O consumo das famílias terá uma expressiva desaceleração do ritmo de crescimento neste ano, depois de crescer 5,4% em 2008 e 6,3% em 2007. Com a perda de fôlego da massa real de salários e do crédito, o principal componente da demanda, com peso de 60% no Produto Interno Bruto (PIB), deve ter expansão entre zero e pouco menos de 2%, segundo analistas. Ainda assim, será um resultado bem melhor que o do investimento, para o qual se esperam até quedas superiores a dois dígitos. O aumento do salário mínimo, que corrige dois terços dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e o dinheiro do Bolsa Família servem como um colchão para a renda dos mais pobres, dando algum alento ao consumo de produtos semi e não duráveis (como alimentos e vestuário).
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, projeta uma alta de 2,6% acima da inflação para a massa de salários em 2009, um número positivo, mas bem abaixo dos 7,5% de 2008. Essa desaceleração significativa ajuda a explicar a previsão de uma alta de 1,8% para o consumo das famílias neste ano, diz Vale.
Ele observa ainda que a tendência é de que a massa salarial perca força ao longo do ano. "Num segundo momento da crise, com a continuidade da deterioração doméstica, renda e emprego devem começar a ser afetados de forma mais intensa, ou seja, o consumo deverá começar a sentir mais claramente no segundo semestre", diz ele, acrescentando que a resistência "que se vê no volume de vendas em supermercados tende a desacelerar com a tendência de deterioração no mercado de trabalho, da mesma forma que na recessão de 2002 e 2003". Para ele, a ocupação deve crescer 2% neste ano, enquanto a variação do rendimento (acima da inflação) deve ficar em 0,6%, totalizando assim alta de 2,6% para a massa real de salários.
Num primeiro momento, o consumo de bens duráveis (como automóveis e eletroeletrônicos) é mais afetado, porque as vendas são mais dependentes do crédito. Já as vendas de semi e não duráveis tendem a sofrer mais à medida que houver uma piora mais acentuada do emprego e da renda, diz Vale, que projeta alta de 0,5% para o PIB em 2009.
A economista Marcela Prada, da Tendências Consultoria Integrada, também diz que a desaceleração da massa real de salários ajudará a derrubar o ritmo de expansão do consumo das famílias, para o qual estima alta de 1% em 2009. Marcela destaca o impacto negativo da queda da confiança dos consumidores, num ambiente de expectativa de piora do mercado de trabalho. "No quarto trimestre de 2008, o consumo das famílias teve queda de 2% em relação ao terceiro [feito o ajuste sazonal], algo já influenciado pela queda da confiança, devido ao cenário de incerteza."
A economista diz que a perspectiva de crescimento mais fraco do crédito também contribui para a desaceleração do consumo das famílias em 2009. Ela estima alta de 11,4% das operações de empréstimos para a pessoa física neste ano, já descontada a inflação, bem abaixo dos 31,3% do ano passado. Num quadro de incerteza em relação ao emprego e com os bancos mais seletivos na hora de conceder financiamentos, o crédito não dará um grande impulso ao consumo das famílias.
O estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, acredita que a massa real de salários ainda pode ter um crescimento mais forte neste ano, de 5,6%. Essa expansão mais forte, porém, deve se concentrar no começo do ano, devendo perder fôlego ao longo dos meses. Lintz diz que essa previsão pode ser revisada para baixo, dado o grau de indefinição quanto às perspectivas para a economia. Para ele, o consumo das famílias deve crescer 1,4% em 2009.
O crédito, que funcionou como um acelerador da alta desse componente da demanda nos últimos anos, vai avançar a taxas bem mais modestas, principalmente pela menor demanda por empréstimos, avalia Lintz. Ele aposta em recuo do PIB de 1,5% em 2009, retração que se deverá especialmente ao tombo do investimento. Ele projeta queda de 13,9% para a formação bruta de capital fixo (FBCF, que mede o que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos). O investimento tem sido afetado pela combinação de queda na confiança dos empresários, piora nas condições de crédito e expectativa ruim de demanda.
O economista Aurélio Bicalho, do Itaú, tem uma previsão ainda pior para o consumo das famílias neste ano, apostando numa variação entre zero e 1%. Para ele, o abalo na confiança dos consumidores, o aperto no crédito e a tendência de perda de força da massa salarial ao longo do ano vão afetar o consumo privado. Bicalho espera uma retração do PIB de 1,5% em 2009.
O que pode dar algum estímulo ao consumo neste ano é o aumento de 12% do salário mínimo e programas como o Bolsa Família, diz Vale. Como a inflação deve cair ao longo dos próximos meses, quem tem renda vinculada ao mínimo terá um ganho real significativo.
Veículo: Valor Econômico