Com o país mergulhado na pior crise das últimas décadas, empresas se lançam a novos mercados
As atenções das empresas nipônicas estão voltadas para um horizonte além do arquipélago japonês. Num raio de milhas muito além do continente asiático, o Brasil volta a surgir em posição importante no mapa de investimentos das companhias japonesas exatamente no momento em que esse pequeno país insular do outro lado mundo coleciona vários dos piores índices macroeconômicos das últimas décadas.
Apesar do prejuízo global no ano fiscal de 2008 (encerrado em março) e da revisão do plano mundial de investimentos em razão da crise, a Toyota reserva para o Brasil a maior ampliação de produção que deverá realizar nos próximos anos, depois de adiar projetos nos Estados Unidos e na China. A Daiichi Sankyo, segunda maior farmacêutica do Japão, vai duplicar ou até triplicar a capacidade produtiva no Brasil. Dentro de uma estratégia para ampliar a oferta de cereais a partir de países produtores de grãos, a trading Marubeni quer um novo centro de distribuição de grãos no Brasil, principalmente soja.
As três companhias não fazem movimentos isolados. A Jetro, órgão do governo japonês para promoção de investimentos, registra um aumento de interesse das empresas nipônicas pelo Brasil. Em 2008 o escritório brasileiro passou do 15º para o sexto lugar em volume de consultas, entre os 55 países em que a Jetro atua. E este ano a expectativa é de que o Brasil mantenha a sua classificação. "Esperávamos uma redução no volume de consultas em 2009, mas isso não ocorreu. O que percebemos foi uma mudança no perfil de empresas interessadas no Brasil", diz Rei Oiwa, diretor de pesquisas da Jetro no Brasil.
Para Oiwa e para economistas, as atenções para o Brasil não acontecem à toa. Na verdade não resta aos japoneses outra alternativa senão olhar para fora e arriscar distâncias maiores. Os dados da economia japonesa não são animadores. Depois de amargar uma queda de 15% no PIB no primeiro trimestre, na comparação com o mesmo período de 2008, o Japão deve fechar 2009 com queda de 6,25% na economia, prevê o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Mesmo com o anúncio do pacote fiscal do governo em março, de cerca de 3% do PIB, o maior desde a Segunda Guerra Mundial, é claro para todos que a solução não está no mercado interno. Pelo contrário. Como resposta à crise, o consumo caiu rapidamente e os últimos dados do governo japonês apontam deflação de 0,1% no acumulado dos últimos 12 meses em março e abril. "O Banco Central japonês será capaz de lidar com a deflação mas, de qualquer forma, a resposta para as empresas japonesas está no exterior", diz Toshihiro Ihori, professor de Economia da Universidade de Tóquio.
A crise reforçou a certeza de que novos mercados externos são a única saída para que as grandes companhias do Japão recuperem parte do nível de produção do ano anterior e amenizem a dependência em relação às exportações para Estados Unidos e China, acrescenta o economista Kotaro Horisaka, da Universidade de Sophia.
Fundada há mais de 70 anos e listada entre as maiores companhias do mundo, os números da montadora Toyota, um ícone da indústria japonesa, reproduzem a queda de produção e a capacidade ociosa que prevalecem nos números das empresas japonesas.
Yuta Kaga, do departamento de comunicação corporativa da Toyota, diz que hoje a montadora tem capacidade para fabricar 10 milhões de carros anualmente. No ano passado, porém, saíram das linhas de produção do grupo todo 9,24 milhões de veículos. A previsão, explica, é a de que o volume de automóveis em 2009 seja menor ainda. A necessidade de reduzir essa disparidade entre capacidade e produção efetiva resultou em uma revisão de projetos de investimento. Nessa linha, foram adiados planos de aumento de capacidade de produção nos Estados Unidos. "Mas na Índia e no Brasil os projetos estão mantidos."
Na Índia, a Toyota planeja produzir a partir de 2010 um carro popular de nova geração. A nova fábrica será levantada ao lado de outra já existente e será capaz de montar 70 mil veículos anualmente, metade do potencial reservado ao Brasil. A fábrica em Sorocaba, interior do Estado de São Paulo, terá capacidade para 150 mil automóveis e contratará 2,5 mil pessoas. Segundo Kaga, o projeto para o Brasil é maior até mesmo que a fábrica recém-inaugurada em maio pela Toyota na China, para a fabricação do sedan Camry, com capacidade de 120 mil veículos e empregando 600 pessoas.
O Brasil, diz, é um dos poucos locais em que a Toyota manteve produção, sem grande oscilação no número de empregados. Ele conta que de janeiro a abril a produção de veículos no Brasil aumentou 107% em relação ao mesmo período do ano passado. Incluindo os importados, diz, houve crescimento de 133% nas vendas de carros Toyota no Brasil.
Kaga reconhece que a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) teve influência no desempenho da montadora no primeiro quadrimestre, provocando antecipação de compras. Por isso, a perspectiva para todo o ano de 2009 é mais conservadora. Ele acredita que o volume de veículos vendidos este ano no Brasil será o mesmo de 2008, o que é considerado um bom resultado. Mundialmente a Toyota estima para o ano fiscal de 2009 queda de vendas na casa de 1 milhão de veículos. A montadora ainda não divulga o valor do investimento no Brasil, mas mantém previsão de operação a partir de 2011.
O mercado brasileiro é considerado promissor, diz Kaga. "As famílias na Europa, América do Norte e Japão já possuem o número de carros necessários", diz. No Brasil há ainda demanda reprimida e perspectiva de elevação da renda.
Para Rei Oiwa, da Jetro, o Brasil começou a atrair setores novos da indústria japonesa. "Antes as atenções estavam para a exploração de recursos naturais, para o setor automobilístico e de eletrônicos." Agora surgem fabricantes de têxteis, perfumaria, cosméticos, remédios e de eletrodomésticos.
Por enquanto a Daiichi Sankyo, é a única farmacêutica japonesa que tem indústria instalada no Brasil. A matriz da segunda maior fabricante de remédios do Japão diz que o Brasil terá o maior investimento na América Latina. Ela deve aplicar no biênio 2009 e 2010 um total de R$ 28 milhões para duplicar ou até triplicar a fábrica de Barueri, na grande São Paulo.
A fábrica trabalha hoje em dois turnos e com 100% de sua capacidade. Os recursos devem ser aplicados também em renovação tecnológica para produção de novos medicamentos. Segundo o gerente do grupo de planejamento de negócios internacionais, Toru Kirikoshi, com o investimento, a farmacêutica centraliza no Brasil a fabricação voltada para exportação ao México, Venezuela e Argentina, mercados que representam entre 30% e 40% da fábrica brasileira.
Para Kirikoshi, o Brasil é interessante por ser um "mercado híbrido", que tem consumidores não só para os genéricos da indiana Ranbaxy, adquirida pelo grupo no ano passado, como também um mercado crescente para os remédios patenteados produzidos em Barueri. Com a maior disponibilidade de renda, as doenças no Brasil se assemelham às dos países desenvolvidos e há consumo para os medicamentos patenteados, mais caros que os genéricos.
As perspectivas para os resultados da empresa no Brasil são boas. Em 2008 a Daiichi Sankyo fechou com R$ 95 milhões em receitas de vendas no Brasil, o que representa aumento de 22% em relação a 2007. Para 2009, a previsão é de aumento de 20% em relação ao ano passado. Números que chamam atenção na comparação com o resultado financeiro consolidado da companhia, cujas vendas líquidas no ano fiscal de 2008 - de abril de 2008 a março de 2009 - caíram 4,3% em relação a 2007. A previsão para 2009 é que as vendas líquidas consolidadas aumentem em 14% em relação ao ano fiscal de 2008.
Numa área considerada mais tradicional, a Marubeni aposta em várias frentes no Brasil. A empresa é representante no Japão para aviões da Embraer e tem acordo de intenções com a Petrobras para compra de participação em refinaria no Maranhão, além de interesses diversos, que incluem TV Digital e o projeto do trem-bala. A trading também assinou em maio com a brasileira Amaggi um outro acordo de intenções para formar uma parceria e ampliar a infraestrutura logística disponível de transporte e armazenamento de grãos no Brasil, em sua maior parte de soja não-transgênica para ser vendida na Ásia, principalmente China. O Brasil está no mapa de investimentos da trading, que quer aumentar a capacidade de oferta nos países produtores de grãos e fazer com que os cereais que embarcam nos portos brasileiros ganhem maior competitividade e lucratividade.
O gerente-geral do departamento de grãos da Marubeni, Satoshi Wakabayashi, lembra que a trading possui 24,5% no terminal marítimo Terlogs, em São Francisco do Sul (SC). A empresa estuda a possibilidade de ampliar a participação na Terlogs, mas a trading usa portos em outros locais e, por isso, quer maior infraestrutura logística em outro local. "Para a China temos capacidade de exportação de cerca de 4 milhões de toneladas. Do Brasil, temos capacidade de 1 milhão de toneladas. Junto com a Argentina, são 2 milhões. Por isso, para ganhar competitividade, há necessidade de ter um outro depósito central para escoar melhor a produção."
Wakabayashi diz que o nível de investimento ainda não está definido e nem o local. De acordo com o gerente, a Marubeni e a Amaggi deverão discutir os detalhes do projeto a partir de julho.
Veículo: Valor Econômico