As brasileiras estão entre as mulheres que mais gastam com produtos de beleza no mundo. Mas a maior empresa de cosméticos do mundo, a francesa L'Oréal SA, ainda tropeça por aqui.
O motivo: as brasileiras, estejam elas nas margens do Amazonas, nas favelas de São Paulo ou nos ricos bairros na praia do Rio, estão acostumadas a comprar seu creme facial e rímel de representantes que vão porta a porta, não das lojas onde as marcas da L'Oréal são vendidas.
A L'Oréal não está interessada no modelo de venda direta, mas sua nova estratégia copia elementos dela com o uso de consultoras pessoais de beleza nas lojas de departamento.
"Nossa maior aposta aqui é conseguir criar um negócio de cosméticos do zero", disse Jean-Paul Agon, o diretor-presidente da L'Oréal, enquanto examinava um tubo de rímel Maybelline numa unidade das Lojas Americanas na Tijuca, o bairro carioca de classe média. "Quanto mais o mercado evolui, menos relevantes serão as vendas diretas."
O Brasil é crucial para a L'Oréal alcançar a meta de 1 bilhão de clientes, ou o dobro do atual, na próxima década. A L'Oréal fatura atualmente cerca de um terço da receita anual de 17,5 bilhões de euros (US$ 23,4 bilhões) nos países emergentes e espera aumentar isso para metade do total até 2020.
Mas, apesar do arsenal de marcas conhecidas - de Maybelline e Garnier a Lancôme -, o crescimento da L'Oréal no Brasil tem sido no máximo inconstante. As vendas aumentaram 15%, para 521 milhões de euros, em 2009, mas mal haviam crescido no ano anterior. Em comparação, o crescimento da empresa na China não fica abaixo de 18% há três anos.
Não será fácil vencer a vasta rede de vendas diretas no Brasil - ou convencer as mulheres a mudar seus hábitos de consumo. Os concorrentes que usam o método porta a porta têm um vigor surpreendente, com as duas maiores empresas do setor no país abocanhando 50% de todas as vendas de cosméticos com cores e 42% das de produtos para a pele.
A Natura Cosméticos, a líder do mercado em produtos de beleza e cuidados pessoais, emprega mais de 1 milhão de vendedores no país inteiro. A americana Avon Products Inc. também conseguiu uma fatia do mercado brasileiro maior que a da L'Oréal graças à experiência com venda direta.
O desafio da L'Oréal diz muito sobre a concorrência crescente das multinacionais de alimentos e produtos de higiene e limpeza, que enfrentam concorrentes locais que conhecem há muito tempo o gosto e as peculiaridades de seus mercados.
A mexicana Grupo Bimbo, dona das marcas Pullman e Plusvita, tem uma vantagem ampla em relação a concorrentes como a Kraft Foods Inc. na América Latina, e se tornou ano passado a segunda maior empresa de panificação do mundo depois da aquisição da divisão de pães da Sara Lee Corp. A United Breweries Group, da Índia, construiu um império dos destilados ao redor de sua marca popular de cerveja, a Kingfisher.
A venda porta a porta não é apenas um empreendimento comercial no Brasil. É uma tradição antiga que elevou milhões de brasileiras para a classe média. Cerca de 2,5 milhões de mulheres, de uma população economicamente ativa de 42 milhões, ganham a vida com vendas diretas.
Valdiane Vanessa Soares de Lima, de 23 anos, vive no Complexo do Alemão no Rio como dona de casa e mãe de duas crianças. Ela gasta até R$ 200 por mês em produtos Natura. "Sou totalmente descontrolada!", ria ela enquanto retocava a maquiagem numa sala minúscula de frente para um aterro de lixo.
O diretor-presidente da Natura, Alessandro Carlucci, diz que o modelo de vendas diretas vai continuar forte no Brasil por pelo menos mais uma década. "Há um lado cultural que as pessoas apreciam", diz ele.
Agon tem uma visão diferente. O executivo de 54 anos, que assumiu a presidência executiva há cinco anos, fez nome na chefia da subsidiária americana da L'Oréal abrindo um centro de pesquisa dedicada à pele e aos cabelos dos negros, em 2003, e lançando um condicionador voltado à comunidade afro-americana chamado Soft Sheen-Carson. Em 2006, ele comandou a compra pela L'Oréal da The Body Shop.
Dois anos atrás, a L'Oréal começou a buscar novos meios de expansão diante do declínio dos negócios da empresa com a crise em seus principais mercados, os Estados Unidos e a Europa. O Brasil - o terceiro maior mercado de cosméticos do mundo, depois dos EUA e do Japão - parecia uma escolha óbvia. A L'Oréal está no Brasil há 50 anos, mas seus negócios no país se concentraram principalmente em produtos para o cabelo. Em meados do ano passado, os principais executivos da empresa no país fizeram uma teleconferência para criar um plano para os cosméticos. "Qual seria nosso plano para ativar o negócio de maquiagem e produtos para a pele?", disse Agon.
Juntas, as vendas de maquiagem e produtos para a pele respondem por menos de 15% das vendas da L'Oréal no Brasil - pouco se comparado aos quase 50% que essas categorias geram para o faturamento da empresa no mundo.
A Natura, por outro lado, sempre se concentrou no mercado doméstico e na América Latina. Fundada há 42 anos em São Paulo, a empresa de capital fechado usa ingredientes locais como açaí e sementes de macadâmia em seus produtos, que vão de batons a protetor solar, perfumes e hidratantes. A Natura não é barata. Seu rímel mais caro custa R$ 49,90, ante R$ 19,99 para o Colossal Volum'Express, da Maybelline, por exemplo. Mas a Natura também tem alternativas mais baratas para as regiões mais pobres do Brasil.
No fim do ano passado, Agon fez uma viagem ao Brasil para começar a pôr em prática o plano da empresa. Numa tarde no Rio, ele visitou uma dezena de lojas e salões. "Assim é que não dá para desenvolver a maquiagem", disse ele quando entrou numa farmácia com cestos bagunçados de delineadores e rímel. Mas na mesma rua, nas Lojas Americanas, Agon sorriu quando uma consultora de beleza ao lado de um estande espelhado da Maybelline com amostras de batom, rímel e sombra mostrava a uma cliente como aplicar pó compacto no rosto. "Temos de criar a atmosfera apropriada", disse ele.
Para a ofensiva de maquiagem da L'Oréal, Agon mira lojas como a Americanas. A L'Oréal está negociando no momento com a diretoria da rede para expandir as prateleiras de cuidados para pele e maquiagem em todo o país. Para tratamento de pele, Agon está se concentrando em farmácias.
A L'Oréal também está tentando adaptar a maquiagem para a mulher brasileira. Por exemplo, base, um produto no qual a L'Oréal é forte mundialmente, não vende bem no Brasil porque as mulheres acham que aumenta a oleosidade de sua pele. Agon determinou que a equipe de pesquisa da empresa trabalhasse em produtos com ingredientes mais naturais e locais.
Agon reconhece que a L'Oréal não vai cumprir sua missão no curto prazo. Mas ele acredita que as vendas vão decolar no Brasil em algum momento. "Há uma certa modernidade no autosserviço", diz.
Veículo: Valor Econômico