Rede cresce apostando na proximidade com os clientes
Eram quatro horas da tarde de quarta-feira em Tietê, a 121 quilômetros da capital paulista, quando Clotilde Carneiro Mariano decidiu fechar a compra de uma geladeira e de um fogão. Acompanhada da filha, foi até a Cybelar, a maior loja de móveis e eletroeletrônicos da cidade, cuja população é formada por 37 mil habitantes. Enquanto esperava a vendedora emitir a nota fiscal, outro vendedor, Danilo, ofereceu-lhe uma cadeira. A senhora de 81 anos agradeceu puxando conversa. "O que eu tenho é doença de novo, não de velho", disse Clotilde, que minutos depois descobriu ser tia-avó da namorada do vendedor, um parentesco que o próprio Danilo desconhecia.
Trabalhar esse "mundo pequeno" tem sido a especialidade da Cybelar. Dona de 86 lojas no interior paulista, a rede fundada em 1952 pelo marceneiro Angelo Pasquotto tem conseguido crescer à margem dos gigantes do varejo nacional apostando na proximidade com a clientela. A estratégia do presidente, Ubirajara Pasquotto, filho de Angelo, é só abrir loja em "cidade menor, não cidade pequena", com até 120 mil habitantes. Algumas exceções são feitas em municípios onde o mercado consumidor se justifica, como Marília, com 220 mil habitantes, considerada uma cidade universitária.
Com R$ 400 milhões de faturamento e 17 novas lojas em 2010, Pasquotto planeja vendas 25% maiores este ano, atingindo meio bilhão de reais, além de esticar a rede em mais 20 pontos de venda, com investimentos de R$ 12 milhões. Entre as metas da varejista, que emprega 18 mil pessoas, também estão a estreia da operação de comércio eletrônico no segundo semestre e a ampliação do centro de distribuição (CD), que deve dobrar para 30 mil m2 ainda este ano. A expansão do CD deve consumir R$ 25 milhões, que Pasquotto estuda obter em parte com o BNDES.
O empresário acredita que ainda há muitas cidades para desembarcar na "Faixa de Gaza", como se refere ao interior paulista. "A briga sempre foi forte por aqui", diz Pasquotto. "Agora, com o maior controle do governo sobre o varejo informal, que vendia mais barato, estamos competindo em melhores condições de igualdade", diz ele, que considera a disputa muito mais acirrada no interior paulista, o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, do que na capital, a região mais rica do país.
"Em qualquer bairro de São Paulo, você encontra no máximo seis lojas de móveis e eletro para atender 1 milhão, 2 milhões de habitantes", diz. "Em uma cidade como Lençóis Paulista, com 62 mil habitantes, tem sete: Lojas Cem, Magazine Luiza, J. Mahfuz, Lojas Colombo, Baú Crediário, Ponto Frio e Cybelar", enumera.
A importância de fincar raízes em cidade pequena está em criar relacionamento. "Não posso trabalhar com qualquer marca, que vai quebrar amanhã e deixar o cliente na mão, porque ele confia no que compra aqui", diz Pasquotto. Os grandes competidores, diz ele, não têm essa visão. "Enquanto a concorrência estiver trabalhando assim [de maneira impessoal] vamos ter mercado". A própria Tietê, sede da Cybelar, serve de exemplo. Há três anos, a Casas Bahia desembarcou na cidade, onde ficou por apenas 13 meses e fechou.
A fidelidade do consumidor pode ser constatada nos números de venda: 70% do faturamento vem do crediário, operação em que o cliente precisa voltar à loja todo mês para pagar a fatura. É possível dividir em até 16 vezes, com juros de 5,9% ao mês. "Com isso, conseguimos que 60% das nossas vendas no crediário sejam para a base atual de clientes", diz. A taxa de inadimplência está em 5% das vendas, contando a partir de um mês de atraso no pagamento.
O movimento de concentração do varejo brasileiro, que deu origem aos atuais gigantes do setor, parece não assustar o empresário. "Nenhuma indústria quer ficar na mão de três ou quatro redes", diz. "A negociação com os fornecedores ficou mais fácil, eles nos respeitam mais". A indústria retribui o elogio. "A Cybelar está em forte expansão no oeste paulista [onde ficou com algumas lojas da rede mato-grossense do sul Ponto Certo ] e respeita mais os acordos do que as grandes redes", diz uma fonte do setor de eletrodomésticos.
Um exemplo da proximidade com a indústria está na parceria com a Samsung: quem comprar um celular da marca na Cybelar ganha de R$ 200 a R$ 500 de desconto se levar o aparelho antigo para descarte. A rede também lançou há pouco mais de quatro meses um programa de coleta e descarte de produtos eletrônicos em todas as suas lojas. Por meio dele, o cliente que compra uma geladeira nova, por exemplo, pode decidir pagar uma taxa de R$ 109,90 para descartar a atual geladeira (uma empresa terceirizada vai buscar o produto na casa do consumidor e levá-lo para reciclagem) ou contratar o descarte futuro do produto, por R$ 49,90. "Em quatro meses, tivemos 10 mil pedidos, a maioria para celular", diz Pasquotto.
O maior desafio do filho mais velho de Angelo Pasquotto agora é crescer mantendo a intimidade com o consumidor. "Temos loja em que o gerente é convidado para o casamento do filho do consumidor, que comprou a linha branca na loja", diz Pasquotto, incomodado pelo fato de conhecer "só de foto" cinco das suas novas lojas.
Até horta dos funcionários entra no corte de despesas
Para se manter competitiva, a Cybelar mantém controle rígido de custos. Não escapa nem a horta na sede da empresa, cujo terreno ocupa um espaço de 140 mil m2 à entrada de Tietê. "O pessoal estava animado com a horta e queria mais espaço", diz o presidente da Cybelar, Ubirajara Pasquotto. "Mas fiz as contas e descobri que o nosso pé de alface era o mais caro da região", diz ele. Apesar de interromper o possível "braço de hortifruti" da Cybelar, Pasquotto manteve árvores frutíferas, como a acerola, de onde é extraído o suco servido no restaurante coletivo da sede.
Outra medida foi optar pelo climatizador, no lugar do ar condicionado, para aliviar o calor nos pontos de venda. "Até poderíamos instalar ar condicionado, mas isso iria refletir nas metas de venda".
Aos 52 anos, Pasquotto é o mais velho de sete irmãos, todos sócios da Cybelar, mas só três com cargos executivos (além dele, um irmão é gerente logístico e uma irmã é gerente jurídica). "Somos auditados há três anos pela KPMG e nossa gestão é profissional", garante o empresário, que se dedica à criação de um "family office" para gerir o dinheiro da família e evitar possíveis conflitos de interesse.
"Bira", como é chamado por clientes, fornecedores e empregados, orgulha-se ao mostrar como a Cybelar é rica em "pratas da casa". Gente que está na empresa há 50, 40 anos. Mas é Inês, que cuida do restaurante coletivo, com 26 anos de Cybelar, quem lhe dá o puxão de orelha em relação a outro velho conhecido, quase esquecido na área verde em frente ao restaurante: o sino de bronze encomendado há cinco anos, três anos após a morte de Angelo Pasquotto, que queria ali uma capela. "Há dois anos ele comprou os tijolos, um dia a capela sai", brinca Inês. (DM)
Veículo: Valor Econômico