Ouvindo a chanceler alemã Angela Merkel falar de suas expectativas para a cúpula do G20, é difícil não lembrar que há só três semanas os líderes de EUA e Europa "brigavam" com unhas e dentes sobre a melhor maneira de fazer frente à crise financeira e econômica.
"Vamos nos reunir para tomar decisões conjuntas, não para competir uns contra os outros", diz Merkel. "Todos nós queremos a mesma coisa: recolocar a economia mundial de pé o mais rapidamente possível e impedir que uma crise como esta possa voltar a acontecer."
As tensões transatlânticas antes da cúpula diminuíram: a insistência dos EUA em que a Europa deve gastar mais para combater a crise se tornou menos estridente, e os europeus reconheceram as medidas duras anunciadas por Washington para reforçar o dispositivo de regulamentação financeira.
Mas, como Merkel deixou claro, ela não acha que a Europa cedeu, mas que venceu a discussão. "Há um processo de reflexão global em curso e um reconhecimento de que aconteceram algumas coisas que não deveriam ter acontecido", diz.
Ela tem pouca disposição para ouvir conselhos de política econômica vindos do outro lado do Atlântico, como a ideia de que a Alemanha, assim como a China, precisa elevar drasticamente sua demanda doméstica como contribuição para o reequilíbrio da economia mundial.
"A China nem precisaria aumentar sua dívida [para reforçar a demanda]", diz ela, apontando para as enormes reservas de divisas do país. "Seu potencial de crescimento é muito maior que o da Alemanha."
Evidentemente acreditando que sua posição é intelectualmente correta, Merkel não pede desculpas quando fala das origens do derretimento financeiro global. A culpa, diz, é dos esforços equivocados dos EUA, tanto do governo quanto do Fed (o BC), de relançar artificialmente a economia depois do 11 de Setembro, injetando dinheiro cada vez mais barato no sistema financeiro.
Ela vê com ceticismo os chamados por déficits públicos maiores e políticas monetárias mais frouxas como solução.
"A crise não aconteceu por estarmos gastando muito pouco, mas porque estávamos gastando demais para gerar um crescimento que não era sustentável. Os governos deixaram que eles o fizessem."
É isso que explica a insistência de Merkel de que os governos precisam começar a pensar em suas "estratégias de saída" -um retorno à disciplina fiscal, o desmonte das medidas protecionistas e o enxugamento do excesso de liquidez.
A discussão sobre os possíveis efeitos colaterais inflacionários das medidas adotadas para fazer frente à crise "é algo que estou levando muito a sério", diz ela. "Ouvi com grande interesse o presidente americano falar de sua meta de reduzir o déficit pela metade até o final de seu mandato."
Os mercados, diz ela, "esperam ver o retorno às políticas fiscais sustentáveis após o término da crise". Questionada sobre o fracasso de um leilão de títulos no Reino Unido na última semana, Merkel faz uma pausa longa e então acrescenta: "Isso mostra que os Estados não podem contrair empréstimos para sempre".
Segundo ela, mais crucial para o futuro da economia do que elevar o consumo é a necessidade de assegurar que as empresas alemãs não percam sua dianteira tecnológica e que elas, assim como o governo, continuem a gastar com pesquisas e desenvolvimento.
Angela Merkel diz: "A China também vai fazer isso. Os EUA, também. Quando a crise terminar, as cartas serão embaralhadas outra vez e nós veremos quem vai sair mais forte e quem sairá enfraquecido".
Veículo: Folha de S.Paulo