Indústria pode perder com atuação no varejo

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O economista Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) lançou ontem, em seminário realizado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a tese de que a pressão do câmbio valorizado está levando grandes empresas nacionais a uma estratégia de "apostar em uma economia de mercado interno", passando a investir em setores não comercializáveis (comércio e serviços), em uma nova forma de desindustrialização.

 

Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, disse que no processo de transformação vivido pela indústria brasileira nos últimos anos houve vários casos de empresas que partiram para processos de internacionalização positiva, como a Vale, a Gerdau e a Açominas, mas houve também casos de internacionalização por razões negativas. Seria o caso, por exemplo, da fabricantes de carrocerias para ônibus Marcopolo, que teria montado fábricas no exterior para superar a perda de competitividade gerada pelo "custo Brasil".

 

Sobre a tendência ao crescimento pela via da desindustrialização, Almeida disse que é um fenômeno novo que ainda precisa ser bem estudado. Mas ele citou pelo menos quatro casos que, no seu entendimento, são exemplares dessa vertente: o primeiro seria o do grupo Ultra, que abriu mão de projetos no setor petroquímico e está em expansão no segmento de distribuição de combustíveis depois de ter comprado a rede de postos Ipiranga no Centro-Sul do país.

 

A compra da rede de lojas de cama, mesa e banho M Martan pela Coteminas, da família do vice-presidente José Alencar, seria outro exemplo desse processo de expansão vertical de empresas historicamente industriais. Almeida incluiu também os casos dos grupos Hering e Riachuelo que estariam crescentemente priorizando seus braços comerciais, embora sejam originalmente empresas industriais. Na raiz desses processos estaria a busca de maior rentabilidade no mercado doméstico, fugindo da exposição cambial dos bens comercializáveis.

 

David Kupfer, diretor de Pós-Graduação do Instituto de Economia da UFRJ, um dos debatedores do seminário "Reposicionamentos Estratégicos, Políticas e Inovação em Tempos de Crise", que termina hoje, discordou da inclusão da Coteminas entre os exemplos de Almeida. Depois, disse que há várias vertentes positivas nesses processos de verticalização, como ações de grupos comerciais rumo a uma participação industrial, até mesmo com as marcas próprias de algumas redes de supermercados.

 

Para Kupfer, a maior parte dos movimentos atuais não pode ser comparada com a migração que as construtoras, carentes de obras, fizeram para outros setores no passado. Mas ele considerou "preocupantes" os casos como o do grupo Ultra, que tinha um projeto próprio para a área petroquímica (a refinaria que resultará no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj) e acabou optando pelo crescimento na área comercial.

 

Fabio Erber, também da UFRJ e ex-diretor do BNDES, não rebateu a hipótese de Almeida e ainda conjecturou que essa tendência pode estar associada a uma economia na qual o capital financeiro é mais bem remunerado do que o industrial. "Faz todo sentido (em tal economia) aumentar o portfólio, não apenas com aplicações financeiras, mas também com aplicações que levam a grande formação de caixa, como é o caso do comércio."

 

Já o sociólogo Glauco Arbix, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), discordou inteiramente da tese de Almeida. Ele disse que a multinacional finlandesa Nokia, por exemplo, entrou profundamente no setor de serviços sem deixar de ser uma empresa industrial. "Essas transformações dizem respeito às atuais características da economia, que não se enquadram nas nossas caixinhas, e são positivas."

 

Arbix foi também voz discordante quanto à tese da internacionalização defensiva de algumas empresas e citou, especificamente, a Marcopolo. Segundo ele, a empresa ganhou o mercado internacional, tornando-se a maior produtora de ônibus do mundo, investindo em design, ou seja, inovando. Graças a essa estratégia a empresa teria ganho, por exemplo, o mercado dos países do Oriente Médio ao fazer ônibus abertos para levar peregrinos a Meca.

 

O debate, coordenado pelo economista angloneozelandêz Robert Wade, mostrou clara divisão de correntes de pensamento, com a maioria - inclusive o coordenador- mais afinada com a ideia de políticas ativas (macroeconômica e industrial) por parte do Estado para corrigir as imperfeições do mercado. Arbix mostrou mais afinidade com o pensamento liberal, sendo a única voz em defesa aberta das políticas do Banco Central. Mas em uma coisa não houve divergência: a indústria brasileira precisa ser crescentemente inovadora para sobreviver e está andando muito devagar nessa direção.
 


Veículo: Valor Econômico


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