Juros básicos da economia seguem no maior patamar em dez anos.
Michel Temer pediu corte de juros, mas depois disse que BC tem autonomia.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reuniu nesta quarta-feira (20) e decidiu manter, pela oitava vez seguida, os juros básicos da economia em 14,25% ao ano - o maior patamar em dez anos. A decisão (leia a íntegra ao final desta reportagem) confirmou a expectativa dos analistas do mercado financeiro.
A reunião foi a primeira comandada pelo novo presidente do BC, Ilan Goldfajn, que informou, no fim de junho, que buscará atingir a meta central de inflação de 4,5% em 2017 – o que pressupõe um atraso maior no processo de queda dos juros.
A inflação corrente do país ainda está elevada. Em 12 meses até junho, o índice somou 8,84%, distante do objetivo central de 4,5% para o próximo ano. Economistas das instituições financeiras estimam que o processo de redução dos juros básicos da economia começará mais para o fim deste ano.
No mês passado, Goldfajn explicou que o BC e o governo estão adotando medidas para permitir a queda na taxa de juros no Brasil, mas acrescentou que esse processo tem de ser levado adiante somente quando as condições permitirem que ela ocorra de "forma responsável", ou seja, de modo que a inflação atinja as metas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Para 2016 e 2017, o CMN definiu uma meta central de inflação de 4,5% no ano e o Banco Central tem que calibrar a taxa de juros visando cumprí-la. Mas há um limite de tolerância que permite que a meta não seja descumprida mesmo que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país, não atinja essa meta central.
Para 2016, a tolerância é de dois pontos percentuais acima do centro da meta. Portanto, se o IPCA ficar em até 6,5% ao final deste ano, a meta não terá sido descumprida. Para 2017, esse teto é de 6%.
Comunicado longo
Após a reunião do Copom, o BC divulgou um longo comunicado. Antes, esse anúncio costumava se resumir a uma frase. A instituição informou que a projeção de inflação para 2017, com juros e câmbio estáveis, indica convergência para o patamar de 4,5%, mas, no cenário de mercado, que pressupõe queda dos juros nos próximos meses, a expectativa para o IPCA ainda está por volta de 5,3% para o ano que vem.
O Comitê informou ainda que identifica os seguintes riscos domésticos para a inflação: ela segue acima do esperado no curto prazo, em boa medida decorrente de preços de alimentos, pode se mostrar persistente; as incertezas quanto à aprovação e implementação dos ajustes necessários na economia permanecem; e um período prolongado com inflação alta e com expectativas acima da meta pode reforçar mecanismos inerciais e retardar o processo de desinflação.
"Por outro lado, os ajustes na economia podem ser implementados de forma mais célere, permitindo ganhos de confiança e reduzindo as expectativas de inflação; e o nível de ociosidade na economia pode produzir desinflação mais rápida do que a refletida nas projeções do Copom", acrescentou o BC.
A alta da taxa de juros é o principal mecanismo usado pelo BC para frear a inflação. Ao subir os juros ou mantê-los elevados, o BC encarece o crédito. O objetivo é reduzir o consumo no país para conter a inflação que tem mostrado resistência.
Entretanto, os juros altos prejudicam a atividade economica e, consequentemente, inibem a geração de empregos. Quando o Banco Central julga que a inflação está compatível com as metas preestabelecidas, pode baixar os juros.
Cenário econômico
A reunião do Copom aconteceu em um ambiente de forte recessão na economia brasileira. Para este ano, a mais recente previsão do mercado financeiro é de um tombo de 3,3% no Produto Interno Bruto (PIB), após um recuo de 3,8% ano passado – o maior em 25 anos.
Embora a queda recente do dólar contribua para impedir uma escalada maior dos preços, a forte deterioração das contas públicas agem em sentido contrário. Para este ano, a previsão é de um déficit de R$ 170,5 bilhões para as contas do governo e, para 2017, a previsão é de rombo de R$ 139 bilhões. Déficits maiores implicam em mais gastos públicos - que pressionam a inflação.
Por conta disso, essa primeira reunião do Copom chefiada por Ilan Goldfajn foi precedida por ruídos dentro do governo. O presidente em exercício, Michel Temer, declarou na semana passada, em entrevista à GloboNews, que tem pedido à equipe econômica "sobre a possibilidade de reduzir os juros".
Já nesta quarta-feira, o ministro chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que o presidente em exercício via com "bons olhos" uma eventual redução da taxa de juros por parte do Banco Central. Depois de tudo isso, Michel Temer publicou, em seu página pessoal no microblog Twitter, uma declaração na qual afirma que a autoridade monetária tem "plena autonomia" para definir o percentual.
Para o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, é "lamentável" que o presidente da República tenha se juntado ao coro do setor produtivo e dos trabalhadores para pedir redução dos juros. "Deixa o BC fazer o que precisa. Eu não sei onde é que o presidente obteve seu doutorado em economia monetária, mas não foi onde eu estudei", declarou ele.
Durante sabatina no Senado Federal, Goldfajn declarou ser favorável à autonomia do BC e à fixação, no futuro, de mandatos para presidente e diretoria. Sobre mandato para presidente e diretores do banco, Goldfajn disse que é preciso ainda que o país tenha "maturidade" para que isso seja feito no futuro. Na vigência de um mandato, diretores e presidente teriam período fixo de permanência no cargo.
O governo informou que vai propor ao Congresso uma "autonomia técnica" para o Banco Central. O projeto não deve prever mandatos fixos para presidente e diretores da instituição, mas deve garantir foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF) para toda a diretoria do BC.
Novo Banco Central
Com o novo presidente e nova diretoria do BC, a reunião do Copom, colegiado que fixa os juros básicos da economia, trouxe algumas novidades neste mês.
No segundo dia da reunião, quando é definido o patamar da taxa Selic pela diretoria da instituição, o encontro passará a ter início às 14h30 - como ocorreu nesta quarta-feira. Com isso, o resultado acaba sendo difulgado mais próximo das 18h. Pelo formato anterior, a reunião começava perto das 17h e o resultado costumava sair por volta das 20h.
Além disso, a nova diretoria permitiu, em seu primeiro Copom, que a reunião fosse fotografada e filmada logo no seu início, antes das deliberações mais importantes . E o resultado, ou seja, a definição sobre a taxa de juros, passou a ser divulgado somente pela internet. Antes, a assessoria de imprensa do BC lia os comunicados sobre a taxa de juros.
Juros reais mais altos do mundo e poupança
Com a decisão desta quarta-feira, o Brasil permanece na liderança do ranking mundial de juros reais (descontada a inflação prevista para os próximos 12 meses), com uma taxa de 8% ao ano. O ranking é feito pelo MoneYou e pela Infinity Asset Management,
Em segundo lugar aparece a Rússia, com juros reais de 2,98% ao ano, seguida pela Indonésia (2,38% ao ano) e pela China (2,30% ao ano). Na média das 40 economias pesquisadas, a taxa está negativa em 1,5% ao ano.
A decisão do BC sobre a taxa de juros também influencia a rentabilidade da caderneta de poupança. Cálculos da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) apontam que, com os juros básicos atualmente em 14,25% ao ano, as aplicações em renda fixa, como os fundos de investimento, ganham mais atratividade e ganham da poupança na maioria das situações.
A poupança continua atrativa somente para fundos com taxas de administração acima de 2,5% ao ano. Isso ocorre porque o rendimento dos fundos de renda fixa sobe junto com a Selic. Já o rendimento das cadernetas, quando a taxa de juros está acima de 8,5% ao ano, como atualmente, está limitado em 6,17% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR).
No primeiro semestre deste ano, por conta do baixo rendimento e do cenário de recessão na economia brasileira, as retiradas de recursos da caderneta de poupança superaram os depósitos em R$ 42,6 bilhões. Foi a maior perda de recursos para este período desde o início da série histórica, em 1995, ou seja, em 22 anos.
Justificativa
Leia abaixo a íntegra do comunicado do Copom sobre a decisão de manter os juros em 14,25% ao ano.
Copom mantém a taxa Selic em 14,25% ao ano
O Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 14,25% a.a., sem viés.
O cenário básico com que o Comitê trabalha pode ser resumido pelas seguintes observações:
O conjunto dos indicadores divulgados desde a última reunião do Copom mostra perspectiva de estabilização da atividade econômica no curto prazo. Entretanto, as evidências sugerem que a economia segue operando com alto nível de ociosidade;
No âmbito externo, o cenário permanece desafiador. No curto prazo, o ambiente encontra-se relativamente benigno para as economias emergentes. No entanto, a dinâmica da recuperação da economia global permanece frágil, com incertezas quanto ao seu crescimento;
As expectativas de inflação apuradas pela pesquisa Focus para 2017 recuaram, mas seguem acima da meta para a inflação, de 4,5%; e
As projeções condicionais do Copom para a inflação permaneceram relativamente estáveis nos horizontes relevantes para a condução da política monetária desde sua última reunião, mas recuaram em relação às projeções divulgadas no último Relatório de Inflação. No cenário de referência, a projeção para a inflação de 2017 encontra-se em torno da meta de 4,5%. No entanto, no cenário de mercado, a projeção para 2017 está em torno de 5,3%.
O Comitê identifica os seguintes riscos domésticos para o cenário básico para a inflação:
Por um lado, (i) a inflação acima do esperado no curto prazo, em boa medida decorrente de preços de alimentos, pode se mostrar persistente; (ii) incertezas quanto à aprovação e implementação dos ajustes necessários na economia permanecem; e (iii) um período prolongado com inflação alta e com expectativas acima da meta pode reforçar mecanismos inerciais e retardar o processo de desinflação;
Por outro lado, (iv) os ajustes na economia podem ser implementados de forma mais célere, permitindo ganhos de confiança e reduzindo as expectativas de inflação; e (v) o nível de ociosidade na economia pode produzir desinflação mais rápida do que a refletida nas projeções do Copom.
Tomados em conjunto, o cenário básico e o atual balanço de riscos indicam não haver espaço para flexibilização da política monetária.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Ilan Goldfajn (Presidente), Anthero de Moraes Meirelles, Carlos Viana de Carvalho, Isaac Sidney Menezes Ferreira, Luiz Edson Feltrim, Otávio Ribeiro Damaso, Reinaldo Le Grazie, Sidnei Corrêa Marques e Tiago Couto Berriel.
Veículo: Portal G1