Um ponto sensível na relação entre indústria e varejo, a prática de estampar o preço ao consumidor na embalagem do produto, ganha novos formatos. A expressão "preço sugerido", que precede o valor carimbado pela indústria em vários tipos de produtos, de iogurte a xampu, está sendo substituído por "preço especial" e "a partir de". A aparente singeleza na troca tem o objetivo de reduzir conflitos com varejistas, dando-lhes mais flexibilidade para alterar preços e, ao mesmo tempo, tentar mostrar ao consumidor o valor pretendido pelo fabricante.
Em um mês começa a chegar nos supermercados a nova fralda Pampers Supersec, da Procter & Gamble. Na campanha promocional, a ser veiculada na TV em rede nacional, a embalagem de dez unidades virá com o carimbo "a partir de R$ 5,99". O valor pode variar de acordo com a região do país. Em hipermercados Extra e Carrefour, visitados pela reportagem do Valor, xampus e condicionadores para cabelo da marca Seda, da Unilever, e Gold, da Niely, são vendidos em "ilhas" no meio dos corredores com a informação "preço especial" impressa em letras garrafais nas embalagens, com o símbolo do cifrão em destaque.
Nesses casos, não surge a expressão "preço sugerido", frequentemente grafada nas mercadorias. A substituição pretende chamar a a atenção do consumidor e reduzir conflitos com varejistas. "A gente sabe que varejo não gosta muito disso [da sugestão do valor no produto]. Com o 'a partir de', deixamos claro um piso de preço possível, e não um único valor como referência", diz Fernando Bueno, gerente de produto de Pampers.
Ferramenta em pleno uso pela indústria brasileira desde meados dos anos 2000, a sugestão do preço pelo fornecedor tem sido ponto nevrálgico nas relações entre supermercadistas e fabricantes. O Valor levantou uma série de dez produtos que , nos últimos doze meses, passaram a estampar na embalagem o "preço sugerido". Há refrigerante de menos de R$ 1 a odorizador de ambiente por quase R$ 25. E os efeitos da expansão dessa prática já chegaram aos escritórios de advocacia.
"Cresceu a procura de clientes que precisam de um trabalho de consultoria sobre a questão do preço sugerido", diz o advogado José Del Chiaro, ex-secretário de Direito Econômico. Ele atende clientes nas áreas de cerveja e de produtos de higiene pessoal. "[Essas empresas] buscam entender como se proteger nos casos em que o varejo pratica preços abaixo ou acima do valor sugerido. E se cabe alguma ação a respeito do efeito disso para a marca", diz Del Chiaro.
Quando a embalagem traz a sugestão de preço, e mesmo um piso mínimo (como o "a partir de R$"), normalmente há uma tentativa de reposicionar o produto. "A indústria faz isso porque quer proteger a sua mercadoria de fortes variações no preço. Ela pode querer se focar numa nova classe [social], por exemplo, e preço é parte crucial desse plano", diz Eugênio Foganholo, sócio da Mixxer Consultoria.
A Danone é um exemplo, na sua tentativa de popularizar o consumo do iogurte Activia. A bandeja com seis iogurtes é vendida a R$ 4,74 ("ou só R$ 0,79 por unidade", diz a embalagem) porque é "parte importante da estratégia da Danone oferecer preços mais acessíveis ao produto e isso garante mais ganhos aos varejistas", diz a companhia, em nota. A Ambev faz o mesmo com o Guaraná (de 237 ml), com preço sugerido de R$ 0,99.
A questão começa a se complicar quando o preço na etiqueta do varejista fica abaixo do valor sugerido. O Guaraná é vendido pelo Extra em São Paulo a R$ 0,95. "A rede pode até tirar isso da sua margem. De qualquer maneira, é essa guerra de preços que as marcas tentam evitar com a tática do preço mínimo ou sugerido", diz Alexandre Horta, sócio da GS&MD.
Veículo: Valor Econômico