Trabalhador sem qualificação agora é artigo de luxo

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Governo estuda facilitar contratação temporária de aposentado e estudante; falta de mão de obra atinge até funções básicas

 

O Brasil vive hoje um paradoxo ao registrar uma taxa de desemprego ainda alta — 12,4% emjulho, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) — ao mesmo tempo em que se intensificam as preocupações em torno de escassez de mão de obra, do menor ao maior grau de qualificação, em sintonia com as boas perspectivas de crescimento nos próximos anos. O chamado apagão de mão de obra, termo que pode soar excessivo ainda, mostra de toda forma que já se constata grande descompasso entre oferta e as reais demandas de empresas de diferentes áreas.

 

Para dar fôlego ao setor privado, em especial varejista, o governo avalia estabelecer novas regras e incentivos para a contratação de trabalhadores por tempo determinado, como um mecanismo de contratação rápida e temporária de aposentados e estudantes.

 

A ação está sendo gestada sob sigilo, segundo disse integrante do governo ao BRASIL ECONÔMICO. O problema foi levado ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, durante reunião, entre outros, com Maria Luiza Trajano, presidente do Magazine Luiza e membro do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV). Foi-lhe entregue sugestão de Medida Provisória (MP). Nenhuma das partes quer se pronunciar sobre o assunto.

 

Para se ter uma ideia, somente na cidade de São Paulo, o Centro de Apoio ao Trabalhador (CAT) registrou alta de 32,2% nas vagas ofertadas de janeiro a agosto deste ano: foram 101.694 postos ante 76.909 do mesmo período de 2009. Entre aspectos ligados à falta de aptidão, falta de experiência ou qualificação específica, o CAT tem vagas abertas de operador de telemarketing, atendente de lanchonete, cozinheiro, pedreiro, vendedor e eletricista, entre outras.

 

Para entender um pouco da questão da oferta de mão de obra hoje é preciso retornar aos anos 1990, cenário marcado por uma economia instável e de crescimento medíocre. Na época houve a desmobilização dos cursos profissionalizantes movida pela crença de que os postos formais de trabalho seriam escassos no futuro e que as ocupações técnicas na indústria dariam lugar a postos no setor de serviços.

 

“Essas verdades dos anos 1990 já não valemparauma economia que hoje, alémde estável, vai crescer no patamar de 7% e tem um mercado de trabalho com demandas em todos os setores e níveis de qualificação. De qualquermaneira, pagamos hoje o preço da política de desmobilização na formação de pessoas ocorrida na década de 1990”, diz o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz. A alta demanda, no entanto, se depara com situações peculiares no contingente de potenciais trabalhadores. Há uma parcela da população que está há décadas excluída do mercado de trabalho e de consumo, sem projeto profissional, e que não encontra espaço nem mesmo em ocupações básicas. “Mesmoumatendente precisa de qualificação mínima para se relacionar, precisa saber escrever ou digitar um pedido no computador demão”, observa Ganz.

 

Outra dificuldade diz respeito à pessoa que encontrou alternativa de trabalho no mercado informal— trazê-la para a formalidade é um processo complexo. “Para quem tem um pequeno negócio informal,mudar paraumemprego formal está diretamente ligado às condições de trabalho oferecidas. Se nãohouverumavantagem mínima ele não vai querer a troca”, avalia o diretor do Dieese.

 

Historicamente com uma estrutura de formação educacional voltada para humanidades, hoje o Brasil se vê às voltas com a falta de engenheiros, por exemplo, justamente por conta da alta demanda da construção civil. “O Brasil tem excesso de profissionais como advogados, mas forma menos engenheiros do que a Coreia do Sul”, diz a economista do Santander, Luiza Rodrigues. Com Simone Cavalcanti

 

Rotatividade alta é desafio para redes de varejo

 

Rei do Mate, 5 à Sec, Dicico e Ri Happy enfrentam obstáculos para manter funcionários

 

Com salários baixos e expediente aos finais de semana, nunca foi tarefa fácil reter mão de obra no varejo. Mas com a expansão acelerada das redes — já se fala em falta de shoppings para a quantidade de lojas que as empresas pretendem abrir — a situação piorou. Para não perder funcionários para a concorrência, as empresas investem em capacitação. Nas 12 lojas da 5 à Sec do empresário Marcos Toledo é comum que funcionários deixem a empresa para, segundo ele, ganhar menos e trabalharmais. “Aqui, alguns funcionários sentem que trabalham em uma simples lavanderia. Então eles vão para o shopping center onde,muitas vezes, o salário é menor e a carga horária é maior”, afirma Toledo.

 

“Eles acham que o shopping tem mais glamour, apesar de precisarem trabalhar aos finais de semana”, diz. Para driblar o problema, o empresário pretende vender uma imagem melhor da empresa durante os treinamento. “Meu funcionário tem que perceber que ele não trabalha em uma lavanderia comum e, sim, em uma multinacional francesa”, afirma.

 

Parte desta dificuldade em reter mão de obra qualificada deve ser resolvida com a inauguração do centro de treinamento da Associação Brasileira de Limpeza a Seco (Abraseco). “O nível de mão de obra encontrado no mercado é muito básico e não atende mais as nossas expectativas. Os cursos da Abraseco serão bancados por nós, os associados”, diz. Nos shopping centers, a dificuldade em segurar o funcionário é a mesma. Por esta razão, o treinamento dos colaboradores também virou prioridade no Rei do Mate. Há dois anos, a empresa fornecia apenas cursos semestrais para treinar a mão de obra dos lojistas. “Agora atendemos de acordo com a demanda. Os cursos semanais viraram rotina”, afirma João Baptista, diretor de franquias do Rei do Mate.

 

Sem garantias

 

Mesmo comtreinamento, o varejista ainda corre riscos. Na Dicico, especializada em materiais para construção, cerca de 3% dos 3 mil funcionários da rede deixam a empresa mensalmente. “O treinamento dura 60 dias, só então o funcionário recebe a senha do sistema para começar a trabalhar. Mas em muitos casos, ele nem começa o trabalho e já pede demissão”, afirma Dimitrios Markakis, presidente da Dicico.

 

Nas lojas da rede localizadas no litoral paulista, a situação é aindamais complicada. “No verão, tem gente que não vai trabalhar aos finais de semana para vender bebida na praia”, afirma o empresário. Além de disputar mão de obra com o próprio varejo, a Dicico também perde algumas pessoas para escritórios de profissionais liberais, onde não costuma haver expediente aos final de semana.

 

Ricardo Sayon, presidente da Ri Happy, varejista de brinquedos, disse em entrevista recente ao BRASIL ECONÔMICO que a empresa mudou seu formato de contratações em função das dificuldades em encontrar pessoal. Há dois anos, a varejista contratava apenas quem estivesse desempregado. Agora, esta regra não existe mais, devido à dificuldade emencontrar mão de obra.

 

Veículo: Brasil Econômico


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