Um desafio salgado

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Investir na agricultura e inovar com um sistema de abastecimento de batatas 100% just in time ajudou a PepsiCo do Brasil a galgar a terceira posição entre 200 subsidiárias. Agora precisa aumentar a ainda incipiente produção de óleo de girassol para atender à meta de alimentos mais saudáveis. Vai conseguir?


 
Menos sal, menos açúcar e pouca gordura saturada. O que mais se assemelha a uma recomendação médica é a nova receita da americana PepsiCo para se converter em uma empresa de alimentos saudáveis – e apagar a imagem de fabricante de petiscos fritos e bebidas doces que estão na mira dos órgãos de saúde pública, especialmente nos Estados Unidos. Para tanto, a companhia planeja reduzir em 25% a quantidade usada de sal até 2015, e em 15% das gorduras saturadas e 25% do açúcar em suas principais marcas até 2020. A meta anunciada em março passado pela CEO Indra Nooyi, 54 anos, uma vegetariana confessa, prevê triplicar em cinco anos o faturamento dos produtos mais saudáveis.

 

Trata-se de um plano ambicioso para uma companhia que, no ano passado, obteve das vendas de salgadinhos e refrigerantes 80% do faturamento de US$ 63 bilhões. Sua estratégia está lastreada em dois pilares. Um deles é a diversificação, graças às aquisições de anos recentes, como a Quaker, fabricante de alimentos à base de aveia, o isotônico Gatorade e os pescados Coqueiro. Com elas, a empresa anexou ao seu portfólio peixes com alto teor de ômega 3, uma gordura com poder anti-inflamatório e potencial para combater a osteoporose; e aveia, um cereal naturalmente funcional que contribui para o equilíbrio dos níveis de colesterol. No Brasil, a aquisição mais recente foi da Amacoco, produtora de água de coco, bebida com alto poder hidratante, rica em sais minerais e poucas calorias.

 

O outro pilar baseia-se em inovação. Em sua gestão à frente da multinacional, Indra aprovou um aumento de 47% nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, que somaram US$ 414 milhões no ano passado. Um dos projetos de maior destaque consistiu na introdução de um sal que reduz a ingestão de sódio pelo organismo em até 25%. Os cristais de sal se dissolvem mais rapidamente na boca, conferindo sabor salgado sem a necessidade de o consumidor ingeri-lo em excesso, como ocorre hoje. A pesquisa, desenvolvida por institutos científicos na Europa e nos Estados Unidos, se justifica em razão do bombardeio de órgãos públicos de saúde nos Estados Unidos e na Europa contra o consumo excessivo de sal, que pode levar à hipertensão e, consequentemente, ao surgimento de doenças cardíacas. O novo ingrediente já vem sendo adicionado em algumas marcas da Frito-Lay, sua fabricante de salgadinhos nos Estados Unidos, mas deve levar dois anos para ser lançado em outras operações, inclusive no Brasil.

 

OBSTÁCULOS

 

Por aqui, o plano de atender à meta de redução da gordura saturada é uma aposta na substituição do óleo de palma pelo sucedâneo de girassol. As sementes da flor amarela eternizada nas pinturas do holandês Van Gogh permitem a produção de um óleo com menos gordura saturada do que o de palma. A gordura saturada, se consumida em excesso, prejudica o nível de colesterol no organismo. A substituição da palma pelo girassol coloca a PepsiCo diante de um desafio salgado. A companhia selecionou uma espécie de alto valor oleico e estável mesmo quando sua temperatura é elevada durante o processo industrial. O problema é que se trata de uma cultura ainda incipiente no Brasil: há somente 25 mil hectares plantados com o tipo escolhido – basta comparar, por exemplo, com os 23,2 milhões de hectares dedicados à soja, a oleaginosa mais consumida pelas donas de casa.

 

A dificuldade não se limita à falta de escala. Há também a questão de preço, uma vez que o óleo de girassol custa 60% mais do que o de palma. Repassar a diferença para o produto final seria impensável. “O consumidor diz que prefere um produto mais saudável, mas não compra se ele for mais caro. Isso acontece mesmo quando a diferença é pequena”, diz Otto von Sothen, presidente da divisão de alimentos da PepsiCo Brasil. Por isso somente 20% do óleo utilizado nas frituras nas sete fábricas de salgadinhos da empresa no país ser extraído de girassol. Para os executivos da PepsiCo, a única maneira de reverter esse cenário – e atender às metas da companhia – é estimular um aumento no número de empresas que produzem sementes desta variedade, assim como no de agricultores que plantam girassol. O que fazer?

 

NO CAMPO

 

A filial brasileira da PepsiCo só consegue responder a essa questão porque, 13 anos atrás, criou um programa para aperfeiçoar a produção de batatas no Brasil. No final dos anos 90, a companhia enfrentava irregularidade no abastecimento, além de um problema de má qualidade em até um terço das batatas compradas. Foi quando decidiu investir na agricultura, para garantir o crescimento dos negócios. Como grande consumidora de produtos agrícolas, não poderia continuar flutuando ao ritmo das entressafras e das oscilações de preço. Além disso, com o estabelecimento do Real, em 1994, a promessa de estabilidade da moeda sinalizava aumento do poder de compra dos consumidores, o que efetivamente ocorreu. Hoje, mais da metade da população é de classe média. E mesmo as classes D e E passaram a consumir com frequência itens antes inatingíveis. No ano passado, compraram 21% mais que em 2008, tanto em volume quanto em valor. O programa agrícola, implantado em 1997, transformou a empresa de mera compradora de batatas em uma parceira de produtores rurais. O primeiro passo foi a criação de um departamento composto por 15 agrônomos e técnicos que percorrem as plantações para acompanhar a produção, o desenvolvimento de novas espécies e o desempenho dos agricultores, além de orientá-los sobre novidades em mecanização e medidas ambientais.

 

De lá para cá foram investidos R$ 40 milhões em estudos, treinamento de produtores e compra de sementes. Neste ano serão gastos cerca de R$ 1,8 milhão em novos projetos, como uma pesquisa feita com a Embrapa. Há cerca de dois anos, os pesquisadores buscam formas de produzir micronutrientes (vitaminas e sais minerais) para a indústria alimentícia com base em frutas, hortaliças e legumes do Norte e do Nordeste do Brasil. “Se conseguirmos obter esses micronutrientes naturais com custo baixo, vamos exportá-los para outras partes do mundo”, afirma Olivier Weber, presidente da divisão de alimentos da PepsiCo para a América do Sul.

 

ÍNDICE ELMA CHIPS

 

Por meio do programa agrícola, a empresa investe no desenvolvimento das sementes junto a empresas especializadas e as fornece aos agricultores. É isso que garante a especificidade dos produtos. A batata, por exemplo, não tem o formato oval como as utilizadas pelas donas de casa. É uma espécie arredondada, com pouca água, adequada para abastecer as máquinas industriais que descascam e fatiam. Convencer os produtores a dedicar parte de suas terras a culturas tão específicas com um só comprador, a PepsiCo, exige condições contratuais especiais, como a garantia de compra de 100% da produção. Esses contratos são renegociados a cada ano, e a remuneração é estabelecida de acordo com um indicador de preços batizado de Índice Elma Chips, a marca de salgadinhos mais conhecida da PepsiCo no Brasil. Elaborado com base nos custos de produção, o índice não sofre o sobe e desce do mercado de produtos agrícolas. Há meses em que o produtor pode ganhar menos do que o mercado oferece. Mas, de acordo com o agrônomo paulista Klaas Schoenmaker, isso não torna o contrato um mau negócio. “É uma forma de reduzir o risco da oscilação de preços. Caso o mercado remunere muito melhor, podemos renegociar”, afirma Schoenmaker, diretor da Terra Viva, uma das 45 empresas fornecedoras de batatas. A cada ano a PepsiCo consome 300 mil toneladas de cereais e batatas produzidas em 74 mil hectares de terras. Para ter uma ideia, isso equivale aos volumes mensais comercializados pela Ceagesp, em São Paulo, maior entreposto agrícola da América Latina.

 

Com o programa, o Brasil tornou-se o único mercado onde a corporação opera com um sistema 100% just in time no recebimento de matérias-primas. Muito difundida no setor automotivo, a prática desobriga tanto a indústria quanto o agricultor de investir em custosos armazéns refrigerados. A cada dia, mais de 500 toneladas de batatas desembarcam nas cinco fábricas de três estados para serem processadas. Com base em um estudo estatístico, é possível planejar a época e as áreas de produção alinhadas com as fábricas. Também é programada a rotação de culturas, já que depois de colher a batata o agricultor deve esperar dois anos para plantar a espécie naquela mesma área. Outro benefício foi eliminar a rejeição de matéria-prima. Para tanto, o produtor passou a avaliar a safra em um pequeno laboratório instalado em sua propriedade. O programa da operação brasileira tornou-se referência internacional. E a subsidiária saltou da oitava para a terceira posição no grupo. Resta ver se reproduzirá o sucesso com a cultura do óleo de girassol.

 


Veículo: Época Negócios


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