votação do impeachment de Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados. A expectativa é que os índices econômicos permaneçam em queda até a questão política ser resolvida em definitivo.
"Apesar da euforia do mercado, não há clareza no cenário político e, portanto, o empresário não vai voltar a investir, nem as pessoas vão retomar consumo. Ou seja, a recessão continua no Brasil", ressalta Vladimir Fernandes Maciel, professor de economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
As estimativas para a economia brasileira já estão bem pessimistas. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) informou que prevê queda de 3,8% no Produto Interno Bruto (PIB) do País, o mesmo percentual de retração que a economia brasileira registrou em 2015.
O Monitor do PIB, divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) na última sexta-feira, apontou ainda que a contração da atividade econômica foi de 4,1% nos últimos 12 meses encerrados em fevereiro, e de 1,79% somente naquele mês, ante janeiro.
Em relação à taxa de desemprego, o FMI espera que esta alcance patamar de 9,2% neste ano e que salte para 10,2% em 2017. Nos três meses terminados em janeiro, a desocupação já chegou a 9,5%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O FMI prevê ainda inflação de 7,1% neste ano.
Para especialistas de diversas tendências econômicas, reverter esses números não é tarefa simples e são muitos os desafios que se desenham à frente. Mauro Rochlin, da FGV, diz que "não consegue pensar em nenhuma política de estímulo econômico", sem antes "falar de ajuste fiscal".
"O governo se encontra em uma situação delicada dado o tamanho do seu endividamento. Sem sinalizar uma resolução nesse indicador, não vai ter confiança que se recupere. O avanço da dívida aponta para o risco de calote e de hiperinflação [já que o governo pode ter que emitir moeda para quitar seus débitos]", afirma.
Outras projeções do FMI sinalizam que a dívida bruta do Brasil pode chegar a 91,7% do PIB em 2021. A instituição espera ainda que o País deve continuar com déficit nas contas públicas até o ano de 2019.
Maciel do Mackenzie concorda com a necessidade de ajuste fiscal, mas acredita que não é possível realizar uma forte correção no curto prazo diante da recessão.
Para ele, implementar medidas de efeito no médio e no longo prazo que sejam capazes de recuperar a credibilidade dos agentes econômicos é a melhor estratégia. "Pode-se prosseguir com a reforma da previdência, cortar cargos comissionados, gasto corrente. Isso não traz efeito imediato, mas sinaliza para a sociedade que algo está sendo feito", diz.
Estímulos
Roberto Piscitelli, da Universidade de Brasília (UNB), acredita que, passadas as incertezas políticas, é preciso atuar na ampliação de crédito para o Brasil retomar consumo, o emprego e a renda. "Esse caminho passaria por alguns programas que, hoje, estão paralisados, como o Minha Casa Minha Vida [MCMV] que emprega, sobretudo, trabalhadores de baixa renda, aqueles que têm sido mais prejudicados recentemente", sugere ele.
"Além disso, a capacidade ociosa da economia está muito alta. Isso permite estimular a produção sem provocar pressões inflacionárias", ressalta.
Antes da votação do impeachment, os especialistas comentaram que tanto um governo Michel Temer ou de Dilma implicará em desafios.
Para eles, enquanto Dilma enfrentaria a indisposição do Congresso Nacional para aprovar medidas econômicas, Temer teria a oposição das ruas, dos sindicatos e dos movimentos sociais. "A esquerda como oposição sempre foi, historicamente, muito combativa", ressalta o professor da UNB.
Atalho para o precipício
Piscitelli critica as medidas econômicas propostas por Temer, argumentando que estas tendem a aprofundar o desemprego e provocar um retrocesso social. "O programa do Temer, o 'Ponte para o futuro' é um 'atalho para o precipício'", opina o especialista.
"A linha econômica do PMDB preconiza um aperto fiscal muito grande que implica em forte redução de despesas governamentais o que, nesse momento, geraria mais desemprego em uma economia completamente deprimida", diz ele. "Além disso, o 'Ponte para o futuro' prevê desvinculação de receita para as áreas de saúde e de educação, serviços essenciais para que as pessoas possam sobreviver. Se tentarem passar medidas como essas, vamos ter uma convulsão nas ruas como não víamos há muito tempo".
Já Maciel acredita que um eventual governo Temer teria o desafio de transmitir credibilidade em um curto espaço de tempo e, portanto, precisaria ser muito cuidadoso na escolha de sua equipe econômica.
Já um governo Dilma, para ele, não teria possibilidade de avançar com medidas econômicas. "O Congresso continuaria travando as propostas e o Lula não tem mais tanto capital político para negociar."
Veículo: Jornal DCI