Vigilância “condenou” 76,6% das 64 amostras de comidas destinadas a bebês de 0 a 3 anos
Pesquisa feita pelo Centro Estadual de Vigilância Sanitária (CVS) de São Paulo reprovou a maior parte das embalagens dos alimentos vendidos para crianças de 0 a 3 anos. Das 64 amostras de papinhas, leite fluido, leite em pó, iogurte, sopa e mingau, colhidas em supermercados de todo Estado, 76,6% foram consideradas insatisfatórias por terem rótulos que incentivam o consumo desnecessário, não informam as contra-indicações e ainda prejudicam o aleitamento materno.
O monitoramento começou em 2005 e o “dossiê dos rótulos” é divulgado a cada dois anos (o próximo será publicado no final de 2009). As irregularidades encontradas ferem a Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Crianças, criada em 2002 e transformada em legislação federal em 2006. Os produtos voltados aos recém-nascidos, por exemplo, exibiam mensagens como “leite humanizado”e “maternizado” o que, para a diretora do CVS Maria Cristina Megid, “têm o claro intuito de sugerir forte semelhança do alimento com o leite materno, o que é proibido”.
A crítica dos especialistas está no fato de que o leite realmente “fabricado” pelas mães é o mais completo para evitar meningite, otites, doenças respiratórias e de pele, desnutrição e tantos outros problemas, podendo ser comida exclusiva no cardápio infantil até o sexto mês de vida do bebê. O contraste à lista de benefícios é que, justamente a capital paulista ostenta o quarto pior índice de aleitamento materno do País, conforme mostraram os Indicadores Básicos de Saúde, divulgados pelo Ministério da Saúde.
Enquanto 64% das crianças paulistanas já recebem outro tipo de alimento (papinhas, leite em pó, mingaus) antes de completar 30 dias de vida, a média brasileira é praticamente inversa: 53,1% só mamam no peito até o primeiro mês
“A vida moderna para as mulheres se estabeleceu como uma das inimigas da amamentação”, diz o diretor da divisão sanitária de alimentos de SP, William Latorre. “Se atrelado à falta de tempo, a indústria de alimentos infantis ainda convence que os produtos são tão bons quanto o aleitamento materno, isso repercute diretamente nas estatísticas de crianças que mamam no peito”, diz Latorre que coordenou as análises dos rótulos e informou que todas as irregularidades encontradas só nos anos 2005 e 2006 viraram 326 processos administrativos contra as empresas fabricantes. A Associação Brasileira de Indústria de Alimentos (Abia) informou que desde 2006, “reuniu diversas vezes seu Setor de Alimentos para Crianças de Primeira Infância, a fim estudar a aplicação da Lei e orientar o seu cumprimento”.
Não são apenas os rótulos irregulares dos produtos infantis os culpados pelo desmame precoce, avalia o diretor do departamento de aleitamento materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, Luciano Santiago. “O marketing brasileiro é muito criativo. São imagens de bebês lindos usados na propaganda que insinuam os produtos como tão eficazes quanto o leite da mãe”, diz. “Sem contar que a frase campeã dita pelas mulheres que deixam de amamentar é ‘meu leite é fraco’, quando a literatura já provou que só 1% delas não produzem leite.”
Para Maria Lúcia Futuro, uma das fundadoras da ONG Amigas do Peito (que incentiva a amamentação) existe mais um fator que afasta as crianças da amamentação. “As mães não sabem o conceito da amamentação, do laço de intimidade que cria com o filho. Nas grandes cidades, a mulher fica envolta por um sentimento individualista”, diz ela que amamentou por mais de seis meses todos os cinco filhos.
Veículo: Jornal da Tarde