Conjuntura: Com o real valorizado, produtos importados ficam mais competitivos que os nacionais
O reaquecimento da economia brasileira e a valorização do real frente ao dólar fizeram com que as importações, sobretudo de bens duráveis e não-duráveis, voltassem a crescer. Cálculos da Tendências Consultoria Integrada, baseados no índice de preços de importados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) e na variação do dólar, indicam que os itens importados baixaram mais de preço do que os itens nacionais. Além de alguma redução no próprio preço em dólar, os produtos foram beneficiados pela apreciação do real, o que os tornou mais competitivos frente aos produtos nacionais. No acumulado do ano, os preços de bens duráveis importados tiveram queda de 4,5% em dólar, que representa uma retração de 22,9% quando convertida em reais.
Com preços mais atrativos, os produtos importados voltaram a ganhar espaço. Em julho, pelo terceiro mês consecutivo, o volume importado cresceu, impulsionado também pelo crescimento mais forte da indústria, que teve expansão de 2,2% sobre junho, na série livre de influências sazonais. A alta média das importações foi de 13,1%, desdobrada em crescimento de 10,3% na compra de bens de capital, 12,9% de bens intermediários, de 5,1% em bens duráveis, e de 25,5% em bens não duráveis.
Ao longo dos primeiros sete meses, os preços em dólar também subiram em alguns momentos, mas no acumulado do período, acumulam queda. O índice de preço de bens duráveis importados em dólar registrou altas de 4,4% e 1,7% em março e abril e voltou a cair, 2,5% em junho e 1% em julho, sempre em comparação com o mês anterior. O grupo de bens não duráveis também apresentou recuperação em maio e junho, com altas de 1,2% e 5,5% em dólar, respectivamente. Na conversão para real, porém, os indicadores mantêm trajetória de queda.
"Os preços internacionais começaram a subir em março ou abril, mas depois voltaram a recuar. Com a apreciação do real, eles se mantiveram em queda, formando um cenário que favorece as importações", diz Marcela Prado, responsável pelo cálculo do índice de preços da Tendências.
O mesmo ocorreu com os preços das commodities que, convertidas em real, mantêm trajetória de queda desde novembro do ano passado. Essa queda foi repassada aos preços de insumos negociados na economia doméstica e refletida nas leituras do Índice de Preços por Atacado (IPA) dos Índices Gerais de Preços (IGPs), calculados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O IPA-M, por exemplo, registra quedas consecutivas desde março, acumulando até agosto deflação de 4,55%.
No varejo, que acumula no ano inflação de 3,28%, o repasse da queda dos produtos importados e da própria apreciação do real parece ter sido menos intensa. As vendas ao consumidor se mantiveram relativamente aquecidas, favorecidas pelo incremento da massa real de rendimentos. A demanda firme, diz Marcela Prada, permitiu que parte das empresas mantivesse os preços ou até fizesse reajustes ao longo do ano. A desaceleração lenta no varejo foi registrada no Índice de Preços ao Consumidor (IPC/FGV), no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC/IBGE) e no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que acumulam até julho altas de 3,12%, 2,99% e 2,81%, respectivamente.
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, observa que o efeito do câmbio nos preços internos pode ser melhor notado em grupos do varejo que possuem parcela de importados, produtos com componentes importados ou que têm os preços balizados pelo mercado internacional (os chamados 'tradables'). "Eletrodomésticos e eletroeletrônicos não sofreram só efeito do IPI reduzido, também houve impacto do câmbio. Vestuário ainda sofreu um efeito sazonal de liquidações de inverno, mas certamente o câmbio é um dos elementos favoráveis à menor inflação nesse semestre."
Entre os itens do IPCA que apresentaram desaceleração nos preços, acompanhando o câmbio, estão farinha de trigo (com deflação no ano de 7,36%, ante alta de 23,26% no mesmo intervalo do ano passado), óleo de soja (queda de 5,11% ante alta de 25,48%), refrigerador (queda de 7,41% ante retração de 1,74%), máquina de lavar roupa (queda de 6,41% ante alta de deflação de 0,38%).
"A apreciação do real mais recente, ainda que não seja expressiva, acaba favorecendo a importação", observa Francis Kinder, analista da Rosenberg & Associados. Ele considera, porém que os efeitos da depreciação do dólar sobre os preços praticados no mercado interno estão menos intensos do que no passado. "As indústrias trabalharam com estoques maiores e, da mesma forma que não repassaram a alta dos componentes importados no fim do ano passado, tendem a manter os preços agora porque a demanda está firme."
Marcela Prada considera que o reaquecimento da economia brasileira foi o principal fator responsável pela desaceleração lenta da inflação no mercado interno e pelo incremento das importações a partir de junho, sobretudo no caso de bens duráveis e não duráveis. "O preço inferior ao da produção nacional é um fator que estimula as compras, mas eles estão menores há meses e só recentemente as importações voltaram a crescer. A recuperação da economia é o fator que determinou a volta das importações", avalia.
De acordo com os indicadores de importação da Funcex, o volume de compras registrou recuperação nos últimos meses em comparação com os três meses anteriores. O grupo de bens duráveis cresceu por três meses consecutivos, com variações de 1,7% em maio, 21% em junho e 5,1% em julho. As compras externas de bens não duráveis cresceram 3,4% em maio, tiveram queda de 11,5% em junho e voltaram a subir 25,5% em julho.
Registraram recuperação no volume de importados nos últimos três meses os setores produtos têxteis (25,3%), máquinas para escritório e de informática (29,7%), material eletrônico e de comunicações (13,5%), móveis e indústrias diversas (21,6%). Os preços desses itens registraram no período variações entre queda de 6% (têxteis) a alta de 6,8% (eletrônicos). As valorizações, porém, foram mais do que compensadas pela queda de 19,3% do dólar comercial em relação ao real registrada no período.
Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o efeito do câmbio como estimulador das importações fica mas evidente a partir de agosto. "O cenário começa a mudar por causa do câmbio e há tendência de aceleração das importações sobretudo de bens intermediários e bens de consumo porque o câmbio está tornando o item importado mais competitivo", afirma.
A AEB estima que a média diária de importações deva permanecer acima de US$ 500 milhões no segundo semestre, ante média diária de US$ 467,2 milhões verificada entre janeiro e a terceira semana de agosto. Castro observa que a média diária acelerou a partir de abril. "O mercado interno foi muito pouco afetado pela crise e apresenta um sopro de crescimento. Diferentes projeções indicam que o dólar deve ficar no patamar de hoje. Naturalmente haverá um aumento das importações", diz Castro. A AEB projeta para o ano US$ 124,8 bilhões em importações (queda de 28%) e US$ 146,2 bilhões em exportações (queda de 26,1%), com saldo de US$ 21,365 bilhões.
Veículo: Valor Econômico