Brasil Foods torna-se "prisioneira" de seu próprio gigantismo

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Numa entrevista em março ao Valor, o presidente da BRF - Brasil Foods, José Antonio do Prado Fay, não escondeu um certo desapontamento com o fato de o Cade - Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ainda não ter se posicionado sobre a união entre Perdigão e Sadia. "Fizemos o negócio, mas ainda não há integração total. Compramos o brinquedo, mas ainda não podemos brincar porque o Cade nos limita muito", comparou à época Fay, que acabara de ser escolhido o "Executivo de Valor" do setor de alimentos.

 

Um ano depois de anunciada a união - precipitada por perdas bilionárias na Sadia após investimentos em derivativos cambiais -, a BRF vive a expectativa do parecer do órgão de defesa da concorrência ao mesmo tempo em que inicia uma complexa integração de equipes que até pouco tempo atuavam em lados opostos e, em alguns casos, viam-se como rivais.

 

Na BRF, a crença dos mais otimistas é que o Cade vá se pronunciar ainda neste semestre. Seja qual for o momento, algo é esperado: o órgão deve impor restrições ao negócio. E dependendo do tamanho delas, a BRF não vai assistir passivamente, apurou o Valor com fontes próximas à empresa. Em período de silêncio, desde quarta-feira passada, por causa da divulgação do resultado do primeiro trimestre, a companhia não se pronunciou.

 

Num primeiro momento, o Cade permitiu que Perdigão e Sadia unissem suas operações financeiras. Depois, autorizou a integração das atividades de exportação de carnes in natura. No começo deste ano, fez nova concessão e permitiu que as duas unissem as operações de compra de insumos e de carne bovina e que fizessem a comercialização conjunta de carnes in natura no mercado interno.

 

Passado o tempo das concessões, a Brasil Foods sabe que restrições virão. Com 60 unidades industriais no país e com participação bastante relevante em várias segmentos de mercado de alimentos, é improvável que o Cade deixe tudo como está na BRF. No mercado, fala-se na possibilidade de a empresa ter de vender marcas de produtos ou até alguma unidade.

 

A BRF buscará manter o controle de unidades que receberam grandes investimentos, caso o Cade defina que alguma delas terá de ser vendida, segundo uma fonte próxima à empresa. Poderá sugerir, por exemplo, a venda de outro ativo em substituição.

 

No caso dos produtos em que tem participação relevante, como margarina, o Cade poderá determinar a venda de alguma marca. Nesse segmento, Perdigão e Sadia tinham juntas 61% do mercado em volume no ano passado, segundo a AC Nielsen. A ideia é não abrir mão de marcas mais conhecidas, apurou o Valor. A Sadia é líder de mercado com a Qualy, além das marcas Bom Sabor e Deline, e a Perdigão atua com as marcas Becel, Doriana, Delicata e Claybom. As três últimas foram adquiridas da Unilever. Já em Becel, a Perdigão formou uma joint venture - na qual é responsável pela produção e comercialização - com a Unilever, que licencia os produtos (margarinas e lácteos).

 

O mesmo raciocínio de não abrir mão das marcas mais conhecidas vale para industrializados de carne (como presunto e salame) e massas (lasanha, por exemplo), em que atuam com as marcas Sadia, Perdigão, Batavo e Resende. Em pizzas congeladas, na qual Sadia e Perdigão tinham 67% do mercado em 2009, a BRF vem argumentando que esse mercado é bastante pulverizado, já que existem pizzarias por todo o país.

 

Ainda que haja restrições por parte do Cade, o mercado tem perspectivas positivas em relação à BRF, acredita Renato Prado, analista da Fator Corretora. "Acho provável que [a companhia] terá de vender algo, mas não é isso que vai tirar valor da companhia. A restrição já está precificada", diz.

 

O otimismo está relacionado à expectativa de grandes sinergias entre as duas empresas. A Fator estima que alcançarão R$ 2 bilhões no total. A própria BRF, numa estimativa conservadora, já divulgou a cifra de R$ 500 milhões por ano.

 

De acordo com Prado, haverá ganhos porque juntas, Perdigão e Sadia terão, por exemplo, melhora na margem bruta com compras mais favoráveis, gastos menores com vendas e redução nas despesas administrativas.

 

A possibilidade de restrição já foi precificada, mas a demora do Cade para decidir sobre o negócio tem, sim, afetado os preços das ações da empresa na bolsa, avalia Prado. "Não está em patamar superior por causa da demora", afirma.

 

As decisões do Cade serão cruciais para o futuro da BRF, mas não são o único desafio para a empresa que tem planos ambiciosos de crescimento. Dentro desses planos não estão descartadas novas aquisições, inclusive no exterior, diz outra fonte próxima da companhia. A BRF já atua fora do país com a Plusfoods. Carne bovina não está no foco da empresa, afirma a mesma fonte, por isso não há expectativa de que a BRF faça grandes aquisições nesse segmento. Por outro lado, fontes do setor de carnes dizem que a BRF já conversou com a francesa Doux-Frangosul, com a qual a Sadia vinha negociando antes do episódio dos derivativos. A Doux tem negado reiteradamente que esteja à venda.

 

Outro desafio para a BRF será a integração, já iniciada nas áreas que houve permissão para operar em conjunto. Depois do parecer do Cade sobre a união, a expectativa é que o processo ainda dure entre 18 e 24 meses devido à complexidade de uma tarefa como essa numa estrutura com cerca de 105 mil funcionários. A organização do projeto de integração e a identificação das sinergias entre Perdigão e Sadia teve a participação da consultoria McKinsey.

 

Já estão definidas dez vice-presidências para as diferentes áreas da empresa e 40 diretorias, mas essa estrutura pode sofrer modificações no decorrer do tempo. O número de diretores é grande porque em, alguns casos, havia executivos acumulando funções na Sadia. Na BRF, algumas dessas áreas foram separadas.

 

Não há expectativa de mudanças no chamado chão de fábrica; mas nos níveis de gerência, onde haverá sobreposição de funções, devem ocorrer demissões.

 

Veículo: Valor Econômico


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