Os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre foram fortemente influenciados pelo consumo das famílias e do governo e continuaram a mostrar um desempenho bastante ruim do investimento, recolocando a preocupação de um avanço da demanda em ritmo muito superior ao da oferta no futuro. O consumo das famílias e do governo avançou 3,6% no acumulado dos 12 meses encerrados em junho em comparação com os 12 meses anteriores, enquanto a indústria caiu 3%, e o investimento, que responde pela oferta futura de bens, encolheu 2,2%.
Os números indicam um descompasso entre a oferta e a demanda na economia, sinalizando um risco de retomada da inflação por conta desse desequilíbrio. Economistas ouvidos pelo Valor não preveem risco de pressões inflacionárias por conta desse gargalo este ano e em 2010, mas acreditam que se o investimento não deslanchar neste segundo semestre, o Banco Central pode subir o juro em 2011 para evitar inflação de demanda.
Os dados do PIB trimestral, divulgados pelo IBGE na sexta-feira, confirmam a tendência de aumento do consumo e retração da oferta em um cenário de retomada econômica. Na série livre de influências sazonais, o produto real subiu 1,9% ante o primeiro trimestre, ancorado na alta de 2,1% no consumo das famílias, enquanto o investimento ficou estável. A indústria avançou 2,1%. Em relação ao mesmo período de 2008, porém, a indústria caiu 7,9% e o investimento, 17%, enquanto o consumo das famílias avançou 3,2%.
Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, não vê risco de pressões inflacionárias no país este ano e em 2010 por conta de uma defasagem entre oferta e demanda. "A demanda puxada pelo consumo está se recuperando fortemente, alimentada pelo crédito e pela massa salarial, que vem se expandindo num ritmo de 4%, mas a capacidade ociosa da indústria ainda é elevada. Em agosto, o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) era de 81,3%, ainda abaixo da média histórica de 83%. Não há inflação de demanda no horizonte, como reconhece o BC." Ele lembra que na média do período janeiro/agosto de 2008, o Nuci da indústria atingiu 86%.
O importante, do seu ponto de vista, é monitorar o investimento, ou formação bruta de capital fixo (FBCF) medida pelo PIB. "O ideal é que a retomada do investimento aconteça já neste segundo semestre, depois de ter desabado no quarto trimestre de 2008, no primeiro e no segundo de 2009. Seria importante que voltasse com força. No terceiro trimestre deve haver um avanço do investimento na margem, já descontada a sazonalidade, próximo de 10%. Mas ainda com taxa negativa de 7% na comparação com o mesmo trimestre de 2008." Borges estima que a taxa de investimento no PIB só deverá ficar positiva no último trimestre, na faixa de 5%, superior aos 3,8% do fim de 2008.
Sérgio Vale, da MB Associados , é mais pessimista em relação à recuperação do investimento no curto prazo. "A capacidade instalada tem espaço para ser ocupada sem gerar pressão sobre os preços. Acho que o investimento se recupera, mas deve melhorar mesmo só no último trimestre. No terceiro ainda continua negativo." Ele projeta queda de 10% para o investimento este ano. No seu entender, não há chance de ocorrer um descompasso entre demanda e oferta até 2010, por causa da capacidade ociosa da indústria. Mas concorda com Borges que o perigo está em 2011. "O pepino vai sobrar para o próximo presidente."
Vale prevê que o "hiato do produto" - a diferença entre a variação real do PIB e a capacidade de crescimento do país -, vai começar a cair no fim do ano. O PIB potencial, que era de 5,1% em 2008, encolheu por conta da retração do investimento para 4,3% no período de 12 meses terminados em junho de 2009. Mas, pelos cálculos da LCA, deve fechar 2009 na faixa de 3,9%.
Borges e Vale apostam, porém, que em 2010 o PIB potencial se recupera. O economista da MB Associados até prevê que ele se situe em torno de 4%, mesma taxa que projeta para o PIB de 2010, o que o deixa preocupado. "Isto pode trazer alguma preocupação inflacionária no fim do ano que vem para 2011."
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nélson Barbosa Filho, disse em Porto Alegre que a taxa de investimentos deve voltar a crescer no terceiro trimestre em relação ao segundo. "Os indicadores que nós temos já indicam essa recuperação", afirmou. De abril a junho o indicador ficou estável na comparação com os três meses anteriores e interrompeu uma sequência de dois trimestres de queda. Segundo ele, no terceiro trimestre os investimentos estão sendo puxados pela construção civil e pelo setor de bens de capital.
Em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, porém, a recuperação da taxa de investimentos só deve começar no quarto trimestre ou, "com certeza", no início do ano que vem. (Colaboraram Rafael Rosas, do Valor Online, do Rio, e Sérgio Bueno, de Porto Alegre)
Veículo: Valor Econômico