As incertezas em relação aos rumos da crise internacional e a escassez de crédito no sistema financeiro criaram um dilema entre as empresas brasileiras de capital aberto: distribuir os lucros obtidos no ano passado aos acionistas ou segurar os resultados para enfrentar uma possível piora do cenário? Várias companhias reconhecidas no mercado como boas pagadoras de dividendos optaram por seguir um caminho intermediário. Deixaram no caixa uma parte do lucro, mas sem reduzir substancialmente o pagamento de proventos.
O conselho de administração da Eternit, por exemplo, reservou pouco mais de R$ 10 milhões - o equivalente a 12,5% de seu lucro anual - para financiar a compra de máquinas e ampliar a capacidade da companhia. Segundo Mario Fleck, presidente da Rio Bravo Investimentos e integrante do conselho da fabricante de materiais de construção, a decisão foi tomada para recompor o caixa da companhia e fazer frente aos projetos de investimento deste ano sem a dependência de linhas externas de financiamento. "A empresa tem uma situação tranquila, mas neste momento seria até politicamente incorreto não ser um pouco mais conservador", explica o executivo.
A legislação determina que todas as companhias abertas reservem no mínimo 5% do resultado do exercício. Caso decidam reter uma parcela maior, o valor não pode ser considerado no cálculo do dividendo mínimo obrigatório, equivalentes a 25% do lucro. No caso da Eternit, mesmo com a retenção, 77% do lucro de 2008 foi para o bolso dos acionistas.
A destinação dos resultados e o gerenciamento do caixa por parte das empresas costumam render polêmica. Antes da crise e mesmo após o agravamento das condições de mercado, a manutenção de recursos dentro da companhia era alvo constante de críticas de investidores. Em janeiro deste ano, a Telemig Celular rejeitou, em assembleia, uma proposta de fundos de investimento que possuem participação minoritária na operadora de telefonia celular de realizar uma distribuição extraordinária de dividendos com o excesso de caixa. Em compensação, na semana passada a empresa aprovou o pagamento de 100% do lucro anual de R$ 261 milhões, já excluída a reserva legal, aos acionistas.
O executivo da Rio Bravo concorda com a avaliação de que o uso de recursos de terceiros - via empréstimos ou captações no mercado - é a melhor forma de as companhias fazerem frente a seus planos. Entretanto, diz que a política de distribuição de dividendos precisa considerar a situação financeira e as condições de mercado. "É melhor receber menos dividendos e preservar a companhia do que o contrário", diz.
A decisão de manter os recursos dentro da empresa depende ainda de como a administração projeta os impactos da crise sobre o fluxo de caixa. Em empresas como a fabricante de software Totvs, cuja receita com contratos de manutenção, mais estável, responde por quase metade do total, o pagamento de dividendos pode ser mais generoso, segundo José Rogério Luiz, vice-presidente financeiro e diretor de relações com investidores da companhia. "Faz parte da nossa política reter uma parcela pequena do lucro para facilitar contabilmente, por exemplo, uma operação de aquisição", exemplifica.
A empresa não pode, contudo, simplesmente propor a retenção de parte dos lucros sem ter um orçamento aprovado para os recursos, explica Tadeu Cendón, sócio da PricewaterhouseCoopers. No caso da Eternit, a reserva deve ser usada para financiar a ampliação da capacidade e para a compra de novos maquinários nas fábricas de Goiânia e Colombo (PR).
Cendón lembra que a maior parte das companhias brasileiras já adota como prática distribuir o mínimo de dividendos previstos em lei e reter o excesso. Além de financiar os projetos de expansão, afirma, a reserva de lucros pode ser usada para a empresa manter uma regularidade no pagamento de dividendos mesmo em períodos mais difíceis. Foi o caso da Unipar, que usou a conta de lucros acumulados para remunerar os acionistas, apesar do prejuízo de R$ 145 milhões em 2008, de acordo com informações publicadas no balanço da petroquímica.(
Veículo: Gazeta Mercantil