Do estresse à calmaria

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A inflação baixa mudou a realidade dos brasileiros, que não estocam mais alimentos e conseguem poupar

 

A empresária Regina Barros Bueno se lembra bem de quando as compras eram feitas em atacadistas e os armários ficavam repletos de produtos estocados. O dragão da inflação que atormentou os brasileiros na década de 1980 — com índices que chegaram a 1.863% em 1989 — não deixou saudade na empresária de 43 anos. Hoje, com os preços estáveis, ela desfruta do comodismo de fazer compras semanais e de não estocar alimentos.
“Era receber o salário e correr para comprar, antes que os preços aumentassem de novo. Isso sem falar nas filas que enfrentávamos quando faltava algum produto”, recorda. E completa: “Hoje, nem que eu quisesse faria compra do mês. Os armários são menores atualmente”.

 

Quando Regina começou a namorar Luiz Roberto Ribeiro Bueno, há 25 anos, a realidade econômica do Brasil era bem diferente. A moeda corrente era o cruzeiro e estava em vigor o III Plano Nacional de Desenvolvimento do presidente João Figueiredo. Naquele ano, o acumulado da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)(1), foi de 209,10%. “A única alternativa era gastar menos e colocar a sobra na poupança para diminuir a mordida da inflação”, conta o funcionário público de 48 anos.

 

A percepção de Luiz Roberto é confirmada pelo consultor financeiro Cláudio Carvajal. A caderneta de poupança era uma das alternativas mais comuns de investimento na década de 1980. “Ao aplicar na poupança, esperava-se que o rendimento compensasse a desvalorização provocada pela inflação.” Por outro lado, guardar dinheiro era uma tarefa difícil e trabalhosa. “O consumo tinha caráter de urgência, não havia uma visão consistente e segura a médio e longo prazos”, complementa Victor Zaremba, também consultor financeiro.

 

Além da poupança, a compra e venda de carros e de ações de telefônicas eram opções consideradas. “Quem podia, comprava imóvel em vez de entregar o dinheiro a um banco. Afinal, pensavam, ‘a inflação não vai comer a parede do meu apartamento, mas vai engolir um pedaço da minha poupança’”, ironiza Zaremba.

 

Era Collor

 

Cinco anos se passaram até a troca de alianças. Ainda solteiro, Luiz Roberto comprou um apartamento, o primeiro do jovem casal. Com a chegada do primeiro filho, Hugo — hoje com 19 anos —, foi preciso procurar um lugar maior. Para isso, venderam o apartamento, um carro, duas linhas de telefone e completaram com o dinheiro guardado na poupança para comprar outro imóvel. “Fizemos a negociação uns 10 dias antes de o Collor confiscar as poupanças. Corremos um risco e tanto”, conta Regina, aliviada.

 

Em 15 de março de 1990, o presidente Fernando Collor de Mello tomou posse e anunciou o confisco de parte dos saldos das poupanças. A ideia de substituir uma “moeda podre por outra, de sangue limpo”, foi por água abaixo bem rápido. Naquele ano, o INPC fechou em 1.585,18%.

 

A incerteza do futuro fez a família Bueno fugir dos altos juros de financiamentos. As finanças sempre foram coordenadas por Luiz Roberto. “Alguns carros eram financiados em dólar, os juros eram exorbitantes. Preferíamos esperar, juntar o dinheiro e só depois comprar. Demorou e deu trabalho, mas valeu a pena.”

 

Estabilidade

 

O segundo filho do casal nasceu quando o Plano Real estava sendo gestado. Rodrigo, de 16 anos, acha estranho pensar que os pais conviveram com altas inflações. “Estou acostumado a ter acesso fácil ao dinheiro, a pequenas mudanças de preços”, comenta. Ele não sabe, mas, em 1993, a inflação foi de 2.489,11%, a maior registrada desde que o INPC foi criado, em 1979.

 

Rodrigo e Hugo são de uma geração acostumada com a estabilidade econômica e têm nova cultura de relação com o dinheiro. “Os jovens que estão entrando no mercado de trabalho têm outra percepção da vida financeira. Ao contrário do que ocorreu com seus pais, poderão fazer uma previsão dos investimentos futuros”, avalia o consultor Zaremba.

 

A oferta de produtos e as possibilidades de consumo são bem mais amplas nos anos 2000. A ampliação do crédito e a redução dos juros permitiu que Regina e Luiz mudassem a forma de investir. “Não valia a pena pegar empréstimo. Agora, com o crédito consignado, por exemplo, vale”, afirma Luiz Roberto.

 

Desde que mudou para Brasília, há nove anos, a família Bueno comprou um apartamento, uma casa, dois carros e montou uma agência de turismo. E a baixa inflação ajudou nessa conquista. O INPC no período só registrou dois dígitos em 2002 (14,74%) e 2003 (10,38%). “Brasília é um bom lugar para investir em imóveis. Tudo valoriza muito”, conclui Luiz. Os filhos acompanham de perto e participam dos planos da família. “Hugo e Rodrigo não são consumistas. Sabem dar valor ao dinheiro.”

 

1- INPC
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor é calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e foi criado em 1979 para orientar os reajustes de salários dos trabalhadores. Apurado entre os dias 1º e 30 de cada mês, ele é resultado do cruzamento dos preços coletados em 11 regiões de maior produção econômica do país — Brasília, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Goiânia e Porto Alegre — com a pesquisa de orçamento familiar, que abrange gastos de famílias com renda de um a seis salários mínimos.

 

O número
2.489,11% foi a variação do custo de vida medido pelo INPC , em 1993, a maior da série

 

Veículo: Correio Braziliense


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