Maior recessão desde Collor é amortecida

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Divulgação do PIB do 1º trimestre amanhã deve confirmar recessão, mas perdas concentradas e ação fiscal atenuam crise

Queda acumulada da economia entre outubro e março deve ficar entre 4% e 5%, mas popularidade de Lula resiste à recessão

 

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

 

Salvo uma revisão radical das estatísticas oficiais ou um erro coletivo nas projeções dos analistas de mercado, está para ser decretada a recessão mais aguda no país em duas décadas -ainda que seus efeitos políticos, ao menos até o momento, não sejam tão intensos quanto os de suas antecessoras.

 

Amanhã, será divulgada a variação do Produto Interno Bruto de janeiro a março deste ano, que, mesmo para os mais otimistas, apontará dois trimestres consecutivos de encolhimento da renda nacional. Embora não seja unanimidade, é a marca mais usada em todo o mundo para determinar quando uma redução da produção, dos empregos, dos salários, do consumo e dos investimentos é grave o bastante para ser chamada de recessão.

 

Das avaliações reservadas do governo aos cálculos dos bancos e empresas de consultorias, estima-se que a queda acumulada do PIB no período, que começa com o agravamento da crise econômica global, ficará na casa dos 4% ou 5%. Em qualquer caso, é a maior taxa desde que o Plano Collor promoveu o confisco da poupança e demais depósitos bancários em 1990.

 

Iniciada em outubro, com a parada brusca do crédito e do comércio exterior, a reviravolta econômica produziu no final do ano passado um PIB 3,6% menor que o do trimestre anterior. Ainda que o número deva ser revisto, espera-se, para o primeiro trimestre deste ano, nova queda, de 1,5% ou mais.

 

A retração é muito maior, por exemplo, do que a medida em 2001, quando o colapso da Argentina, a escassez de energia e a comoção mundial pós-11 de Setembro provocaram, em três trimestres seguidos no vermelho, perda de 1% do PIB.

 

Na época, em seu penúltimo ano de mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso era considerado ótimo ou bom por 24% dos entrevistados pelo Datafolha. Agora, no penúltimo ano de seu mandato, a aprovação de Luiz Inácio Lula da Silva, que havia caído a 65%, voltou ao patamar pré-crise de 69%.

 

Há casos mais dramáticos entre as dez recessões das últimas três décadas. As de 1981 e 1982/83, tempos de calote da dívida externa, contribuíram para apressar o fim da ditadura; as de 1988 e 1989 ajudaram a enterrar os projetos nacionais de PMDB e PFL, hoje DEM, que sustentavam o governo Sarney; Fernando Collor, que não chegou a ver crescimento econômico, teve de enfrentar um processo de impeachment.

 

As comparações não podem ser limitadas aos índices econômicos. Mas especialistas veem na recessão atual particularidades que atenuam o impacto para boa parte da população. "Há setores importantes que sofreram muito menos, como o de alimentos industrializados e outros que não dependem de crédito", diz o economista Paulo Picchetti, um dos sete membros do comitê recém-criado pela Fundação Getulio Vargas para fazer a datação dos ciclos de expansão e contração da economia do país.

 

Para Luiz Fernando Lopes, do Pátria Investimentos, a crise está localizada, principalmente, nas empresas voltadas ao mercado externo, porque as exportações estão se recuperando mais lentamente que o crédito.

 

Exemplos emblemáticos são a Vale, que cortou mais de um terço dos investimentos, e a Embraer, que demitiu 4.200.

 

Já a indústria automobilística, que ensaiou demissões em massa após a secura do crédito, teve apoio do governo via redução de imposto, e segurou a produção. A construção civil, outra grande empregadora em crise, também foi socorrida.

 

Bráulio Borges, da LCA Consultores, endossa. "O setor que está puxando o emprego para baixo é a indústria exportadora. Para os demais, o único mês ruim mesmo foi o de dezembro", argumenta, com base no cadastro do emprego formal do Ministério do Trabalho.

 

Em situação fiscal privilegiada após anos de bonança, o governo pôde ampliar programas que afetam o consumo, especialmente da maioria mais pobre. Segundo a consultoria MB Associados, os reajustes concedidos ao funcionalismo público, ao salário mínimo e ao Bolsa Família impulsionarão crescimento de 1,2% no consumo geral das famílias neste ano.

 

Estudiosos dos fenômenos demográficos argumentam, ainda, que o novo perfil etário da população pode minimizar os efeitos da crise. Por esse raciocínio, a entrada de jovens no mercado de trabalho tem caído ano a ano, o que atenua o desemprego e a informalidade, como exemplifica o pesquisador José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE.

 

Analistas ainda divergem sobre recuperação

 

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

 

O diagnóstico governista segundo o qual a recessão já foi superada não é consensual entre os analistas.

 

"Os sinais ainda não estão claros. Há valorização, por exemplo de ações e commodities [produtos primários de exportação], que indica expectativa de recuperação, mas não há melhora expressiva de indicadores como emprego e investimento, que têm correlação muito maior com a reversão de um ciclo [recessivo]", avalia Paulo Picchetti, da FGV.

 

No comitê criado pela fundação, pretende-se apontar recessões por critérios mais sofisticados que a simples ocorrência de dois trimestres seguidos de queda do PIB, como faz o americano NBER (sigla em inglês para Departamento Nacional de Pesquisa Econômica).

 

Pelo mesmo princípio, a simples expansão da economia em um trimestre não seria suficiente para indicar uma recuperação. Devem ser levados em conta indicadores como o nível de emprego, de renda, a produção industrial e agrícola, as vendas do comércio.

 

"Vai depender do comportamento da indústria e da renda para termos essa configuração de saída da recessão de fato. Isso significa que talvez devamos considerar o segundo trimestre ainda como recessivo", diz Sérgio Vale, da MB Associados.

 

De origem incerta, a regra dos dois trimestres não faz parte da teoria econômica, mas historicamente tem se mostrado eficiente -as recessões assim apontadas têm sido confirmadas pelas análises mais aprofundadas. No entanto, para especialistas, os índices de queda trimestral do PIB podem mostrar uma intensidade desproporcional da crise.

 

Luiz Fernando Lopes, do Pátria Investimentos, acredita ser esse o caso da atual recessão brasileira. "Parece uma recessão terrível, mas ela não existe fora da indústria e dos setores dependentes de crédito", afirma, citando, entre outros dados, a massa salarial, que não sofreu as perdas como as observadas em recessões anteriores no Brasil, e a inflação, cuja queda foi muito inferior às ocorridas nas economias do mundo desenvolvido.

 

"Nós estamos vendo uma recuperação e deveremos ter crescimento de 2,5% no segundo trimestre deste ano [na comparação com o primeiro]", projeta, otimista, Bráulio Borges, da LCA. (GP)

 

Brasileiro vê crise amena, indica Datafolha

 

População se diz mais informada sobre a crise econômica global e não espera elevação de desemprego ou inflação

 

Faixa de renda de até dois salários mínimos é a mais preocupada; levantamento sugere que crise não deve mudar hábitos de consumo

 

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

 

Pesquisa Datafolha revela que os brasileiros se consideram hoje mais bem informados sobre a crise econômica do que há dois meses.

 

E metade dos entrevistados diz acreditar que a retração mundial terá efeito modesto sobre a economia brasileira e sobre o país em geral.

 

A percepção de que o Brasil será só um pouco prejudicado pela turbulência econômica internacional é comum a todas as regiões do país, mas não a todas as faixas de renda.

 

Pessoas com renda inferior a dois salários mínimos são mais pessimistas: 36% dizem que o Brasil será muito prejudicado pelo cenário recessivo.

 

A confiança avança paralelamente à faixa de renda. Entre os que ganham mais de dez salários mínimos, o índice recua para 29%.

 

Fernando Sampaio, sócio-diretor da consultoria LCA, diz que os trabalhadores de menor renda tinham começado a ter acesso ao crédito e a assistir à queda na taxa de desemprego do país antes da crise.

 

Com os cortes dos últimos meses, que eliminaram primeiro vagas de menor qualificação, ficaram mais sensíveis a mudanças na economia.

 


"As famílias de baixa renda estão com o nariz na linha d'água. Qualquer maré assusta", afirma Sampaio.

 

Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, argumenta, entretanto, que as pessoas veem a retração da economia de forma mais amena, sem esperar avanço do desemprego ou da inflação nos próximos meses.


"O brasileiro não está mais tão preocupado com a crise", na avaliação de Paulino.

 

As mulheres brasileiras são mais pessimistas que os homens. Segundo o Datafolha, 40% das mulheres creem que o Brasil será muito prejudicado, contra 29% dos homens.

 

Para o coordenador da pesquisa, o cotidiano das pessoas não foi tão afetado como o das empresas, o que explicaria a percepção menos pessimista sobre a crise internacional.

 

Consumo

 

Pesquisas anteriores do Datafolha mostraram que os consumidores não mudaram significativamente hábitos de compra, principalmente em relação a bens que não dependem de crédito, por medo do desemprego ou da queda no ritmo de crescimento econômico.

 

Paulino ressalta ainda que a confiança dos entrevistados no governo também contribuiu para que os brasileiros acreditassem que o Brasil superará a crise internacional.

 

De acordo com Eugenio Foganholo, diretor da Mixxer, consultoria especializada em varejo, os brasileiros continuam consumindo, mas estão mais conservadores. No início do ano, segundo ele, as vendas feitas por meio do crediário diminuíram, e as compras à vista cresceram.

 

"O comportamento no início do ano refletiu a preocupação dos trabalhadores com o desemprego, e houve queda nas vendas de bens duráveis. Recentemente, o cenário se desanuviou, e o consumo tem se mostrado normal", afirma Foganholo.

 

Sampaio observa, porém, que a percepção de que o Brasil será pouco afetado pela crise é equivocada. "Saímos de um crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] de 6% ao ano para uma retração no quarto trimestre de 2008 e, provavelmente, no primeiro trimestre deste ano", afirma Sampaio.

 

Sinais de alívio

 

O diretor da LCA ressalva que a população e os empresários começam a dar sinais de alívio ao perceberem que as previsões mais pessimistas para a economia não se confirmaram, e que o Brasil deve sair da crise antes que outros países.

 

Ele destaca que a desaceleração da inflação -como a queda dos preços dos alimentos- preveniu a corrosão do poder de compra da população, o que reforça a percepção positiva.

 

O Datafolha entrevistou 5.129 pessoas com 16 anos ou mais em 203 municípios. O levantamento foi feito entre os dias 26 e 28 de maio. A margem de erro máxima da pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

 

Veículo: Folha de S. Paulo


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