O governo discute como lidar com a alta volatilidade da taxa de câmbio, tão prejudicial aos exportadores e aos investidores quanto a própria valorização excessiva. Propostas como maior abertura da conta de capital - com a permissão para que os bancos brasileiros possam investir no exterior e maior flexibilidade para as operações no mercado de derivativos - têm sido objeto de discussão no Banco Central, mas ainda não há consenso na área econômica do governo para avançar nessa linha.
O fato é que o real tem sido uma das moedas mais voláteis do planeta. Disputa a primazia ora com o dólar australiano, ora com o rand, da África do Sul. Economistas oficiais de todos os matizes se preocupam em compreender as razões desse fenômeno, discutem alternativas para combater os picos e vales da cotação da moeda, mas não há uma decisão madura sobre o que fazer. Foi o real a moeda que mais se desvalorizou após a bancarrota da Lehman Brothers, em 2008, e, este ano, a que mais se valorizou. No final do jogo, está praticamente empatada, mas os altos e baixos impuseram prejuízos à economia.
A favor da tese do Banco Central, de aprofundar a abertura da conta de capital, está uma constatação recente: nos últimos três meses a volatilidade tem sido atenuada pelo movimento diário de contratação de câmbio. Fruto do fim da exigência de cobertura cambial, as contratações de câmbio pelos exportadores têm praticamente dobrado em relação à média nos dias em o real se deprecia. Já nos dias de apreciação, são poucas as operações, numa dinâmica que atenua os movimentos bruscos. Embora a possibilidade de deixar dólares fora do país seja uma decisão do BC do ano passado, só agora bancos e empresas começaram a exercer essa prerrogativa.
É avaliação corrente no governo que a tendência do real continuará sendo de apreciação no médio e longo prazos. "O real vai se valorizar. A tendência é esta. Em todos os países que foram mudando sua renda per capita e o padrão de consumo, a moeda se valorizou", disse o secretário de Política Econômica do ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Diante dessa certeza, "a decisão do governo brasileiro é de que é melhor atravessar esse período de volatilidade com alto nível de reservas internacionais. Mesmo que a cotação da moeda flutue muito, no momento da depreciação, com reservas, não se cria problema fiscal nem de instabilidade financeira na economia", explicou. Para ele, "isso pode não ser o melhor, mas é o possível".
Concretamente, esse arranjo significa que, nos ciclos de apreciação da moeda, a inflação cai, o Banco Central pode ousar na redução da taxa de juros e o governo colhe os benefícios fiscais dessa redução podendo comprar mais dólares no mercado. Nos períodos de depreciação, o BC pode ter que subir a taxa de juros para conter a inflação, mas por ter comprado dólar, terá um ganho patrimonial decorrente da valorização das reservas cambiais. Assim, a política de manutenção das reservas elevadas acaba funcionando, para o governo, "como um 'hedge' contra a volatilidade", explicou o secretário.
São múltiplas as razões para a alta volatilidade do real, embora esteja claro que depois da crise de 2008 todos os ativos em todo o mundo têm se pautado por um comportamento bastante instável. De 2006 para cá é alta a correlação entre o preço do real e os preços das commodities e isso é uma das razões que aproximam o Brasil da Austrália e da África do Sul, entre outros exportadores. Se as commodities aumentam, as moedas desses países se valorizam.
No passado, no Brasil, os movimentos bruscos de cotação da moeda local decorriam da fragilidade dos fundamentos da economia, com alta vulnerabilidade externa e poucas reservas cambiais, associada à existência de riscos políticos. Esse foi o caso de 2002, quando a cotação do dólar bateu em quase R$ 4,0.
Outra possível explicação está nas operações de "carry trade", que buscam ganhos no diferencial de juros externos e internos. Há quem acredite que, enquanto houver algum incentivo aos ganhos de arbitragem, isso continuará ocorrendo. No ano passado a prova da especulação foram as inúmeras operações de empresas com derivativos cambiais, às quais o BC atribui a forte desvalorização de 2008. Depois da queda dos juros básicos, os ganhos de arbitragem podem até existir, mas já não são tão relevantes quanto no passado recente.
Soma-se a isso o fato de o Brasil ter a moeda mais líquida dos países emergentes. Como lembra Paulo Gala, economista da Fundação Getulio Vargas/SP, o Brasil tem, entre os emergentes, o maior, o mais sofisticado e o mais líquido mercado financeiro. "Só perdemos para o Canadá em volume de ADRs na bolsa americana. Em 2007, 10% dos IPOs [emissões primárias de ações] do mundo foram feitos na Bovespa", citou. Diante do volume de capitais dos países ricos, porém, é um mercado pequeno e "qualquer movimento no portfólio dos ricos causa abalos aqui".
Gala assinalou, ainda, que a desregulamentação do mercado de câmbio é um fator adicional para a volatilidade e que voltar com normas mais restritivas seria uma forma de atenuá-la. Uma visão contrária, portanto, à do BC, que ainda considera bastante regulada a conta de capitais do balanço de pagamentos.
Do setor privado chegam, ao governo, proposições extremadas para lidar com a volatilidade e com a valorização excessivas. Os economistas heterodoxos demandam controle da taxa de câmbio, através, por exemplo, da taxação do ingresso de capitais. Os mais ortodoxos acham que não há o que fazer, o câmbio é flutuante.
"Os heterodoxos querem um caminho chinês, de controle cambial. Isso no Brasil é mais difícil até porque nossa moeda é muito volátil, exposta aos preços das commodities, que também são voláteis, diferente de um país que exporta manufaturados. Os ortodoxos recomendam 'deixar rolar'. Deixar rolar como? Não viram o que aconteceu?", indaga o secretário da Fazenda, que tem participado de discussões com economistas de ambos os lados.
A crise de 2008 mostrou que às vezes a inflação está sob controle, o crescimento está indo bem, mas pode-se estar construindo desequilíbrios no mercado financeiro que vão causar problemas para a economia real mais adiante.
Isso induz a refletir sobre o grande tema do pós-crise: o de que a política monetária tem que olhar também para os preços dos ativos. Para Barbosa, com base nos debates que têm ocorrido nos fóruns internacionais, "o consenso é que o principal instrumento para evitar a construção de grandes desequilíbrios financeiros é a regulação prudencial". O BC lembra, contudo, que no Brasil as regras prudenciais já são suficientemente duras. A autoridade monetária, atualmente, cobra de uma posição de câmbio 100% de capital que exceder 5% do patrimônio de um banco. Nas operações de crédito, para se ter uma dimensão, o BC cobra somente 11% de capital. Nesse campo, portanto, não há muito mais a fazer.
O grande desafio do país será encontrar um meio termo, aponta Barbosa. Mantendo o regime de flutuação, a atuação do governo deve ser pautar pelo seguinte critério: "Quando há o risco de depreciação, o governo o combate vendendo dólar e subindo juros. Quanto aprecia, faz o contrário, compra dólar e baixa os juros". Quanto ao fato de esta ser uma receita que conflita com o regime de metas para a inflação, ele completa: "A precedência para fixar a taxa de juros é da inflação", e devolve a pergunta: "Elas podem ser conflitantes em algum momento? Podem. Esse momento é agora? Acho que não."
Não é só a apreciação excessiva que é ruim. A depreciação excessiva também é danosa para a economia. Nesse ponto, Barbosa coloca uma questão adicional: "Uma ou outra são boas ou ruins, dependendo do ponto de partida". Ou seja, se a moeda está se apreciando vinda de uma forte depreciação, os efeitos desse movimento são mais benéficos do que maléficos.
"Se o câmbio está num nível muito baixo, a população pode comprar produtos importados baratos, mas não tem emprego. Se está num nível muito alto, a indústria nacional fica bastante competitiva, mas não terá acesso a bens de capital nem a tecnologias do mundo, que são muito caras, e o salário real aqui será muito baixo", resume.
Hoje, o ponto de partida é um câmbio muito apreciado e novas valorizações podem prejudicar o crescimento da economia no médio prazo, avalia o secretário.
Antes dos regimes de metas para a inflação e de câmbio flutuante, instituídos em 1999, a volatilidade da inflação e do PIB era mais intensa. Dados do BC mostram que de 1996 a 1999 (segundo trimestre), o coeficiente de variação, que mede a volatilidade, era de 89% para a inflação e de 391% para o produto. Com o câmbio flutuante, combinado com as metas de inflação, a volatilidade do índice de preços caiu e, entre o período de 2003 a 2008, é de 39% para a inflação e de 74% para o produto. Não está claro, contudo, se foi o regime de metas, a flutuação cambial ou a associação de ambos que tornaram o PIB mais estável.
Câmbio é um preço decisivo para o futuro da economia brasileira. É permanente o temor de que os miniciclos de depreciação e apreciação cambial acompanhados de um movimento de mais longo prazo, de valorização do real, levem o Brasil à desindustrialização.
Há o exemplo chinês, mas há, também, o caso da Alemanha, país com uma das taxas de câmbio mais valorizadas do mundo e o maior exportador mundial de manufaturas, cita o secretário. "Vamos ser China ou Alemanha?". A essa pergunta, Barbosa responde: "Só tenho uma certeza: seremos bem-sucedidos se acharmos uma solução brasileira, que pode ter inspiração em exemplos de outros países, mas não uma simples transposição de modelo".
Por todas essas razões, "há o debate e ele não quer dizer que vamos abandonar o câmbio flutuante", completa Barbosa. E conclui: "A arte da política não é escolher entre os extremos, mas administrar os 'trade-offs'".
Veículo: Valor Econômico