Gastos com juros devem ficar abaixo de 5% do PIB

Leia em 5min

Com a expectativa de redução mais forte da taxa Selic, os gastos com juros do setor público deverão ficar abaixo de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, o que não ocorre desde 1997. Alguns analistas estimam que essas despesas vão atingir 4,7% do PIB, sensivelmente abaixo dos 5,6% do PIB do ano passado. Em termos absolutos, o setor público deve gastar em 2009 algo como R$ 146 bilhões com juros, um valor muito elevado, equivalente a quase 13 vezes o orçamento previsto para o Bolsa Família, de R$ 11,4 bilhões.. Ainda assim, é inferior às despesas financeiras de 2008, de R$ 162,3 bilhões.

 

A queda dos juros é a grande responsável pelas previsões de queda desses gastos neste ano. Em 2008, a Selic média foi de 12,4%; neste ano, deve ficar próxima de 10%, ou até abaixo disso.

 

Para o estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, a Selic pode chegar a 9,25% no fim deste ano. A crise internacional derrubou a atividade econômica, abrindo espaço para o Brasil testar níveis de juros mais baixos, afirma ele. Lintz diz ainda que as taxas já vinham em queda nos últimos anos, dada a consolidação do tripé macroeconômico - câmbio flutuante, regime de metas de inflação e superávits primários elevados - e do acúmulo de reservas internacionais. Ele acredita que a Selic média ficará em 10,3% neste ano, permitindo ao setor público reduzir os gastos com juros para 4,7% do PIB. Esse cálculo leva em conta uma retração da economia brasileira de 1,5% em 2009.

 

O economista Júlio Callegari, do JP Morgan, também avalia que a carga de juros neste ano ficará em 4,7% do PIB. Ele vê a Selic média em 9,9% em 2009, considerando possível que a taxa chegue ao fim do ano em 9,25%. Para Callegari, a crise abriu espaço para reduções mais agressivas dos juros sem o risco de pressões inflacionárias relevantes. Ele estima uma queda de 1,4% para o PIB em 2009.

 

O Brasil é um dos países que mais gastam com juros como proporção do PIB. Um dos motivos é a elevada dívida bruta do governo, equivalente a 59,5% do PIB. Países com avaliação de crédito semelhante têm dívida bruta na casa de 34% do PIB. No entanto, se os gastos com juros ficarem mesmo em 4,7% do PIB, o Brasil terá despesas financeiras inferiores a nações como Itália (5,6% do PIB), Israel (5%), Grécia (4,8%), Hungria (5,7%), Índia (6,1%), Egito (6,9%), Jamaica (10,7%), Líbano (10,8%) e Seichelles (10,8%), de acordo com uma lista de 125 países da agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P). Em anos anteriores, o Brasil só ficava atrás de Jamaica, do Líbano e da Turquia, que em 2009 deve gastar 4,3% do PIB.

 

Para padrões brasileiros, uma carga de juros de 4,7% do PIB é baixa. Desde o começo do Plano Real, em 1994, apenas em 1997 o setor público teve despesas financeiras menores, de 4,61% do PIB. Nos 12 meses até julho de 2003, o país gastou o equivalente a 9,51% do PIB. Além da influência da Selic nas alturas, uma parte significativa da dívida pública era influenciada pelo câmbio. Hoje, a situação é bem diferente: como os ativos do governo em dólar - basicamente as reservas - superam as dívidas, o setor público é credor externo líquido. Quando o dólar sobe, a situação fiscal melhora, o oposto do que ocorria no fim dos anos 90 e no começo dos anos 2000.

 

Esse é um dos fatores que possibilitaram a queda dos juros nos últimos anos, segundo o economista Fernando Rocha, da JGP Gestão de Recursos. Ele também cita a consolidação do tripé macroeconômico como fundamental para o processo de convergência das taxas brasileiras para níveis internacionais, ainda que o BC estivesse aumentando a Selic antes do agravamento da crise. Rocha também destaca a importância da melhora do balanço de pagamentos, que possibilitou a acumulação de US$ 200 bilhões de reservas. Segundo ele, há uma grande capacidade ociosa na economia por causa da crise, que poderá fazer o BC baixar os juros para 9% neste ano. Rocha também acredita que os gastos com juros ficarão abaixo de 5% do PIB.

 

Uma incógnita é se a Selic poderá se manter abaixo de 10% quando a atividade se recuperar. Analistas mais ortodoxos têm dúvidas quanto a isso, por considerar que o nível elevado dos gastos públicos pressiona a demanda, reduzindo o espaço para cortes de juros mais fortes. A grande presença do crédito direcionado - os empréstimos a taxas mais baixas oferecidos pelos bancos públicos como o BNDES - também pode dificultar a manutenção da Selic em patamares mais baixos, avalia Callegari.

 

Já o professor José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB), acredita que é possível ter juros abaixo de dois dígitos de modo sustentado, desde que haja uma flexibilização do regime de metas de inflação e uma desindexação mais ampla na economia. Ele defende o fim dos títulos públicos corrigidos pela Selic e da correção de preços administrados (como tarifas públicas) pela inflação passada. Além disso, Oreiro ressalta a importância de se resolver a questão da remuneração da caderneta de poupança, que hoje dificulta a queda dos juros. Como a caderneta paga 0,5% ao mês mais a Taxa Referencial (TR), uma Selic muito baixa diminui a competitividade dos fundos de investimento, o que pode atrapalhar a venda de títulos públicos pelo governo - os fundos são grandes compradores desses papéis. "Resolvida essa questão, a Selic pode cair para 8% neste ano."

 

Veículo: Valor Econômico


Veja também

Argentina defende barreiras ao Brasil

Ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, defendeu, na sexta...

Veja mais
Redes varejistas retomam vendas

Demanda aumenta 10% neste mês   Após um janeiro considerado surpreendente em termos de vendas, o set...

Veja mais
Massa salarial suaviza queda da arrecadação

Num efeito inverso ao da queda de lucros e de receitas, que jogou para baixo a arrecadação de impostos e c...

Veja mais
Calote do cheque é recorde no 1º bimestre

O calote do cheque atingiu no primeiro bimestre deste ano nível recorde e apresentou a maior taxa de crescimento ...

Veja mais
Consumo deve ter forte desaceleração

O consumo das famílias terá uma expressiva desaceleração do ritmo de crescimento neste ano, ...

Veja mais
Consumo deve ter forte desaceleração

O consumo das famílias terá uma expressiva desaceleração do ritmo de crescimento neste ano, ...

Veja mais
Rio Grande do Sul concede benefício fiscal a feijão, leite, biodiesel e trigo

O governo gaúcho concederá benefícios fiscais que incidem sobre o feijão, leite e biodiesel,...

Veja mais
Estados do Nordeste já sentem a crise, diz Ipea

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a crise atingiu principalmente os estados mais indust...

Veja mais
Empresários temem ampliação de barreiras comerciais na Argentina

Os empresários brasileiros estão preocupados com os sucessivos atrasos nas negociações com a...

Veja mais