O Wal-Mart Stores Inc. enfrenta a pior fase de sua história para as vendas nos Estados Unidos.
Ontem, a rede varejista americana informou que as vendas das lojas abertas por pelo menos um ano nos EUA caíram pelo segundo ano consecutivo. Ela até conseguiu um forte aumento de 27% no lucro do quarto trimestre fiscal, encerrado em janeiro, e a receita subiu 2,5%, mas foi graças ao bom desempenho de suas operações internacionais, em particular México, China e Brasil. As vendas das lojas americanas abertas por há pelo menos um ano caíram pelo sétimo trimestre consecutivo. No período de 13 semanas encerrado em 28 de janeiro, o que inclui o Natal, as vendas por esse critério caíram 1,8% nos EUA.
Executivos do Wal-Mart disseram ontem que a recuperação do faturamento americano "vai demorar algum tempo".
A luta do Wal-Mart é resultado de uma decisão equivocada: para reativar o letárgico crescimento e reagir à ascensão de concorrentes como a rival barateira mas sofisticada Target Corp., os executivos se afastaram da fórmula bem-sucedida criada pelo falecido fundador Sam Walton, de fornecer "preço baixo todo dia" para a classe trabalhadora americana. Em vez de continuar nessa fórmula, o Wal-Mart, maior varejista do mundo em faturamento, aumentou os preços de alguns produtos enquanto promovia descontos em outros.
Os executivos da empresa reconhecem o erro e estão mudando novamente a estratégia. A grande dúvida agora é com que rapidez a rede conseguirá se recuperar.
O afastamento do Wal-Mart de sua tradicional base de clientes se manifestou de várias maneiras. Uma investida no segmento de alimentos orgânicos não conquistou os clientes interessados em preços baixos. A tentativa de oferecer roupas da moda, como calças jeans justas, foi um fracasso. E a tentativa de diminuir o excesso de produtos nas lojas, para atrair consumidores de renda maior, acabou minando o apelo do Wal-Mart para seus clientes tradicionais.
A investida da rede, que tem sede em Bentonville, no Estado de Arkansas, começou antes da recessão e conseguiu atrair alguns clientes mais endinheirados, mas a um custo alto. O Wal-Mart perdeu as famílias americanas que ganham menos de US$ 70.000 por ano - e que respondiam por 68% de seu faturamento nos EUA - para outras lojas barateiras.
"O cliente básico do Wal-Mart não abandonou o Wal-Mart. O que ocorreu foi que o Wal-Mart é que abandonou esse cliente", diz Jimmy Wright, que supervisionou a rede de distribuição da empresa de 1992 a 1998 antes de deixá-la para fundar com sócios a consultoria Diversified Retail Solutions.
O Wal-Mart trocou os executivos do alto escalão nos últimos nove meses e voltou ao básico - descartando as roupas da moda em favor de meias e calças de moletom, por exemplo -, numa tentativa de recuperar participação de mercado.
A empresa continua sendo uma força inigualável no varejo e não pode ser menosprezada. Seu faturamento geral continua em expansão, principalmente graças à divisão internacional, de rápido crescimento, que gera cerca de um quarto da receita.
O Wal-Mart continua divulgando resultados estáveis apesar dos problemas no mercado doméstico e desfruta de uma economia de escala enorme que pode ajudá-lo a se recuperar nos EUA mais rapidamente do que preveem seus críticos.
Mas é evidente que a empresa perdeu um pouco do vigor. O Wal-Mart descobriu que seus negócios estão sendo corroídos pelo equivalente americano das lojas de R$ 1,99, pelos supermercados barateiros e pelos sites de compras. A empresa também perdeu um pouco do domínio antes inabalável sobre os fornecedores.
A empresa não quis deixar seus executivos disponíveis para entrevistas para esta reportagem.
Bill Simon, o diretor-geral do Wal-Mart nos EUA, disse a investidores no terceiro trimestre de 2010 que muitos fornecedores encontraram outras lojas para vender seus produtos depois que o Wal-Mart diminuiu o número de prateleiras para coibir o excesso de oferta. "Se um fornecedor ouve que sua principal mercadoria em seu maior comprador" será reduzida em 15%, disse Simon, "adivinhe o que acontece? Ele pega suas coisas e busca outro comprador".
Alguns analistas acreditam que pode demorar anos para o Wal-Mart se recuperar, a não ser que abra rapidamente lojas menores para concorrer com a explosão das lojas "tudo por um dólar", que planejam instalar mais 1.000 locais só este ano. O Wal-Mart está tentando se instalar em Nova York e em outros mercados urbanos onde não tem presença, mas planeja abrir inicialmente apenas entre 30 a 40 lojas menores, com no máximo 3.700 metros quadrados, nos EUA. Os supercenters, seu principal negócio, têm em média 17.200 metros quadrados.
"Os consumidores devem estar ficando confusos", disse o analista Neil Currie, do UBS, que rebaixou a ação do Wal-Mart para "neutra" este mês. "Eles querem ser tudo para todo mundo e podem até conseguir isso, mas o supercenter pode não ser a maneira de fazer isso. Eles precisam encontrar novas alternativas."
A ação do Wal-Mart, que fechou em US$ 53,67 ontem, em baixa de 3%, está estagnada há uma década, subindo 5,8% no período até o ultimo pregão antes da divulgação do balanço, sexta-feira. A ação da Target subiu 53% no mesmo período, a da atacadista Costco Wholesale Corp. 83% e a da Family Dollar Stores Inc., uma rede de tudo por um dólar, 119%.
Parte do problema é que com um faturamento nos EUA de mais de US$ 300 bilhões, o Wal-Mart já consome uma fatia tão grande do orçamento dos americanos que continuar crescendo se tornou um desafio extraordinário. A analista Adrianne Shapira, do Goldman Sachs, calculou recentemente que para o Wal-Mart obter um crescimento de 1% no faturamento das lojas existentes há um ano ou mais, cada pessoa nos EUA precisaria gastar mais US$ 10 na rede.
O Wal-Mart também se afastou de sua proposta de ser um destino para todas as compras que oferecia o tempo todo os preços mais baixos do mercado. À medida que caía o crescimento e o Wal-Mart começava a ficar sem espaço para construir suas megalojas, a rede começou a oferecer descontos ainda maiores em alguns produtos e aumentar o preço de outros, segundo entrevistas com mais de uma dezena de ex-executivos e vendedores.
Essa tática de "alto e baixo" é o oposto do que pregava o fundador Sam Walton. A estratégia atingiu o ápice no segundo trimestre do ano passado, gerando boas vendas de produtos com desconto, como Coca-Cola, mas sem aumentar o faturamento geral.
"A tática se espalhou como um câncer, e é sistêmica", diz Scott Edwards, que até 2005 era vice-presidente regional de operações do Wal-Mart. "Agora a Target não precisa baixar os preços, porque aumentamos os nossos. Acho que afastamos muitos clientes da classe trabalhadora", diz ele.
Agora o Wal-Mart está descartando a tática e voltando à proposta inicial de oferecer preço baixo diariamente.
Ao mesmo tempo, a redução no número de funcionários frustrou alguns vendedores, que dizem que o varejista antes conhecido pela eficiência agora muitas vezes tem falta de algumas mercadorias no fim de semana.
O diretor-presidente da Procter & Gamble Co., Robert McDonald, deu recentemente uma explicação sucinta para a dificuldade da empresa em vender mais produtos nas lojas americanas do Wal-Mart: "desvios de execução" no varejista.
Um exemplo é que a P&G e o Wal-Mart criaram uma série de filmes para exibição na TV chamada "Noite de Cinema com a Família", que dava destaque a vários produtos como os molhos de salada de marca própria do Wal-Mart e as baterias Duracell, da P&G. Mas "não havia o número [necessário] de displays nas lojas" anunciando os produtos, disse McDonald numa teleconferência com analistas no mês passado. O Wal-Mart não reagiu ao comentário, uma crítica aberta pouco comum para um dos maiores fornecedores do varejista.
Em sua busca por compradores mais abastados, o Wal-Mart também tentou se tornar uma potência em comida orgânica, o que não deu certo, segundo fornecedores e produtores rurais.
O Wal-Mart prometeu em 2006 democratizar os alimentos orgânicos usando seu poder de compra para forçar uma queda geral dos preços deles para 10% mais do que os alimentos tradicionais, em vez de 20% a 30%. Mas a maioria dos clientes do Wal-Mart não estava interessada em pagar mais por alimentos orgânicos, com exceção de algumas poucas categorias, como leite e iogurte.
"É preciso reconhecer que eles trouxeram um monte de novos produtos orgânicos para suas lojas. Mas boa parte desapareceu", diz George Siemon, diretor-presidente da Organic Valley, a maior cooperativa de orgânicos dos EUA e uma fornecedora de algumas lojas Wal-Mart. "O cliente do Wal-Mart está pronto para abraçar um conjunto completo de produtos orgânicos? A resposta é não, ainda não."
Houve também a iniciativa de atrair os consumidores de renda mais alta com mudanças no design das lojas. Um ano e meio atrás, o Wal-Mart celebrou o redesenho da loja número 3.298, em Kemah, Texas, com uma cerimônia de corte da fita que alardeava os corredores mais limpos e amplos e a menor variedade de mercadorias. Era para ser o visual do futuro da rede. Mas não deu certo.
Por isso, o Wal-Mart voltou a empilhar vinho em caixa de US$ 8,97 e CDs de Justin Bieber por US$ 8 nos corredores da loja, recriando uma confusa procissão de mercadorias com desconto. Agora analistas temem que, ao mudar de novo, o Wal-Mart corra o risco de alienar quaisquer compradores mais abastados que tenha conquistado.
Veículo: Valor Econômico