A encruzilhada do Carrefour

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Rede cogitou vender a operação brasileira, mas agora o País deve ajudá-la a resolver seus grandes problemas

 

Poucos executivos encontram-se, hoje, sob tamanha pressão quanto o sueco Lars Olofsson, presidente mundial do Carrefour há um ano. Entre suas atribuições estão reverter anos de resultados financeiros decepcionantes, acalmar investidores ansiosos por retornos e ainda lidar com o escrutínio da opinião pública, que passou a acompanhar, lance a lance, suas agruras. No fim do ano passado, os jornais noticiaram a intenção dos acionistas de vender as operações do varejista no Brasil e na China - o que traria ganhos financeiros imediatos, mas colocaria em xeque as chances de crescimento da empresa.

 

No caso do Brasil, o concorrente Walmart chegou a fazer uma proposta pela operação local, depois da realização de due diligence (o levantamento de dados financeiros). O negócio não teria avançado, porém, por causa de um desacordo quanto ao preço. No início deste ano, a companhia americana voltou à carga. Segundo o Estado apurou, o Walmart tentou uma reaproximação, mas o Carrefour não deu prosseguimento às conversas. Pelo menos por enquanto, a intenção é esperar pelos resultados da reestruturação da companhia.

 

O "plano de transformação" do Carrefour, apresentado há sete meses, trouxe resultados tímidos até agora, como mostraram os números divulgados na última sexta-feira. Seu lucro líquido despencou 74% em 2009, por causa, em boa parte, de gastos não recorrentes com o projeto de reestruturação e a desvalorização de ativos. Ao mesmo tempo, as vendas globais caíram 1%. Na França, que representa mais de 40% da receita, a queda foi de 1%. Nos demais grandes mercados da Europa, a retração foi de 3%. Crescimento mesmo só se viu nos mercados emergentes da América Latina e da Ásia, com destaque para o Brasil. O País representa quase 10% da receita global e apresentou expansão de 14%.

 

A bandeira Atacadão foi a principal responsável por esse resultado. O sucesso do modelo chamou tanto a atenção da empresa que Olofsson estuda implementá-lo nos hipermercados da França, as lojas mais tradicionais - e problemáticas - da rede.

 

A favor do Carrefour estão uma economia de quase 600 milhões em custos, o primeiro ganho de participação de mercado na França dos últimos quatro anos e o lançamento de uma nova marca própria para enfrentar a guerra com os supermercados de descontos na Europa. A companhia investiu 640 milhões em iniciativas para associar sua imagem aos preços baixos e conseguiu aumentar as vendas em uma série de lojas na Europa com a mudança de formato dos supermercados. "Mesmo assim, é difícil saber se o plano já está funcionando. A execução é boa, mas ainda não há evidências de uma reviravolta em termos de vendas e lucro", diz Niamh McSherry, analista da britânica Bernstein Research.

 

Imediatamente, o principal desafio a ser enfrentado pela empresa é a operação da Bélgica. O Carrefour marcou uma reunião para amanhã com empregados e sindicalistas, quando pretende apresentar um novo plano de atuação no país. Segundo Olofsson, a intenção é se manter no país, mas com uma mudança profunda. "Caso a empresa decida deixar o país ou mesmo reestruturar a operação, haverá custos extras, que devem impactar novamente seus resultados", diz o analista Philippe Suchet, do banco francês BNP Paribas.

 

Analistas e executivos próximos à empresa acreditam que o Carrefour ainda pode tentar novas alternativas de ganhos de curto prazo. Entre as possibilidades, estão a venda de operações menores na Ásia e na Europa e a venda do negócio de cartões de crédito e seguros.

 

São exatamente os enormes desafios à frente que motivaram a busca de soluções de curto prazo pelos principais investidores. A possibilidade de venda das operações do Brasil e da China foi só uma das alternativas estudadas pela holding Blue Capital, formada pelo fundo americano Colony Capital e pelo Groupe Arnault, que controla o conglomerado de luxo LVMH.

 

Quando entraram no Carrefour, em 2007, esses acionistas planejavam fazer o IPO da unidade que reúne parte dos imóveis da rede. Mas, com a crise financeira global, o projeto ficou inviável. A segunda ideia teria sido a venda das lojas de desconto do Carrefour, um rumor que nunca se concretizou. Com o fracasso desses projetos e a performance descendente do Carrefour na bolsa, estima-se que as perdas do Blue Capital cheguem a 1 bilhão (há três anos, a ação do Carrefour valia cerca de 50, e hoje está ao redor de 35.

 


NÚMEROS OPOSTOS
23,6% foi quanto caíram as ações do Carrefour nas bolsas europeias desde o início de 2007
16,8% foi a valorização das ações do Walmart na Bolsa de Nova York nesse mesmo período

 

''O Brasil tem uma importância central para o futuro do Carrefour''

 

Em sua primeira entrevista a um veículo brasileiro, Lars Olofsson, presidente mundial do Carrefour, deixa transparecer quão tensa é a situação em que se encontra. Na sede da companhia, em Paris, o executivo explicou qual teria sido, em versão oficial, a origem da notícia sobre a negociação da operação brasileira, descreveu sua relação com os investidores e insistiu na importância do Brasil para a estratégia da companhia.

 

Quem é:
Lars Olofsson
É formado em negócios pela Universidade de Lund (Suécia)
Começou sua carreira na Nestlé como gerente de produto para a marca de congelados Findus
Durante mais de 30 anos, o executivo passou por diversos postos dentro da Nestlé até chegar a vice-presidente executivo responsável por marketing e vendas no mundo todo

 


Qual a importância da operação brasileira para o Carrefour?

O Brasil já é 10% do nosso faturamento. No futuro, o País vai se tornar mais relevante por três motivos: há um público consumidor enorme, a economia está se desenvolvendo e o varejo se modernizando. Em cinco anos, o País deverá representar 20% das nossas vendas. Será uma mudança profunda para a rede. É certo que, no curto prazo, nossa maior oportunidade está na França e nos demais países do G-4 (grupo que ainda inclui Bélgica, Itália e Espanha). Esses mercados representam a maior parte da nossa receita. Hoje, a grande meta é aumentar as vendas nesses países. Mas, no médio e longo prazos, as maiores oportunidades estão no Brasil e na China. Por isso, o Brasil tem uma importância central para o futuro do Carrefour.

 

Geralmente, o sr. diz que sua prioridade está no G-4, onde se localizam seus maiores problemas.

Problemas, não. Oportunidades.

 

E quanto aos países em desenvolvimento? No ano passado, o sr. disse que investiria nos Brics. Meses depois, a rede deixou a Rússia.

Eu disse que queria estar nos grandes países emergentes. Isso quer dizer mercados com desenvolvimento econômico e onde o cenário competitivo é pouco organizado. Por isso, usei o conceito Bric. Meu antecessor decidiu ir para a Rússia - o que foi uma boa decisão. Mas o país já tem um mercado organizado com cinco grandes competidores. Nós começamos com uma loja e tínhamos planos para uma segunda e uma terceira. Era uma estratégia suicida. Isso não significa que não estou interessado no país, mas teremos de entrar por meio de uma aquisição quando houver essa possibilidade. Na Índia, abriremos nossa primeira loja até junho. Há outros competidores no país, mas nós não estamos atrasados como estávamos na Rússia. Como ninguém tem a liderança ainda, temos a ambição de nos tornarmos, um dia, um competidor importante.

 

E quanto ao Brasil? O Carrefour pode deixar o País?

Deixar o Brasil? Estou tentando mostrar como o País é importante para nós e você me pergunta se vou deixá-lo?

 

Houve uma negociação entre Carrefour e Walmart no ano passado...

Que negociação?

 

O Walmart fez uma proposta pela operação no Brasil...

Eu não quero comentar. A performance do Carrefour não tem sido muito boa nos últimos anos. Honestamente, comparando com o Walmart ou com outros grandes varejistas, ela foi pior. Quando assumi, naturalmente pensei: quais são as oportunidades, os problemas? Comecei um estudo com o time aqui e também tive uma discussão com o conselho para chegar a uma conclusão. Mas, evidentemente, olhei diferentes cenários. Podemos nos concentrar na Europa? Mas nunca houve uma decisão para fazer algo diferente da estratégia que eu já te apresentei. Queremos, basicamente, ser um varejista global com esforços concentrados no G-4 e nos grandes mercados emergentes. Isso foi decidido e validado. O que posso dizer é que, provavelmente, se houve um rumor, é porque, sim, dentro de casa, eu olhei para o que poderiam ser cenários diferentes. E eu acho que essa é a minha responsabilidade como presidente: apresentar ao conselho as diferentes alternativas, fazer uma recomendação e tomar a decisão.

 

Então a possibilidade de deixar o Brasil e a China foi estudada?

Como parte do processo. É como se você perguntasse: e se?

 

E essa alternativa foi discutida entre os executivos e o conselho?

Sim, como em um processo normal. Vou dar um exemplo. É como se eu quisesse ir para a Suíça amanhã. Que caminho eu sigo? Posso ir para a direita, para a esquerda. Esse caminho é mais longo, esse é impossível ... Até que você chega a uma conclusão. Se eu não fizer essas perguntas, não faço o meu trabalho. A única infelicidade é que isso se tornou um rumor e perturbou a companhia internamente. Meus colaboradores se perguntavam: o que está acontecendo? É por isso que tive de me pronunciar, o que normalmente não se faz. Quando se comenta um rumor, o próximo vem em seguida. Mas essa história estava indo longe demais.

 

Se foi apenas um rumor, por que tomou tamanha proporção?

Acho que é porque a performance do Carrefour não tem sido boa nos últimos anos e há muita especulação sobre o que a empresa vai fazer para melhorar. Algumas pessoas provavelmente imaginaram que poderíamos tomar medidas muito drásticas. O que posso dizer é que nós tomamos uma decisão clara: concentrar nossos esforços no G-4 e nos grandes mercados emergentes. E eu não consigo ser mais firme ao dizer que o conselho está unido nisso.

 

Mas, quando o Blue Capital investiu no Carrefour, havia a expectativa de lucrar com a venda da unidade de imóveis. Quando isso não deu certo, houve rumores quanto à venda das lojas de desconto...

Eu também ouvi essa.

 

E a terceira possibilidade seria a venda das operações no Brasil e na China.

É por isso que tive de fazer uma declaração para colocar alguma ordem. Não vou fazer comentários quanto a um investidor em específico. Só posso dizer que o pessoal do Blue Capital, minha referência entre os investidores, é muito próximo do negócio. Tenho contatos regulares com eles para discutir ideias e mantê-los informados. Eu aprecio muito essa relação. São investidores muito experientes, com várias ideias para a indústria do varejo. Tenho sorte de ter investidores que têm tanto interesse no negócio.

 

Com que frequência são essas conversas?

Depende das decisões que tenho de tomar e dos projetos que estamos tocando, mas não menos que uma vez por mês e não mais que duas vezes por mês. Esses contatos são sempre minha iniciativa.

 

Se deixar os países emergentes não é uma possibilidade, há outra alternativa para trazer o retorno que os investidores esperam?

Na minha visão, os bons resultados virão ao melhorarmos o desempenho no G-4 e com a continuidade do crescimento no Brasil e na China. Simples assim. Estou aqui para melhorar a performance dessa companhia por meio do plano de transformação. Temos o G-4, o Brasil e a China. Evidentemente, o resto é secundário.

 

O Carrefour tem planos de vender operações menores na Europa e na Ásia?

Não há planos. Não sou um administrador de portfólio. Estou aqui para melhorar a performance do varejo. Se as prioridades secundárias podem ser feitas de outra forma, estou aberto para discutir isso.

 

Como o sr. tem lidado com a pressão do Blue Capital por resultados?

O Blue Capital não deve ser visto como um investidor especial. Todos os investidores procuram por empresas com bons resultados. Eles podem se chamar azul, verde ou vermelho.

 

Mas esses investidores tiveram suas expectativas frustradas e têm pressionando a empresa por melhores resultados. O sr. já conseguiu acalmá-los?

Acho que é bom ter investidores ativos. Os investidores estarão satisfeitos quando o Carrefour se tornar uma companhia de boa performance. Ao nos tornarmos o varejista preferido dos consumidores, vamos gerar crescimento. Ao cortar custos, vamos aumentar a lucratividade. E tenho certeza que vamos nos tornar o varejista preferido para qualquer investidor.

 

Em janeiro, houve uma mudança na estrutura de gestão do Carrefour com a criação de um conselho de executivos. Por que o Brasil não está representado nesse grupo?

O Brasil ainda está no comitê executivo. O Jean Marc (Jean Marc Pueyo, presidente da operação no Brasil) leva dez horas cada vez que vem para cá. Ele passaria quatro horas na reunião aqui e depois levaria mais dez horas para voltar. Com sorte, dormiria um pouco e voltaria a trabalhar no Brasil. Eu quero que o Jean Marc continue a se concentrar no Brasil. O trabalho dele não tem a ver com a minha prioridade de curto prazo no G-4. Ele se reporta diretamente a mim, nos falamos por telefone e estamos alinhados.

 

O sr. frequentemente diz que o modelo de hipermercados, o mais tradicional do Carrefour, tem de passar por uma revolução. O que o sr. pretende fazer?

Há duas realidades distintas: a da Europa e a do resto do mundo. No resto do mundo, os hipermercados vão bem. Mas, no G-4, as vendas em hipermercados têm diminuído. Nesses países, o que podemos fazer para que as lojas voltem a ser relevantes como há dez anos? Queremos reinventar o modelo. O Atacadão, por exemplo, pode ser uma das alternativas de mudança para os hipermercados na França. É uma hipótese. Hoje, por exemplo, somos o maior vendedor de TVs na França. Mas estamos perdendo participação de mercado. O que precisamos fazer para crescer diante de cadeias especializadas como a Fnac? Como vamos nos transformar no varejista preferido novamente para a compra de TVs, móveis e têxteis? Provavelmente, teremos de fazer coisas diferentes para cada categoria de produto. Estamos fazendo testes. Temos analisado o modelo do Atacadão, entre outros.

 

Quer dizer que algumas lojas na Europa podem virar Atacadão?

É uma das coisas que vamos avaliar. Quantas lojas? Eu não sei. Vai ser exatamente como o Atacadão? Não acho que vai ser 100% como o Atacadão. Primeiro, vamos levar o modelo para a Colômbia. Também estamos analisando como levá-lo para a Argentina e vamos continuar a expansão pelo Brasil. Aí veremos como adaptar as boas ideias do Atacadão para um país como a França.

 

Até 2008, o sr. estava na corrida para ser o próximo presidente mundial da Nestlé. Por que deixou a empresa para assumir o Carrefour?

Passei 32 anos na Nestlé. Sempre fui feliz e continuaria a ser. Mas a Nestlé é uma empresa que está indo bem. Já o Carrefour perdeu a sua velocidade e acredito que há um grande potencial para melhorar consideravelmente seus resultados. Como executivo, esse é um desafio forte demais para resistir.

 

Mas no Carrefour o sr. tem o desafio de melhorar o desempenho na Europa e ainda enfrentar a pressão dos investidores...

Você fala de desafios e eu falo de oportunidades. Para mim, estar nessa posição é muito estimulante. Ainda mais com uma marca como o Carrefour e uma indústria ainda mais interessante que a de alimentos. Hoje, a maior marca em alimentos para nós é o Carrefour, não é a Nestlé. Tenho desde aspiradores de pó até comida para bebê. Aqui, você pode fazer mais para agradar ao cliente.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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