De cada 10 litros de leite, 3 não são inspecionados

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Para pequeno produtor, venda informal é mais lucrativa; fiscalização é falha

 


Três anos após o escândalo que pôs em xeque a qualidade do leite no Brasil, o setor ainda tem problemas. A cada 10 litros produzidos, 3 não passam por inspeção.

 

Os últimos dados anuais fechados revelam que 9,5 bilhões de litros produzidos em 2009 (33% do total) não passaram pelas autoridades sanitárias, segundo o IBGE.

 

Os números mostram pouco avanço na fiscalização desde 2007, quando a Polícia Federal deflagrou uma operação que encontrou soda cáustica e água oxigenada adicionadas ao leite.

 

Naquele ano, 8,2 bilhões de litros (31,5%) de leite ou derivados foram consumidos pelos brasileiros sem qualquer fiscalização sanitária. A repercussão chegou a atingir gigantes, como a Parmalat, e a Anvisa interditou lotes.

 

O leite informal e ilegal vem geralmente do pequeno produtor, que não conseguiu bom preço na cooperativa e decide vender no varejo.

 

"Sempre vai haver esse leite informal se a inspeção dos governos não tomar uma atitude e passar a fiscalizar e multar", afirma Jorge Rubez, presidente da Leite Brasil (Associação Brasileira dos Produtores de Leite).

 

Vendido em garrafas pet ou transformado em queijo, esse leite não inspecionado é levado diretamente ao consumidor ou é entregue em feiras livres, quitandas e outros comércios. "Campeãs de consumo de queijo informal são as pizzarias de São Paulo", diz Rubez.

 

O preço atrai: o litro vendido ao laticínio rende ao produtor de R$ 0,60 a R$ 0,65, segundo pecuaristas ouvidos pela Folha. Na garrafa pet, sai por até R$ 1,30. A peça de queijo, que consome cerca de oito litros, é vendida a R$ 10.

 

LUCRO MAIOR

 

A vantagem econômica afastou do laticínio Wilson Couto Rosa Júnior, 57, produtor de leite há 40 anos no interior paulista.

 

Em 2002, ele decidiu deixar a cooperativa e assumiu a "clientela" de um vizinho. Hoje são 40 fregueses. Ele vende até 50 litros de leite por dia (a R$ 1,25 cada) e ainda faz 20 queijos por semana, que rendem R$ 200.

 

Se, como cooperado, sobrava renda de R$ 1.000 por mês, como autônomo Wilson obtém o dobro.

 

Todos os dias, ele sai de casa antes das 7h para entregar as garrafas. O horário cedo é devido à perecibilidade do produto, mas também para evitar fiscais. "É inviável vender para laticínio. A gente faz isso para a sobrevivência."

 

Outros produtores usam o leite informal como complemento. Um deles em Ribeirão Preto, que pediu para não ser identificado, entrega de 100 a 120 litros por dia ao laticínio, a R$ 0,60. O que sobra (de 30 a 40 litros) vende na rua, a até R$ 1,30, ou transforma em queijo.

 

"A pessoa que compra da gente sabe que é bom. Prefere o leite natural, puro. O que fazer o pequeno produtor se não puder vender leite na rua?", pergunta.

 

A falta de inspeção traz riscos à saúde. "Às vezes [o leite] nem sequer passa por pasteurização e, com isso, corre-se o risco de bactérias patogênicas", diz Laerte Cassoli, da Clínica do Leite da USP.

 

O Ministério da Agricultura e as secretarias da Agricultura de Estados produtores dizem que há falha nas três esferas (inclui prefeituras).

 

Órgão de SP diz não poder fiscalizar o que é vendido na rua, apenas o que é comercializado em estabelecimentos

 


O Ministério da Agricultura e os governos paulista e mineiro admitem que é preciso melhorar o controle da venda de leite e de queijo sem inspeção, e dizem que isso depende de um esforço conjunto entre prefeituras, Estados e ministério.

 

"Infelizmente, ainda existe na população a cultura de que aquilo que vem da roça é melhor, mas não é verdade", diz Carlos Roberto Turchetto Junior, chefe substituto da Divisão de Inspeção de Leite e Derivados do ministério.

 

Segundo ele, é tarefa das vigilâncias sanitárias de prefeituras e Estados coibir a venda desses produtos em comércios e na rua. A do município de São Paulo, porém, diz só poder controlar o que é vendido em estabelecimentos comerciais.

 

No ano passado, foram fiscalizados pelo órgão 839 restaurantes, bares e pizzarias na capital. Em 36 locais, os fiscais inutilizaram produtos como queijo ou equipamentos sem procedência.

 

Sobre a afirmação de que pizzarias compram queijo informal, a Associação Pizzarias Unidas (que representa estabelecimentos do Estado) disse desconhecer a prática.

 

Em Minas, das 26 mil agroindústrias de leite e outros produtos do campo, só 6.000 estão regulares -metade é do ramo de leite e derivados-, segundo o Instituto Mineiro de Agropecuária.

 

Para o diretor da entidade Altino Rodrigues Neto, a lei brasileira é "inadequada" e "extremamente exigente" com o pequeno produtor.
"Eles não conseguem e não necessitam seguir a legislação de uma grande empresa. Essa é uma lei antiga, que não se adequou ao mercado brasileiro. Isso gerou uma informalidade."

 

Rodrigues diz que o Estado criou prazos legais para ajudar empresas a se adaptarem e que abrirá mais laboratórios para controle de qualidade -a maioria fica na capital.

 

Em São Paulo, o coordenador da Defesa Agropecuária, Cláudio Alvarenga de Melo, diz que o queijo e o leite informais chegam no máximo a 15% da produção e que combater a ilegalidade "é competência de todas as esferas".

 

FISCALIZAÇÃO

 

A Operação Ouro Branco da Polícia Federal, em 2007, fez com que o ministério revisse a forma e a frequência com que fiscais visitam as indústrias. Em 2007 e 2008, foram colhidas 1.500 amostras.

 

Dessas, 29 tiveram indícios de fraude, e as empresas tiveram sanções, como proibição de vender leite até a regularização -algumas fecharam e foram vendidas.

 

Em 2010, foram 3.000 amostras analisadas, 27 com indícios de leite adulterado.

 

Por outro lado, regras do ministério tornarão mais rígido, a partir de julho deste ano, o limite de bactérias no leite que chega ao laticínio.

 

Veículo: Folha de S.Paulo


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